Uma mulher feliz é um ato revolucionário – a frase da feminista Juliana Borges se transfigurou em obra de arte em neon, idealizada artista Mônica Ventura, chamando atenção de todos os que passaram pela última edição da Art Rio. Trata-se de uma afirmação constrangidamente verdadeira, pois até hoje as mulheres negras sofrem violentos resquícios da estrutura escravocrata brasileira. Agora imagina em 1960! Carolina Maria de Jesus lançou o seu mais conhecido livro, Quarto de despejo, naquele ano e sofreu silenciamentos de uma sociedade racista e patriarcal que até hoje.
Para fazer uma homenagem a autora que quebrou muitos paradigmas em sua época ao publicar ainda em vida, sendo uma mulher negra no Brasil, best sellers como Casa de alvenaria (1961), Pedaços da fome, cujo título original era A felizarda (1963), e Provérbios (1963), o IMS organizou, em parceria com a Bienal de São Paulo, a exposição Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros.
O título da mostra, curada por Hélio Menezes, Raquel Barreto e Luciara Ribeiro, é uma espécie de homenagem e reparação. Ele remete a dois cadernos que Carolina escreveu em 1975. Após o falecimento de Carolina, os cadernos foram editados na França e publicados em livro, em 1982, com o título Journal de Bitita. Em 1986, a obra foi traduzida diretamente do francês e lançada em português como Diário de Bitita.
Os manuscritos são o fio condutor da mostra, sendo exibidos logo na entrada. Na exposição, os textos de Carolina e sua própria letra aparecem em diversos formatos, como em projeções na parede e lambes-lambes. A equipe curatorial consultou e usou os textos originais com o objetivo de mostrar ao público a voz e a escrita de Carolina, tendo em vista que os livros da autora publicados até recentemente passaram por polêmicas, modificações e alterações.
Ao longo da mostra, é possível encontrar fotografias pouco conhecidas da artista, em que ela aparece sorrindo, usando roupas elegantes, como sobretudos e colares de pérolas, com o cabelo à mostra, de forma altiva. Ao reunir essas fotografias, a exposição procura apresentar uma nova visualidade da autora, em contraponto às imagens mais difundidas, que a retratam quase sempre de modo perfilado, com uma expressão por vezes séria e cabisbaixa e os cabelos cobertos por um lenço, que acabou se tornando um símbolo associado à escritora. A ideia, é portanto mostrar uma versão revolucionária de Carolina…feliz!
A mostra, que também contou com o trabalho de pesquisa da crítica literária e doutora em letras Fernanda Miranda, tem caráter interdisciplinar e conta, ainda, com trabalhos de 60 artistas, parte comissionados, que dialogam com os temas investigados por Carolina: as contradições, a política e a desigualdade do Brasil de seu período. A exposição evidencia, ainda, a importância histórica da autora para pautas como o antirracismo, as lutas pelo letramento e pela moradia.
Um dos maiores destaques, além da obra de Mônica Ventura, é o novo retrato da artista pintado por Antonio Obá. O visitante poderá conferir, ainda, obras de outros artistas contemporâneos à autora como Heitor dos Prazeres e Maria Auxiliadora, além de nomes contemporâneos como Ayrson Heráclito, Dalton Paula, Eustáquio Neves, Paulo Nazareth, Rosana Paulino, Silvana Mendes, Sonia Gomes e o coletivo Encruzilhada.