Chegamos ao terceiro e último episódio do podcast ARTEQUEACONTECE.
A arte é a produção poética que nos atravessa, que perpassa séculos, se configura de modos diversos e nunca deixa de nos ensinar. Pintura, escultura, performance, instalação, gravura, fotografia — são muitas as linguagens que os artistas operam em suas produções. A história da arte, por sua vez, é a disciplina que estuda essas manifestações, mas também instiga a curiosidade sobre análises formais, bastidores, anedotas, relatos e contextos nos quais as obras foram criadas.
Neste episódio, vamos revisitar algumas histórias que marcaram as Bienais de São Paulo ao longo das décadas.
Vocês se lembram que a primeira edição aconteceu em 1951, na Avenida Paulista? Já a segunda, em 1953, contou com uma comissão artística impressionante, com nomes como Flávio de Carvalho, Mário Pedrosa e Tarsila do Amaral. Foi uma edição inesquecível, especialmente por trazer a Guernica, de Pablo Picasso — uma obra de quase oito metros de largura, raramente exibida fora da Espanha.
Na época, a pintura estava sob a guarda do MoMA, em Nova Iorque, desde a Segunda Guerra Mundial. Picasso havia determinado que só voltaria à Espanha quando o país fosse democrático, o que só aconteceu em 1981. O empréstimo para a Bienal de São Paulo envolveu cartas, telegramas e viagens, numa negociação intensa. O quadro saiu de Nova Iorque, passou por Milão, seguiu de navio até o Porto de Santos e, finalmente, chegou à capital paulista. Imaginem a comoção de ver de perto uma obra desse porte em um evento ainda tão jovem!
Em 1954, foi inaugurado o Parque Ibirapuera, e três anos depois a Bienal mudou-se para lá, onde permanece até hoje. A edição de 1957, porém, foi marcada por polêmicas: o júri recusou 85% das obras inscritas, gerando protestos de artistas como Aldo Bonadéi e Flávio de Carvalho. O prêmio principal foi dado ao italiano Giorgio Morandi, o que dividiu opiniões sobre o espírito da mostra.
Esse contexto se inseria em plena Guerra Fria, quando a arte também era usada como ferramenta política. Os Estados Unidos promoviam o expressionismo abstrato como símbolo de liberdade, em contraste ao realismo socialista soviético. Jackson Pollock, que havia morrido em 1956, ganhou uma grande sala na Bienal de 1957, consolidando esse embate cultural.
Outra edição decisiva foi a de 1969, poucos meses após a promulgação do AI-5. Cerca de 80% dos artistas convidados recusaram-se a participar em protesto contra a ditadura militar. Ficou conhecida como a “Bienal do Boicote”, mobilizando uma campanha internacional com repercussão nos EUA, França, México, Holanda, Suécia e Argentina.
Nos anos 1980, a figura de Walter Zanini foi fundamental para renovar a Bienal. Como curador-geral, introduziu um modelo mais contemporâneo, sem divisão por delegações nacionais e com foco em diálogos de linguagem — formato que se mantém até hoje.
Em 1996, a 23ª Bienal, intitulada A Desmaterialização da Arte no Final do Milênio, reuniu 87 países e incluiu salas dedicadas a Goya e Jean-Michel Basquiat. Dois anos depois, a célebre “Bienal da Antropofagia”, com curadoria-geral de Paulo Herkenhoff, trabalhou a ideia de contaminação e diálogo entre obras brasileiras e núcleos históricos.
Mais recentemente, em 2010, a 29ª Bienal abordou o político com intensidade, trazendo polêmicas como a instalação Bandeira Branca, de Nuno Ramos, com urubus vivos no vão central. A mostra reuniu cerca de 400 atividades em seis espaços conceituais chamados “Terreiros”, inspirados no verso de Jorge de Lima: Há sempre um copo de mar para um homem navegar.
A história da Bienal é também uma forma de ler a história do Brasil. Ela coloca a arte brasileira em pé de igualdade com a produção internacional e reflete as tensões políticas, sociais e culturais de cada época.
Cada edição conta com curadores, artistas, um projeto expográfico e um projeto gráfico próprios, sempre em diálogo com o conceito curatorial. Em alguns anos, os espaços ficam repletos de trabalhos; em outros, mais vazios. Mas, a cada visita ao pavilhão modernista, é sempre uma nova maneira de experienciar a arte contemporânea.
Este podcast é uma produção ARTEQUEACONTECE.
Pesquisa, roteiro e apresentação: Mariane Bellini.
Edição e sonorização: Bruno Palazzo e Marcelo Zop.
Até a próxima.