A King’s Chapel, uma das igrejas mais antigas dos Estados Unidos, localizada em Boston, inaugurou no dia 14 de setembro uma nova escultura feita pela artista Harmonia Rosales.
Intitulada Unbound, a escultura em bronze mostra uma mulher negra de roupas claras abrindo uma gaiola para libertar pássaros. O gesto carrega a memória da escravidão e o peso das vidas arrancadas pela violência racial que marcou a história da King’s Chapel. Ao colocar essa figura na entrada da igreja, a obra não só lembra o que foi silenciado, mas exige que o público encare de frente a presença que durante séculos foi negada.






Fundada em 1686 como a primeira igreja anglicana da região, a King’s Chapel teve sua construção finalizada em 1754, feita inteiramente de pedra. Idealizada por e para proprietários de escravos, chegou a manter cerca de 219 africanos e afro-americanos escravizados a serviço de sua comunidade paroquial até a abolição do regime em 1865.
Em 2022, a igreja assumiu publicamente seu envolvimento com a escravidão, por meio do Comitê de Missão e Serviço, que publicou o relatório A King’s Chapel: Slavery, Race, and the Ministry. Desde então, tem buscado construir gestos reparatórios diante desse passado. O mais recente, em parceria com Harmonia Rosales, recorre à arte como instrumento de memória e de reconhecimento das vidas marcadas por essa história.
Além da escultura posicionada na entrada, Rosales interveio no interior da capela com um mural no teto do santuário, onde pássaros em voo criam um efeito trompe l’oeil, abrindo o espaço para o céu. Nas bordas da composição, figuras negras e indígenas se projetam como se ocupassem uma nova sacada — devolvendo presença e visibilidade àqueles que foram silenciados na narrativa fundadora de Boston.
A escolha por Harmonia não foi casual, mas um ato deliberado. A artista, de origem afro-cubana e estadunidense, utiliza desde 2017 a estética renascentista — principal vertente artística associada à difusão dos ideais da Igreja Católica — para subverter padrões de beleza e cânones estabelecidos por séculos pelos chamados “grandes mestres da pintura”, como Michelangelo, Rembrandt, Rafael e Ticiano.
Sua produção, que articula a representação de povos historicamente marginalizados com a tradição clássica europeia, evidencia que não foi por superioridade, mas pelo passado colonizador europeu, que o Renascimento concentrou por séculos o poder das narrativas de criação da humanidade. Hoje, essa mesma linguagem pode ser apropriada para retratar outras culturas, mitos fundadores e, sobretudo, outros corpos. Como afirma a própria artista: “Substituir as figuras masculinas brancas (as mais representadas) por pessoas que acredito terem sido as menos representadas pode começar a recondicionar nossas mentes para aceitar novos conceitos de valor humano.”
Conheça a seguir alguns de seus principais trabalhos: