Home EditorialArtigos Gustavo Nazareno expõe na Opera Gallery: entrevistamos o artista e o curador da mostra

Gustavo Nazareno expõe na Opera Gallery: entrevistamos o artista e o curador da mostra

Enquanto o artista apresenta sua exposição individual na Opera Gallery em Londres, confira nossa entrevista com ele e o curador da mostra

por Diretor
Gustavo Nazareno, A little song of a new passage, 2024. Cortesia Opera Gallery

Gustavo Nazareno emprega técnicas que integram influências de diferentes áreas artísticas, como as artes têxteis e o design de cenários, para construir imagens que ilustram as narrativas místicas de suas fábulas autorais. Esses relatos giram em torno do universo simbólico dos Orixás, divindades do Candomblé e outras religiões afro-latinas, e suas obras buscam capturar a complexidade e a dualidade da natureza humana e espiritual, onde o bem e o mal coexistem e se entrelaçam. A escolha pela técnica do chiaroscuro e o uso do carvão aplicado com os dedos permitem que Nazareno crie atmosferas densas, impregnadas de mistério e espiritualidade.

Ao incorporar referências da fotografia de moda, suas personagens assumem poses que lembram editoriais, adornadas com trajes elaborados que ressaltam o poder visual e simbólico das divindades. Essa fusão de estilos, que inclui a dramaticidade renascentista e a estética contemporânea, reflete um diálogo entre o passado e o presente, resgatando elementos tradicionais para compor uma linguagem visual própria.

A exposição “Orixás: Personal Tales on Portraiture”, com curadoria de Samuele Visentin, marca a estreia de Gustavo Nazareno na Opera Gallery London. Com 16 pinturas a óleo e 25 desenhos em carvão, a mostra enfatiza a conexão entre o humano e o divino, utilizando uma iconografia religiosa marcada pelo tenebrismo. Esta exposição representa um marco na trajetória do artista mineiro e um retorno ao núcleo espiritual de sua prática artística, que, ao revisitar suas raízes afro-latinas, propõe uma perspectiva renovada sobre o sincretismo e a relevância dessas divindades na arte contemporânea.

Gustavo Nazareno, Bará #402, 2019-2024

Leia a seguir as entrevistas.

Entrevista com Gustavo Nazareno:

ARTEQUEACONTECE – Você mencionou que começou a estudar os Orixás por meio de uma encomenda em 2018. Como essa experiência inicial evoluiu para se tornar o núcleo da sua prática artística atualmente?

Gustavo Nazareno – Fui me envolvendo com os assuntos políticos, sociais e ancestrais que a narrativa me propôs, além da exploração visual e estética. A prática dessas pinturas tornou-se um laboratório para todos os meus interesses. Senti que, dentro da minha fé, tudo havia sido preparado para aquele momento, como um propósito. Adotei esse caminho para mim, e me encontro na pintura como em um terreiro. É minha fé e minha arte.

AQA – O uso do claro-escuro traz uma atmosfera quase teatral às suas obras. O que te atrai nesse jogo de luz e sombra, e como ele dialoga com o tema da dualidade presente em figuras como Exu?

GN – Bará, por exemplo, utiliza a sombra e a luz, o preto e o branco, como um grande veículo para a narrativa que construí para a série, tudo dentro da própria dualidade de Exu. Além disso, visualmente, acho esse jogo de sombras extremamente sensual e envolvente; você quase vê a figura, mas ela decide até onde você pode enxergar, como se tivesse o controle do que você vai ver.

AQA – A moda desempenha um papel intrigante na sua produção, tanto esteticamente quanto simbolicamente. O que te levou a incorporar esse universo no contexto das divindades e espiritualidades afro-brasileiras?

GN – A moda desempenha um papel importante dentro de uma cerimônia, por exemplo, na filosofia das cores, na ordem das vestimentas, na opulência, na alta costura e em toda a pompa necessária para se apresentar e para apresentar o orixá.

AQA – Qual é o papel da série “Bará” em seu corpo de trabalho, considerando que inclui centenas de desenhos em carvão e é reconhecida como uma das mais icônicas de sua obra?

GN – Foi onde comecei, e seguirá comigo até o fim, acredito fielmente nisso! Sempre que faço uma exposição em algum lugar pela primeira vez, penso primeiro em Bará como um veículo para apresentar uma série… Sou apaixonado por trabalhar com eles! Sempre consigo criar uma nova coreografia que dá à composição uma sensação de novidade, como se eles tivessem acabado de ser feitos. Amo ser conhecido por eles, afinal, eles representam tudo o que considero belo neste mundo.

AQA – Suas figuras transcendem identidades fixas e categorias binárias. Você poderia nos contar mais sobre o que essa fluidez representa dentro de suas narrativas visuais?

GN – Honestamente, penso no que a história e a figura pedem; o gênero nunca se torna uma questão. No começo, e até hoje, muitas das minhas figuras possuem um aspecto físico agênero. Às vezes, se escrevo citando algum pronome, sigo com ele, mas, se a pintura é sobre a roupa e a figura é secundária, é o protagonismo que comanda.

AQA – Você também menciona que esta exposição marca um novo começo, tanto para você quanto para a Opera Gallery. Como você enxerga essa nova fase na sua carreira, especialmente ao expor em um contexto internacional tão relevante como Londres, durante a Frieze, um dos eventos mais importantes no calendário da arte contemporânea?

GN – Londres foi onde minha carreira começou, em 2021, e minha relação com a Isabelle e o Samuele também começou lá, em uma exposição chamada ‘Fables on Exu’. Sinto-me bem acompanhado, pois eles me seguem desde então. Estou muito preparado para esta nova fase, que é fruto de um trabalho árduo, além da pintura, que venho realizando nos últimos anos. Sinto-me muito pronto, feliz e animado para ver o que virá a seguir!

Vista da exposição “Orixás Personal Tales on Portraiture” na Opera Gallery London © Eva Herzog Photography

Entrevista com Samuele Visentin:

ARTEQUEACONTECE – Você encontrou pela primeira vez o trabalho de Gustavo Nazareno em 2021. O que chamou sua atenção na obra dele naquele momento, e como essa admiração evoluiu para a curadoria desta exposição?

Samuele Visentin – No caso de Gustavo Nazareno, eu diria que tive uma reação positiva imediata ao seu trabalho, como se eu tivesse encontrado algo que nem sabia que estava procurando. Vi uma espécie especial de preciosidade em sua arte, quase como uma joia, ou algo semelhante à minha fascinação por pedras preciosas. Meu primeiro encontro com o artista foi através da série Bará, e a partir daí, descobri sua prática pictórica. Minha admiração inicial logo se transformou em apoio em 2021, quando comecei a apresentar as obras de Gustavo aos meus clientes, incluindo Isabelle de la Bruyère, agora CEO da Opera Gallery. Esta exposição é o resultado do respeito e da admiração que Isabelle e eu temos por Gustavo e um pelo outro, construída ao longo dos anos e finalmente emergida em uma colaboração profissional.

AQA – Moda e espiritualidade são dois universos que raramente se cruzam, mas Gustavo faz isso com uma naturalidade impressionante. O que você acredita que essa justaposição traz para o cenário da arte contemporânea?

SV – Acredito que Gustavo trata a moda como sujeito, e não como objeto. Ela sempre representa drama, vestimenta, postura ou uma certa divindade, e não a moda em si, e é aí que vejo a interseção entre esses dois universos. As “roupagens” que ele pinta são extensões dos Orixás que envolvem, e juntos representam as forças naturais que personificam, inseparáveis um do outro. Para mim, a espiritualidade na arte sempre se resume ao tipo e à qualidade da reação que o artista consegue gerar. Assim, a representação de vestimentas pode transmitir um significado espiritual quando seu propósito serve à intenção do artista, e acredito que Gustavo faz isso com maestria.

AQA – Como curador, como você vê o papel da arte de Nazareno em abordar questões como identidade, fluidez de gênero e a busca por espiritualidade em um contexto global marcado por polarizações sociais, culturais e políticas?

SV – Para mim, a arte de Nazareno toca em tais temas com naturalidade, porque esses elementos são uma parte integrante da cultura espiritual do Candomblé. Identidade, fluidez e espiritualidade não estão separados da matéria primordial que ele escolhe representar, os Orixás, e ele não aborda essas temáticas como investigações ideológicas isoladas, onde começam a surgir polarizações. Alguns de seus personagens são fluidos em termos de gênero porque isso faz parte de sua natureza, podendo incorporar tanto sensibilidades masculinas quanto femininas. Esses personagens permitem ao público lembrar-se de uma bela verdade sobre o mundo: que uma perspectiva contemporânea e uma experiência de espiritualidade não apenas são possíveis, mas já estão presentes.

Serviço:
Orixás: Personal Tales on Portraiture de Gustavo Nazareno
Local: Opera Gallery London
Período expositivo: Até 9 de novembro de 2024
Ingresso: Gratuito

Você também pode gostar

© 2024 Artequeacontece Vendas, Divulgação e Eventos Artísticos Ltda.
CNPJ 29.793.747/0001-26 | I.E. 119.097.190.118 | C.C.M. 5.907.185-0

Desenvolvido por heyo.com.br

Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support