“Cresceu”, brinca a artista Guga Szabzon ao falar sobre as obras inéditas que apresenta na individual Dia e Noite, Ainda é Longe?, em cartaz até o dia 28 de agosto na Galeria Superfície, em São Paulo. Esta nova exposição com curadoria e texto crítico de Diego Matos reúne trabalhos que ela produziu entre 2020 e 2021, ao longo de todo o período de quarentena, e que foram desenvolvidos em formatos maiores. O preview da mostra pode ser acessado clicando aqui.
São ao todo 15 novas criações, entre as quais estão dois dípticos e três trípticos, construídas a partir da técnica habitual que a artista desenvolveu, que sempre trabalhou bastante com costura e com bordados. Desde o período em que estudou Artes Plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), ela já produzia umas paisagens imaginárias em máquina de costura, conta o galerista Gustavo Nóbrega, e agora chega a uma linguagem própria. A evolução de sua pesquisa e de sua prática comparada à mostra anterior na galeria, O Começo de Uma Coisa Maior – e De Um Dilema Nesta, é bastante visível. Ela continua a transpor para as obras os seus sentimentos e questionamentos, em um tom autobiográfico que tem uma construção diferente, em trabalhos que são confeccionados sob tecido ou sob feltro, mas com uma dificuldade que Guga decidiu impor a si desta vez: um tamanho maior para as obras.
Guga explica que produz os trabalhos em uma máquina de costura caseira, pequena, na qual os trabalhos anteriores, menores, eram finalizados de uma forma mais rápida, chegavam a um lugar de maneira mais veloz. Ao decidir trabalhar com tamanhos maiores, colocou-se uma dificuldade maior, um desafio, não só na criação, mas também físico, pelo tamanho e peso do feltro ou tecido usados como suportes: “Eu comecei a sentir vontade de encontrar esse lugar em um tempo mais prolongado e um lugar mais misterioso. Quanto maior, mais difícil é, mais tempo é e mais observação meu trabalho precisa para saber como vai ficar”, comenta a artista. Esse lugar misterioso, inclusive, acontece porque não há um rascunho, um desenho antes. As peças vão sendo inteiramente pensadas enquanto a linha encontra a base na fricção da agulha da máquina. É um encontro com o acaso, com o instante.
“O que eu gosto deles grandes é também porque eles me trazem mais coisas, me respondem mais coisas”. Para a artista, eles se transformam em mundos maiores, onde cabem mais coisas, seus pensamentos, seus sentimentos. Esse processo é destacado de forma bem assertiva pelo curador Diego Matos em trecho do texto crítico que está no catálogo da exposição: “O trabalho de Guga Szabzon é uma costura contínua e afetiva da sua memória em construção”.
Em parte das obras anteriores, Guga utilizou bastante as palavras como elementos de composição, uma outra forma de expressar também as aflições que tocam o “eu”. Agora, as palavras não aparecem estampadas nas peças. O que aparecem são imagens simbólicas, abstratas ou não, mas metafóricas, que manifestam os mundos interiores experimentados pela artista e que traduzem o que poderiam ser palavras, como estradas, chuvas e constelações. Também há a inclusão de símbolos que são linguagem, com características até um tanto tribais. A retirada da palavra, para ela, tem a ver com “outras formas de falar”. Apesar de ter ficado “vocalmente” silenciosa nesta exposição, Guga diz muito. Ela frisa que, além das formas, as cores também são uma forma de falar de si.
Em Cabeção (2020), por exemplo, o feltro claro em formato de cabeça humana tem interferências de costura em diversas formas. É uma alusão à cabeça aberta ao recebimento de ideias, de conhecimento, sendo bombardeada por informações por todos os lados: pela visão, pela audição. E também compartilhando pela fala, além de reproduzir um “nó na garganta”.
No catálogo, porém, o visitante da exposição encontrará uma compilação de palavras que parte de uma troca entre a artista e o curador. Essa compilação é intitulada Do que vem a existir a palavra de resiste: um diálogo em palavras ente Guga Szabzon e Diego Matos e traz termos compartilhados entre os dois para falar sobre a exposição, como Acontecimento, Explosão, Atalho, Longe, Consciência, Indizível, Deflagração, Dilema, Arranjo, Desejo, Pesadelo, dentre outros. “Acho que tem muito a ver com esse momento todo que eu estava passando na pandemia de instabilidade, de trovoada, de caos, de chuva, de tornado”.
Ao explorar a colagem e o recorte, Guga também faz experimentações ao sair do plano, agregando outros elementos dentro da cultura. Colando os copinhos que se organizam mas que depois caem e se embaralham no díptico Quedas ou pequenas cabeças em Encarar. Essas experimentações não ficam apenas na adição de elementos, mas também na retiradas deles, trabalhando também com o vazio, que contornam as formas no tríptico O Sol, a Lua, a Chuva, por exemplo: “Eu tento ter essa liberdade de continuar fazendo o que eu faço, que são essas costuras, mas sempre mudar de alguma forma e aprender com o próprio trabalho”. Nas palavras do curador: “(…) se a imagem na ciência confirma uma forma, uma informação, o trabalho de Szabzon nada nos confirma, mas insinua trajetos, permeabilidade, interdições e o entre espaço da possiblidade. Os confins de cada cruzamento ou de cada curva dos traçados observados em seus bidimensionais tecem uma gama de possíveis caminhos e descaminhos”.
Guga Szabzon: dia e noite, ainda é longe?
Curadoria e texto de Diego Matos
Data: até 28 de agosto de 2021
Local: Galeria Superfície (Rua Oscar Freire 240, Jardins – São Paulo)
Mais informações: www.galeriasuperficie.com.br/