“De tempos em tempos ele ia e pressionava o rosto contra a vidraça para olhar a tempestade. O mar chegou tão perto que parecia bater contra a casa, que estava envolta em espuma e barulho. A água suja chacoalhava como granizo contra a janela e escorria pelas paredes. Sobre a lareira havia uma garrafa de cidra e um copo meio vazio. De vez em quando, Courbet dava um gole e depois voltava para o quadro”, descreveu o crítico e poeta Guy de Maupassant sobre uma visita ao ateliê de Gustave Courbet, em Étretat, quando o artista pintava La Vague (A onda).
Quem nunca ficou hipnotizado pelo mar como Courbet? Ele pode estar calmo formando um espelho d’água ou assustadoramente revolto ou de ressaca formando impressionantes ondas, mas o mar mar aberto, profundo e ilimitado sugere mistério e imensidão deixando qualquer um impactado. E não é diferente com os artistas: ao longo da história da arte muitos deles tentaram registrar a potência do mar ou entender a magia do horizonte. E quando o assunto é o encontro do mar com o céu há, ainda, uma infinidade de artistas que se dedicam estudá-lo encantador por esse lugar que ninguém jamais visitou e pelas possibilidades de luz e cor durante o crepúsculo.
Ciente deste fascínio geral ( que certamente torna-se ainda mais potente em tempos de isolamento social), a galeria americana David Zwirner reuniu, numa exposição online, obras cujo tema principal é o oceano. A impressionante seleção de artistas e obras de At Sea é intercalada por poemas e textos sobre o mar, um dos assuntos mais antigos da História da Arte. “Por milênios, os seres humanos ficaram fascinados e horrorizados em igual medida pelo mistério, eternidade e perigo dos quais o mar parece ser um espelho: às vezes enigmaticamente plácido, às vezes recortado por tempestades repentinas. Datados do século 19 até o presente, esses trabalhos diferem na mídia e na abordagem, mas juntos eles fazem perguntas sociais, políticas e ambientais que ressoam com força hoje, explica o texto inicial da exposição.
Há, ainda, deliciosas declarações dos próprios artistas ou statements de críticos de arte sobre o assunto. Entre os autores, é possível encontrar trechos escritos por Derek Walcott, Herman Melville e Matthew Arnold.
Nomes como Peder Balke, Gustave Le Grey, Joseph Mallord William Turner, Lucas Arruda e Thierry De Cordier criam/criavam imagens do mar obsessivamente em busca de habilidade técnica para representar sua plasticidade e de uma compreensão verdadeira dos efeitos visuais de luz e movimentos da água. “No meu ponto de vista, a beleza artística de uma impressão fotográfica consiste quase sempre no sacrifício de certos detalhes de maneira a produzir um efeito que às vezes atinge o sublime na arte”, afirmou Gustave Le Grey.
Já os trabalhos de artistas Francis Alÿs, Marcel Broodthaers, Bas Jan Ader e Tacita Dean propõem abordagens mais conceituais do mar. Em Watercolor, por exemplo, Francis Alÿs pode ser visto colhendo água em um balde silenciosamente: ele tira água da costa do Mar Negro em Trabzon, na Turquia, e depois despejando-a no Mar Vermelho, em uma praia em Aqaba, na Jordânia. Uma ação aparentemente simples, no entanto, adquire um significado simbólico mais poético e profundo, considerando as hostilidades políticas e religiosas da região, onde a liberdade de movimento e interação com os vizinhos às vezes é restrita. Do artista Bas Jan Ader a galeria apresenta a performance inacabada In Search of the Miraculous (1975) idealizada em três partes, da qual a segunda parte foi uma jornada de três meses que Bas Jan Ader tentou de Chatham, Massachusetts, até Falmouth, Inglaterra, sozinho em um veleiro de doze pés e meio chamado Ocean Wave, o menor barco a tentar atravessar o Atlântico. Dez meses depois, restos do barco de Ader foram encontrados flutuando no oceano ao largo da costa da Irlanda. Mais um entre tantos mistérios do mar!