Fotojornalismo também é arte?

Conheça 5 fotojornalistas com trabalhos que ultrapassam os limites entre registro documental e obra de arte.

por Luiza Alves
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Fotógrafos de notícias tem uma fração de segundo para eternizar um acontecimento em imagem. Para realizar tal feito é necessário que câmera, imagem e sujeito se encaixem perfeitamente para que um momento fugaz se torne para sempre o testemunho visual de um momento histórico.

Ainda que os primeiros experimentos do homem em tentar captar a imagem por meio da manipulação da luz datem do século V a.C., a fotografia tem seu nascimento marcado pela criação do daguerreótipo, em 1839, na França. Estabelecida como prática distinta no início do século XX, os limites e encontros entre o caráter artístico de registros visuais e seu papel informativo e documental são alvo de um debate acalorado.

Por seu compromisso com os fatos, há quem defenda que “elevar” o fotojornalismo à obra de arte pode dessensibilizar o olhar perante acontecimentos reais — em especial, situações de sofrimento e atrocidades. Por outro lado, há quem diga que, para que um retrato seja fiel à realidade, é necessária uma sensibilidade implícita para realizar tal registro.

Segundo a escritora e filósofa Susan Sontag, em seu livro “Sobre Fotografia” (1977), é necessária uma análise complexa e muitas vezes crítica sobre o fotojornalismo e seu estatuto como arte. Ainda que não o rejeite nesse lugar, ela o situa em um contexto mais amplo, examinando as implicações sociais, éticas e filosóficas dessa vertente fotográfica. No ano de 2003, no ensaio “Diante da Dor dos Outros”, Sontag expande algumas de suas reflexões iniciais sobre o tema e questiona se, na ética da representação do sofrimento, as imagens de guerra e calamidade realmente comunicam e podem levar à ação, ou apenas nos levam à familiaridade com o horror.

A inclusão de fotos jornalísticas em acervos museológicos teve seu crescimento a partir da década de 1930, quando Beaumont Newhall, primeiro curador do MoMA (Museum of Modern Art), realizou a exposição “Photography: 1839-1937”, no ano de 1937, onde abordava as qualidades estéticas e evolutivas desta tecnologia que mudou o mundo. Hoje, décadas mais tarde, unindo conhecimentos técnicos e estilo pessoal, muitos fotojornalistas têm seus trabalhos reconhecidos como expressões de subjetividade e beleza, sendo a capacidade de captar a poesia do mundo real, a qualidade destacada por museus e instituições artísticas.

No dia 23 de maio deste ano, o mundo se despediu de um dos grandes fotojornalistas da história. Com uma obra reconhecida internacionalmente, o trabalho do brasileiro Sebastião Salgado ocupa justamente o limite entre o documento e a arte. Durante décadas, ele viajou o mundo registrando as mais diversas paisagens e realidades, passando pela crise de fome que assolou a Etiópia na década de 80, a exploração dos moradores da Serra Pelada nos anos 80, as paisagens oníricas da Amazônia e a riqueza da fauna nas extremidades frias do planeta. Em vida, ainda que tenha ocupado as paredes das mais importantes instituições de arte do mundo, sempre afirmou: “Eu quero fotografar a dignidade do ser humano, não importa em que situação ele se encontre.”

A seguir, conheça outras personalidades que, assim como Salgado, romperam os limites entre a arte e o fotojornalismo:

Ernest Cole

Ernest Cole, Entradas segregadas no Apartheid, 1960

Um dos primeiros fotógrafos negros a documentar o apartheid, o sul-africano Ernest Cole, captou com sensibilidade a opressão e a dignidade da população negra diante das injustiças desse regime. Seu trabalho, muitas vezes clandestino, revelou ao mundo a brutalidade da segregação racial e a força dos que resistiam, marcando a história do fotojornalismo com um olhar interno e visceral.

Rosa Gauditano

Rosa Gauditano, da série Vidas Proibidas, 1979

Mulher lésbica, fotografa e ativista do movumento de mulheres, Rosa Gauditano utilizou a a fotografia como ferramenta de resistência ao documentar a vida de mulheres lésbicas em espaços de socialização, muitas vezes clandestinos, durante a ditadura militar. Suas imagens, que fogem do estereótipo e buscam a naturalidade, revelam a existência e a força de comunidades LGBTQAP+ em um período de forte repressão social e política.

Nair Benedicto

Nair Benedicto, sem títitulo, s.d.

Investigando as raízes populares do país, Nair Benedicto registrou a beleza presente no cotidiano, nos encontros e nos afetos da vida das classes trabalhadoras. Sua lente capturou a essência de manifestações culturais, festas e momentos íntimos, construindo um acervo que celebra a diversidade e a riqueza da vida comum brasileira.

Antônio Gaudério

Antônio Gaudério, Nau à Deriva, 2001

Fotógrafo com carreira na Folha de São Paulo (1980-2000), Gaudério foca nas pessoas simples e sofridas do Brasil. Seu trabalho, que estampou capas de jornais e revistas, rendeu-lhe prêmios como Vladimir Herzog, Folha de Jornalismo e Ayrton Senna de Fotografia. De Rincão dos Miranda (RS), ele transforma suas fotos em denúncias poéticas, revelando a beleza no caos e o desassossego no cotidiano.

Richard Mosse

Richard Mosse, Safe From Harm, 2012

Por fim, o contraste da calamidade das estruturas políticas e sociais do Congo, capturado pelo irlandês Richard Mosse com o uso do filme infravermelho ‘Kodak Aerochrome’, geraram intensos debates sobre o limite entre denúncia e estetização da dor. Suas fotografias, com cores vibrantes e irreais, forçam o espectador a confrontar a violência de uma nova maneira, questionando a forma como consumimos e processamos informações sobre conflitos.

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