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Fortes D’Aloia & Gabriel, Galeria Luisa Strina e Sé Galeria abrem exposição coletiva em Portugal

Mostra reúne 37 artista para atualizar a dicotomia clássica entre o dionisíaco e o apolíneo, colocando os deuses gregos em diálogo com orixás afro-brasileiros Exu e Oxalufã

por Jamyle Rkain
4 minuto(s)

Ordem e caos, inversão e controle, unidade e multiplicidade. Como uma tentativa de atualizar a dicotomia clássica entre o dionisíaco e o apolíneo, abordada por Friedrich Nietzsche em O Nascimento da Tragédia, a exposição O Canto do Bode é uma ação colaborativa entre as galerias Fortes D’Aloia & Gabriel, Galeria Luisa Strina e Sé que reunirá 37 artistas na Fundação Herdade da Comporta, Portugal, durante todo o verão europeu. 

As três galerias brasileiras ocupam o espaço do antigo cinema no edifício histórico da Casa da Cultura com uma coletiva dividida em dois atos, como uma peça teatral. A ideia é lançar nova luz ao tema a partir de uma perspectiva contemporânea e pós-colonial, posicionando os dois deuses gregos em diálogo com os orixás afro-brasileiros Exu e Oxalufã. 

Com um display expositivo especialmente concebido pelo artista João Maria Gusmão, as cenas se desdobram simultaneamente em três meta-espaços: a platéia, o palco e os bastidores. As baquetas penduradas da obra Slit IX, de Alexandre da Cunha definem o ritmo do primeiro ato, em que o palco está oculto e as obras prestam homenagem à unidade vital entre natureza e ser humano. Na platéia, a atmosfera é de grandes esperanças e expectativas, e os visitantes esperam que a peça comece. O tributo de Edu de Barros aos afrescos tradicionais do Renascimento elevam a atmosfera e seus impulsos energéticos a uma cena de ascensão espiritual. Durante todo o tempo, o baile de máscaras político brasileiro de antigos e novos ditadores é questionado sobre o palco onde, atrás de cortinas fechadas, obras de Anderson Borba, Cildo Meireles, Daniel Fagus Kairoz e João Loureiro se preparam como atores, ou talvez revolucionários.

Na beira do palco, o trabalho mais recente de Ernesto Neto traz adiante o desejo de olhar para o chão e viver para a batida que regula todas as coisas naturais, enquanto os símbolos pintados de Sheroanawe Hakihiipe visam resgatar a memória oral de seu povo – uma comunidade Yanomami em El Alto Orinoco, Venezuela – sua cosmogonia e tradições ancestrais. As culturas indígenas sempre elogiaram a celebração intoxicada da vida como um lugar privilegiado para a elaboração de subjetividades vibrantes, enquanto a cultura ocidental há séculos demonizou o dionisíaco. A religiosidade sincrética e a organização de um mundo material que dá novo significado sensual aos materiais permeia a exposição e vê sua explosão na malha luxuriante de cidade e vegetação de Lucia Laguna, na mariposa abstrata e colorida de Tadáskía, expressão de um corpo que não permitiu ser domado, bem como do resgate de suas ancestralidades afro-diaspóricas.

No segundo ato, aberto a partir do dia 29 de julho, o véu será retirado e o palco será revelado. O canto tumultuoso das Bacantes dará lugar à contemplação, ao sonho lúcido e à representação formal. Aqui, o retrato noturno de Panmela Castro e o Self Map abstrato de Janaina Tschäpe transmitem uma sensação de quietude, mas ainda assim revelam o desejo inquieto que os artistas têm de moldar o mundo como uma imagem, escondendo-se atrás das rápidas pinceladas dos pintores.

As pinturas gestuais de Arnaldo de Melo supervisionam a platéia enquanto no palco as peças históricas de Kim Lim, Narcissus e Caryatid, fazem referência a seu interesse pelos vestígios de civilizações anteriores e reconhecem a dualidade entre uma experiência ordenada e estática e os ritmos dinâmicos de formas orgânicas. Como um palco dentro do palco, as obras de Rebecca Sharp e Gusmão + Paiva reproduzem cenas minúsculas e intrincadas em que a imobilidade e a ausência são predominantes.

A grande paisagem marítima abstrata de Marina Rheingantz, Marujo, conduz o olhar a flutuar para os bastidores onde encontramos a tranquilidade das composições de Fernanda Gomes e Erika Verzutti, nas quais os destroços do cotidiano se transformam em composições poéticas que nos deixam entrar num momento de concentração mental e emocional. Os seres vivos, animais e plantas que habitam o desenho de Michel Zózimo trazem ao espectador uma sensação de excitação, uma lembrança dos instintos de sobrevivência inerentes à vida. 

Por fim, nos dois capítulos da exposição, chegamos à conclusão de que esses instintos opostos que parecem lutar pelo controle da humanidade caminham lado a lado, principalmente em desacordo aberto, estimulando-se mutuamente. Um não pode existir sem o outro, e a arte como a conhecemos é tão dionisíaca quanto apolínea, tanto exusíaca quanto oxalufã única.

O Canto do Bode
Data: Primeiro ato ( 20 de Junho até  25 de Julho); Segundo ato ( 29 de Julho até 31 de Agosto)
Local: Casa da Cultura da Comporta, Portugal

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