A exposição inaugural de Lapa, Lapa tem suas bases no teatro, na dramaturgia, na cena de jogos. Em um espaço amplo de uma sala, objetos de arte se configuram em relações ambíguas, individuais e muito insistentes; eles se apresentam em um espaço-palco como a presença de atores em cena. São objetos-arenas, objetos-relíquias, objetos-artefatos, objetos-máscaras,
objetos-objetos.
Partindo de uma base comum, Ana Verzu, Lis Haddad, Matheus Chiaratti e Mônica Coster, trazem à cena obras com a ânsia do ser-outro e se relacionam entre si às vezes pela mera casualidade de dividirem o mesmo palco – e o mesmo desejo de cena. Isso não é algo menor. São objetos carregados de individualidade e corpo próprios, materialidades que vão do ferro recuperado da rua, pedra no meio de caminho, cortinas empoadas em gesso à cerâmica vitrificada; são objetos ímpares em suas construções, mas que partilham do mesmo pôr-em-cena.
Os trabalhos de Ana Verzu começam da flânerie da artista pelas ruas do centro de São Paulo: seu olhar certeiro recorre às caçambas em busca de arame, metal, caixotes e vergalhões, que adquirem no ateliê camadas outras em gesso, personagens-bichos, texturas novas. São arenas-jaulas que acentuam no espaço imantado pela artista uma nova posição no mundo; um desejo único de sair da condição material enferrujada em busca de uma presença quase espiritual que não é, contudo, sisudo, fechado, e, sim, jocoso e lúdico: assim são as obras redondas do tabuleiro de xadrez e da roleta do jogo do bicho.
Nesse sentido, o seu diálogo com as peças em cerâmica de Matheus Chiaratti é mais cristalino, uma vez que as mesmas instauram no seu corpo-cerâmica imagens fabuladas, criadas, escritas, inscrições que vão além do esperado, circundando a própria, a transformar um pé cortado em uma estatuária-relíquia de um santo gay, São Sebastião, que leva em sua superfície inscrições autobiográficas de versos e lugares por onde o artista passou. Suas obras restituem arqueologias reinventadas a um mundo de ruínas, acrescentadas de exagero e confissão.
Lis Haddad, por sua vez, traz da coxia lampejos de sonhos que se transformam em pequenas estatuetas, diminutas na escala, mas agigantadas na sua potência poética. Camas, escadas, a manta de feltro uma vez usada para proteger o que habita a casa, cortinas empoadas em gesso, estáticas no caimento, a lembrar um drapeado clássico de algum escultor insistente; o seu mármore são os seus sonhos; arqueologias fantasmáticas de uma casa, reconstituições de elementos em negativo – seja pela frotagem, seja pela calcificação de trapos que jamais se moverão.
Coster apresenta dois trabalhos com uma pedra: uma fotografia e uma pedra-pedra. Ambos distendem a materialidade pesada do objeto em presenças outras que apaziguam o ser-pedra; seja em uma tensão com um tomate, seja em uma personificação desse objeto tão estático e bruto. A sua existência está em uma expectativa que fica a cargo do espectador antever e imaginar: irá o tomate ser esmigalhado pela sólida rocha? Por que os olhos?
Por que os olhos? Uma peça é uma peça e uma pedra não é uma pedra. O Lapa, Lapa convida você, espectador, a partilhar dessa experiência disforme, doméstica, inconsequente e, sobretudo, exagerada no espírito e na presença: trama x trama x trama é uma outra possibilidade de vida, daquela dos objetos que vivem por si – e que talvez até falam entre si quando saímos de casa.
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