Narrar a própria história é ponto de partida da produção da artista contemporânea Uma Moric, que inaugura sua primeira exposição individual em São Paulo, na galeria da Caixa Preta, no próximo sábado, dia 07 de dezembro.
Uma Moric foi paciente oncológica durante sua infância. Há sete anos, passou a incorporar em sua produção artística um olhar sensível para suas memórias, expandindo sua pesquisa para a condição do corpo adoecido e as relações que se estabelecem com os ambientes hospitalares e os procedimentos de manutenção da vida. Paralelamente, a artista atua como tatuadora desde 2018, profissão que lhe proporcionou o deslocamento do seu antigo lugar de paciente para o de agente de intervenções cirúrgicas, além do reencontro com materiais já familiares, como agulhas, folhas de carbono e materiais infectantes.
Em sua primeira exposição individual, Prata é Luz do Luar, Uma Moric reúne trabalhos produzidos desde 2020 que estabelecem relações entre esses ambientes sob a perspectiva da memória viva.
“Prata é Luz do Luar apresenta um conjunto de objetos e uma fotografia produzidos a partir da sobreposição de materiais comuns aos hospitais e aos estúdios de tatuagem que abordam as técnicas de cuidado com o corpo. Aludindo à luz branca e ao material metálico dos instrumentos cirúrgicos, equipamentos e mobiliários clínicos, o título da exposição traz consigo uma dimensão onírica e afetuosa para esse aspecto da vida que expõe sua fragilidade constitutiva e os processos envolvidos em sua manutenção. A frase que nomeia a exposição também se relaciona com as memórias da artista (do quarto do hospital, muitas vezes, o que se via da lua era apenas seu brilho), e com sua elaboração poética sobre a estetização da vida como forma de resistência ao biopoder”, escreve Bruna Fernanda, curadora e pesquisadora, que assina o texto crítico da exposição.
Partindo de experiências que, em alguma medida, são comuns a todas as pessoas, Uma reflete sobre a instrumentalização do corpo adoecido em sua série Objetos Infectantes, que compõe parte de sua exposição. Construídos de bolsas de soro, cateteres, extensões de PVC e agulhas de tatuagem usadas, os finos cabos translúcidos e delgados, que outrora transportaram medicamentos, são modelados por agulhas retas, frias e metálicas, que ainda guardam resquícios de pele humana e pigmentos. Objetos Infectantes carregam em sua materialidade a memória viva de intervenções no corpo, borrando os limites entre os procedimentos de razão autônoma ou prescrita.
“Os Objetos Infectantes remetem aos trabalhos de Nazareth Pacheco, que, desde os anos 1990, produz peças tridimensionais que refletem sobre sua experiência médica devido a problemas de saúde congênitos e procedimentos estéticos. A artista apresenta a fisicalidade de sua história pessoal em caixas com ‘objetos aprisionados’. Uma parte desse procedimento, mas na série em exposição, inclui os corpos com os quais lida cotidianamente no estúdio de tatuagem, fundindo ainda mais os elementos simbólicos de uma autobiografia com uma experiência coletiva de cuidado do corpo. As duas artistas também compartilham um interesse pelo deslocamento do risco para um lugar de beleza e sedução visual. Uma, por sua vez, inscreve seus trabalhos no campo da poesia, evocando elementos oníricos e de transmutação do corpo, que ficam ainda mais evidentes em outros trabalhos desta exposição”, aponta Bruna.
A segunda parte da exposição direciona-se a uma construção mais imaginativa e onírica das memórias da artista, estabelecendo diálogos entre seu passado e o presente. Objetos hospitalares são novamente apropriados em seu potencial estético, mas agora carregados de uma narrativa camuflada, a se diagnosticar. Um negatoscópio, para visualização de Raios-X, se torna suporte luminoso para diagnóstico do interior de um corpo sobreposto por uma composição de flores em pigmento de carbono e inscrições assinadas por uma médica. Em seguida, como se extraído cirurgicamente, repousa sobre uma bandeja metálica um pequeno vaso de flores de brinquedo, envolto em gazes embebidas de material antisséptico e pigmento líquido de carbono.
“Nesta exposição, Uma refaz os processos pelos quais passou e aqueles com os quais lida cotidianamente em seu ofício. Os decalques em carbono e as flores revelam afetos e desejos que emergem da experiência de alguém que passou parte da vida sob o signo dos cuidados médicos. Da mesma forma, os objetos infectantes, embora causem receio em alguns, são apresentados também como composições nostálgicas. Entretanto, engana-se quem pensa que tais criações estéticas são uma tentativa ingênua de reelaboração das memórias da infância. Elas constituem, na verdade, um exame atento da humanidade que resiste à instrumentalização e mercantilização da vida. Se as relações de poder passam pelo interior do corpo, não seria diferente para reinventá-las”, conclui Bruna Fernanda.
© 2024 Artequeacontece Vendas, Divulgação e Eventos Artísticos Ltda.
CNPJ 29.793.747/0001-26 | I.E. 119.097.190.118 | C.C.M. 5.907.185-0
Desenvolvido por heyo.com.br