Desde que inaugurou sua nova sede no Centro do Rio, em julho de 2023, o Solar dos Abacaxis tem se empenhado em expandir seu foco além das artes visuais, com o objetivo de se consolidar como um centro cultural de educação experimental que convida o público a se apropriar de seu espaço. Embora essa trajetória já estivesse sendo traçada aos poucos com as últimas exposições, o programa de residências Oficina Solar e seu robusto e extenso programa educativo, o instituto dá um passo significativo nessa direção a partir do dia 10 de agosto, com a mostra “Por uma outra ecologia: o que a matéria sabe sobre nós”.
Com curadoria de Matheus Morani e co-curadoria de Thiago de Paula Souza, o programa propõe diálogos interdisciplinares que exploram as contradições e continuidades entre ecologia e racialidade. Oito artistas ocuparão o primeiro e segundo andar do prédio situado no Mercado Central, na Rua do Senado, com obras multidisciplinares que abordam temas cruciais como racismo ambiental, extração de recursos naturais, vulnerabilidade populacional diante das mudanças climáticas e estratégias de sustentabilidade desenvolvidas por culturas não-hegemônicas. Os artistas selecionados para dar vida ao conceito proposto pela curadoria são Davi Pontes, Denise Ferreira da Silva, Arjuna Neuman, Stephane Kabila, Juliana dos Santos, Julien Creuzet, Negalê Jones e Rose Afefé.
“Nos interessamos por apresentar uma exposição orientada pelo processo aberto de aprendizado em torno das questões ecológicas intransponíveis ao nosso tempo, com obras que expandem o escopo do que a arte é e pode ser, em diversos modos e agências”, resume Matheus Morani.
A exposição surge como catalisadora de uma nova fase em que o Solar está repensando os usos de seu próprio espaço. A ideia é que a sede se torne cada vez mais livre, democrática e acessível, de modo a abrigar todos os tipos de proposições, fortalecendo a vocação do instituto como um centro cultural e educacional. Com esse objetivo, será implementado no térreo um novo mobiliário definitivo e modular – equipado com rodinhas – que poderá ser utilizado em diferentes formatos, como uma arena para rodas de conversa, sala para exibição de filmes, palco para mostras de performances e espaço com mesas para oficinas, entre outras configurações. O intuito é adaptar o local de acordo com as necessidades de cada programação.
“Há algo muito antigo no Solar e fundamental em suas atribuições, que é o exercício ou a prática de cultivar a porosidade da instituição em relação às suas comunidades. Como podemos criar formas de relacionamento com as pessoas que fazem parte da nossa rede, sem apenas criar exposições para o público, mas, de fato, criar situações extraordinárias para pensarmos juntos, estudarmos juntos e propor outras formas de encontro com a arte e a educação?”, questiona Bernardo Mosqueira, diretor artístico e um dos fundadores do Solar dos Abacaxis.
O objetivo da exposição é utilizar a arte contemporânea como uma ferramenta poderosa para veicular discussões críticas sobre ecologia, de modo que não estejam centradas no ser humano, mas sim nas relações entre todos os seres vivos. Ao propor a exposição “Por uma outra ecologia: o que a matéria sabe sobre nós”, o Solar busca refletir sobre como a arte pode contribuir para debates urgentes e relevantes, promovendo a sensibilização e conscientização ambiental, além da ação sobre questões ecológicas e raciais. A exposição contará com uma programação pública contínua de oficinas, performances, conversas e cursos, propostas pelo artista e coreógrafo Davi Pontes e pela equipe pedagógica do Solar dos Abacaxis.
“Eu acredito que essa exposição expande nossa prática de inclusão de duas maneiras principais. Uma delas é através de uma programação intensa, com uma exposição que apresenta atividades constantes, movimentando o espaço de diversas maneiras para expandir essa tática de estudo. E a outra é engajar as pessoas no próprio processo de desenvolvimento das obras, na construção das obras em si. Então, o programa da exposição começa antes mesmo da abertura da mostra, o que considero algo incrível, pois construímos a exposição junto com nossas comunidades”, pontua Mosqueira.
O programa ao qual Bernardo se refere é a instalação da artista baiana Rose Afefé, cujo trabalho de vida consiste na construção de uma cidade inteira de adobe em Ibicoara, na Chapada Diamantina. A artista está iniciando uma nova série de obras chamada “Terra do Pé Vermelho”, que contará com o apoio do público para seu desenvolvimento, tanto na manufatura dos tijolos quanto na montagem dos fragmentos de cidade que ocuparão o térreo do instituto. Ao serem comercializados, os pedaços dessa cidade entram no circuito econômico e financeiro da arte, convertendo-se posteriormente em contrapartidas sociais para seus moradores simbólicos (pessoas de qualquer parte do mundo que têm uma conexão poética com a obra, como os residentes do local de onde a terra foi retirada). A instalação do projeto, com a ajuda do público, será realizada entre os dias 29 de julho e 3 de agosto.
Alinhada à missão e aos valores do Solar dos Abacaxis, a exposição faz parte essencial do ciclo de pesquisa sobre Ecologias Queer/Cuir, desenvolvido ao longo de 18 meses entre 2023 e 2024, como programa expositivo que conta com o patrocínio do Instituto Cultural Vale, patrocinador master do programa expositivo do Solar, e do Mattos Filho, via lei federal de incentivo à cultura. A partir deste eixo curatorial, “Por uma outra ecologia: o que a matéria sabe sobre nós” investiga diferentes abordagens e formas de vida que exploram as complexas relações entre natureza, política, desejo e identidade. A mostra é comissionada como uma contribuição crucial para esse ciclo de pesquisa, propondo novas possibilidades políticas de relações com a natureza que transcendem os parâmetros da ciência moderna.
Ao articular pensamento crítico racial com experimentações em arte e educação, a exposição busca alinhar urgências epistêmicas e políticas ao campo artístico e pedagógico, respondendo a discussões globais promovidas por instituições de relevância internacional.
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