Desinquieta, Pinky Wainer passou os últimos dois anos debruçada sobre um novo e provocativo assunto: o poder e o privilégio de homens brancos bilionários, corporificados em retratos de grandes dimensões que serão expostos a partir de 23 de novembro no Projeto Vênus. São figuras vultosas e imponentes, apesar de terem sempre um ar lúgubre. Nem sempre correspondem a uma pessoa específica, mas carregam histórias de violência, acúmulo e brutalidade, como reiteram palavras como “Empire” e “Cannibal”, que a artista escreve sobre a tela em grandes e estridentes letras rosa-choque ou amarela. “São eles os responsáveis pelo que está acontecendo conosco”, diz ela, colocando o dedo em feridas profundas do mundo contemporâneo, combinando privilégio de gênero e classe a catástrofes como a hecatombe climática e as perversidades de um capitalismo desenfreado e desumano.
Além da temática masculina – uma mudança drástica para quem, há dois anos, trazia a público uma profunda investigação sobre a imagem da mulher –, Pinky também inaugura com essa série uma nova investigação formal, explorando novas técnicas e materiais. Ela passa da escala mais intimista para o grande formato, da singela folha de papel (pouco valorizada no país) para a tela e dá vazão a uma pesquisa intensa sobre como lidar com a tinta acrílica, distanciando-se da aquarela, sua técnica por excelência desde os anos 1980 e que agora torna-se um elemento coadjuvante. Nas novas pinturas de Pinky estão preservados aspectos fundamentais de sua pesquisa anterior, como o interesse pela combinação de técnicas, o fascínio pelas marcas aparentes da construção imagética e uma atração pelo efeito de incompletude. “Pintei com a liberdade com que pinto aquarela. Aprendi a entender que meu trabalho é inacabado sempre”, confessa.
Há uma interessante correlação entre o objeto pintado – esses “donos do mundo”, que detém veladamente o poder sobre nossos destinos – e a forma de pintá-los. “Essas figuras se tornaram quase abstrações, pretextos para investigar questões técnicas e estéticas da pintura”, conclui a artista, descrevendo o processo de idas e vindas para a construção das sete telas que compõem a mostra. Ou, como explica Eder Chiodetto, o curador da exposição, “é no embate com a linguagem, entre camadas cromáticas ocultas e escombros de desenhos que revelam intenções abandonadas, que a artista faz ecoar as incongruências e violências do mundo contemporâneo regido por uma masculinidade tóxica”.
Houve como que uma conjunção entre o desejo de expansão da ação de pintar (advinda da compra de um rolo de algodão cru, ainda sem objetivo claro) e o espanto diante da cena de Vladimir Putin discursando, imagem que detonou esse processo. “Quem é essa pessoa que emana tanto poder?”, perguntou-se, tomando emprestada a figura do líder russo como uma espécie de síntese, de alegoria a ser confrontada nesse processo de denúncia e desconstrução. Condensação simbólica que ganha ainda mais intensidade e acidez contemporânea com o recurso ao texto – que surge como legenda ou palavra de ordem, propositalmente em inglês – a língua do império – e em cores estridentes.
Outra figura de carne e osso dissecada pela artista é o Barão Hans Heinrich von Thyssen-Bornemisza, célebre colecionador e herdeiro da família que fornecia aço para as armas do exército de Hitler, na tela “Gun Maker”. Mas nem todas as figuras masculinas de Pinky têm uma biografia ou uma história particular. Uma delas, que parece personificar um conjunto potente de atributos dessa masculinidade controladora, nasce de um experimento que a artista fez usando a inteligência artificial e que pouco a pouco foi ganhando novas camadas de sentido. A figura desse homem de meia idade, de aparência um tanto melancólica, incomodamente sentado numa poltrona vermelha (que se destaca em relação à aparência lavada, esbranquiçada da tela) tem no meio das pernas uma torre, símbolo fálico de poder que abunda nas grandes cidades, ou chaminé, índice de produção fabril. A tela vazia e bastante crua traz ainda um único outro objeto: um relógio, que congela e reafirma a importância do tempo como ferramenta de controle e riqueza.
Ainda no campo da alegoria, uma das últimas telas realizada por Pinky traz não mais figuras humanas, mas um par de lobos, arquétipos de violência e predação, congelados em movimento, como que espreitando às margens de uma cidade que se insinua ao fundo. Em “Run, Baby, Run” – texto escrito em letras garrafais na parte inferior do quadro -, a artista aprofunda ainda mais a acidez crítica, esvaziada da figura humana. O usual tom pálido da série é quebrado. Vemos na pintura uma assustadora mescla de cores crepusculares, que fazem arder o fundo da cena e servem de cenário para uma revoada de helicópteros extraídos de “Apocalipse Now”, obra clássica de Francis Ford Copolla sobre a insensatez da guerra. “É um céu de fim de mundo mesmo”, descreve ela, acrescentando: “estamos todos no mesmo barco, todo mundo lutando para sobreviver e lamento muito por quem diz que não quer nem saber”.
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