Em dezembro de 2021, Lia Chaia sofreu uma queda de bicicleta que a forçou a passar por uma cirurgia reconstrutiva em sua mão esquerda, sua mão dominante. Uma segunda cirurgia ocorreu em julho de 2022, para concluir a reconstrução e remover os pinos que foram instalados para conter seus músculos e ossos. O contratempo, que seria um obstáculo para qualquer pessoa, afetou diretamente o fazer artístico de Chaia, que tem o desenho como uma prática constante em sua obra.
Não por acaso, sua 11ª exposição na Vermelho começa com os móbiles da série Como vai? Como vai? Como vai? (2023), um conjunto de 7 pares de mãos que se movem pelo espaço da galeria, às vezes se cumprimentando, às vezes se evitando. O título, além de fazer referência à clássica música infantil gravada pelo palhaço Arrelia em 1957 (Chaia tem a prática do Clown, ou Palhaço, como um dos instrumentos de seu fazer performático), faz referência a uma mudança cultural que a artista já notara durante a pandemia de Covid-19: o ato automático de cumprimentar alguém dizendo “como vai?” ou “tudo bem?” já não era mais válido. Não apenas pelas tensões causadas pelo vírus, mas também pela instabilidade política enfrentada pelo país e, agora, pela perda de sua autonomia manual. Os móbiles de Chaia colocam a pergunta – “Como vai?” –, mas não entregam resposta.
Lia Chaia também menciona os mágicos, a quiromancia e as borboletas como referências estruturantes da série, aludindo à interseção entre o divino e a ciência. Os mágicos, ou ilusionistas, embora aparentem desafiar as leis da física, normalmente se utilizam da própria física para criar espanto. A quiromancia, mesmo amplamente tida como uma pseudociência da adivinhação, é defendida por pessoas que a ligam à medicina chinesa e às antigas tradições indianas. As borboletas carregam diversas representações simbólicas, principalmente baseadas em seu processo de metamorfose. Muitas lendas e mitos da cultura mexicana relacionam as borboletas com a morte, enquanto os espíritas as ligam à renovação, por exemplo.
Os padrões pintados por Chaia sobre as peças dos móbiles apontam para uma bifurcação em sua prática. A artista é conhecida por suas obras que exploram a inserção do corpo em paisagens urbanas e naturais, e é um dos nomes que definiu a Geração 2000. Esse grupo tem um intenso olhar voltado aos modelos de urbanização que tomaram o Brasil Moderno, aquele modelo desenvolvimentista do meio do século passado que acreditava na lógica de que o país estava fadado a um devir grandioso, mas que nunca se realizou.
As pinturas, desenhos e vídeos de Chaia agora se voltam ao interior do corpo, com padrões abstratos que remetem à epiderme, derme, hipoderme, órgãos, ossos e músculos. Suas estruturas, no entanto, também lembram percursos ou padrões tribais indefinidos. Grande parte dessa abstração “solta” veio com o uso da mão direita que Chaia passou a usar para trabalhar.
O interior da Sala 1 foi escurecido e pintado de vermelho encarnado para receber a videoinstalação Desenho dançante, de 2022. Dois monitores flutuam no centro da sala, de costas um para o outro. Nas imagens, vemos o corpo nu de Lia Chaia, sobre o qual são projetados desenhos que são manipulados por duas mãos. Os desenhos se assemelham aos padrões das mãos de Como vai? Como vai? Como vai? e são estruturados como arabescos e volutas que vão se contorcendo, como se o interior do corpo de Chaia pudesse ser visto de fora. Cada monitor mostra um lado do corpo: a frente ou as costas, que são alternados durante a exibição. O som da instalação reproduz diferentes sinos de vento, com sons de conchas, bambus e cristais. O vento é o único elemento externo que surge na exposição, tanto no som de Desenho dançante, que invade todas as salas da exposição, quanto pelo vento em si, que pode entrar nas salas através de telas que a artista usou para fechar as grandes portas da Sala 1. As telas de sannet escurecem o espaço, mas permitem que o vento atravesse a exposição, fazendo os móbiles dançarem e trazendo sensorialidade para quem visita a mostra.
Na Sala 2, um grande mural de papel de seda trançado cria uma parede-dispositivo para desenhos de Chaia. Alguns dos desenhos formam os conjuntos que foram usados na projeção de Desenho dançante, outros são individuais. Juntos eles formam um grande sistema inspirado por uma conversa que Lia Chaia teve em uma de suas visitas ao hospital, quando alguém falou para ela sobre os organoides.
Os organoides recriam, in vitro, um sistema fisiológico que permite que pesquisadores investiguem questões multidimensionais complexas, como o surgimento de doenças, regeneração de tecidos e interações entre órgãos. Os organoides são um tipo de cultura celular 3D que contém tipos de células específicas de órgãos, que podem exibir sua organização espacial e replicar algumas funções de determinado órgão. Os Organoides de Chaia, que dão nome à exposição, são móbiles ameboides que ocupam o espaço da Sala 2. Aqui, eles já não têm formas reconhecíveis, são peças de formato orgânico unidas por fios de aço, que dançam conforme o vento os atravessa. A reconstrução de sua mão pela ciência levou a artista a celebrar o avanço das pesquisas que tornam natural o que é sintético, ou que sintetizaram o natural.
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