Referência de ensino na capital paulistana, o Liceu de Artes e Ofícios comemora seus 150 anos com uma grande exposição retrospectiva, que mistura momentos históricos da instituição com a formação industrial da cidade de São Paulo, além de rever décadas de pioneirismo na educação e na promoção das artes brasileiras.
A exposição mostra como a instituição conseguiu unir práticas pedagógicas com saberes manuais, tornando-se referência no mobiliário brasileiro com peças feitas a partir de experiências coletivas derivadas do Arts & Crafts, movimento do artista têxtil William Morris, que valorizava o trabalho manual de artesãos para a indústria. O método foi trazido da Europa e adaptado aqui por diversos mestres do Liceu, entre eles o arquiteto Ramos de Azevedo (1851-1928), fundador da Escola Politécnica da USP, que dirigiu a instituição a partir da década de 1890.
Com curadoria do arquiteto e professor Guilherme Wisnik, a mostra no Centro Cultural do Liceu de Artes é dividida em três eixos. O primeiro deles traz o contexto urbanístico e social da cidade de São Paulo no ano de 1873, quando a instituição foi fundada pelo advogado e político Carlos Leôncio da Silva Carvalho, com apoio da burguesia da época – cafeicultores, maçons e comerciantes. Ao longo dos anos, o Liceu contribuiu para a formação de nomes como os artistas Victor Brecheret, Antonio Borsoi, Conrado Sorgenicht e contou colaboradores como Almeida Junior, Amadeo Zani e John Graz.
“O Liceu logo se tornou uma oficina respeitada, conhecida pelo potencial das artes e ofícios que ali eram feitos. A intenção era, sobretudo, formar mão-de-obra especializada para o comércio, a indústria e a lavoura”, explica Wisnik. Nesta primeira parte, ‘São Paulo– 1873”, a curadoria traça paralelos com momentos cruciais da história do Brasil e da instituição, remontando, inclusive, o período que sucedeu a abolição da escravidão no país, no ano de 1888. Foi quando o Liceu passou a instruir mão de obra especializada, sobretudo filhos de imigrantes europeus recém-chegados ao país.
Com recursos fotográficos e audiovisuais, a mostra traz um panorama de como o Liceu antecipou a onda de intensa produção de bens duráveis que ocorreu no país a partir do século 20, como o crescimento urbano pautava os interesses da elite. Esse recorte social é aprofundado na mostra a partir de trechos selecionados de uma entrevista com Ana Belluzzo, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a FAU, autora da primeira tese relevante sobre o assunto.
No segundo núcleo, ao focar nas atividades para a produção industrial, com início na gestão de Ramos de Azevedo, a exposição mostra como o Liceu incorporou em suas oficinas o método do trabalho coletivo. Ao longo das décadas, essa forma de trabalho pautou debates estéticos e produtivos. Como as discussões relacionadas à substituição dos estilos ecléticos e revivalistas pelo modernismo, caracterizado pela simplificação da ornamentação e pela busca por formas mais econômicas.
Para ilustrar episódios marcantes, a mostra traz uma história polêmica de dois ícones da cidade de São Paulo da época, os escritores Mário e Oswald de Andrade, que chegaram a discutir se as casas modernistas deveriam ou não ser mobiliadas com móveis no estilo Luiz XVI, um dos estilos mais reproduzidos nas oficinas da instituição à época, destaque do segundo eixo ‘Oficina-Escola’.
Segundo Fernanda Carvalho, co-curadora da mostra, um dos objetivos é trazer personagens que ficaram no anonimato ao longo da história do Liceu. “É uma experiência que vai colocar em evidência vários registros presentes nas fichas de admissão de alunos e funcionários existentes nos arquivos do Liceu”, conta Carvalho.
Peças históricas compõem o terceiro e principal núcleo da exposição, conjuntos clássicos, como o mobiliário Savonarola, vão ser apresentados ao lado de peças modernistas, como o mobiliário da década de 1950. Uma parceria longeva do Liceu com a Galeria Teo apresenta peças construídas a partir de madeiras nobres, como imbuia e jacarandá, destacando os detalhes da construção em detrimento do ornamento.
Por meio de praticáveis coloridos com tons berrantes de textura lisa, os móveis ficarão suspensos para que os visitantes possam observar aspectos minuciosos dos objetos. Segundo Kiko Farkas, responsável pela expografia, a ambientação foi um tema discutido desde a concepção da mostra, visando tornar o percurso mais dinâmico e interativo.
“A gente imaginou um projeto que tirasse os móveis de seus lugares habituais, onde eles são vistos de forma utilitária pelas pessoas. Ao colocar as estruturas, vamos utilizar duas luzes, uma mais incisiva, na parte inferior, para que os visitantes possam ver os detalhes das peças. Já na parte superior, há uma luz mais intimista, baixa. Cria-se assim uma atmosfera teatral e, se tratando do acervo do Liceu, uma proposta para sair da zona de conforto”, resume Farkas.
Oficina+ Escola Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo Mobiliário Atemporal resgata documentos da época, como folhetos, catálogos de montagem e desenhos de projeto relacionados às peças modernistas, entre móveis, bronzes e esculturas. Considerando a mudança do trabalho manual para a fabricação digital, a curadoria criou uma área de FabLab na parte final da exposição. Neste espaço, serão destacadas tecnologias como: a impressão e modelagem 3D e a Robótica e seus recursos de manipulação e operação a laser, dando ênfase a produtos produzidos por essas tecnologias, remetendo obras do passado aos dias atuais, convidando o público a acompanhar esse processo criativo.
Essa seção da exposição visa promover a reflexão nos visitantes sobre o significado da “Instrução Popular” atualmente. Embora seu perfil tenha se adaptado à modernidade ao longo dos anos, o Liceu de Artes e Ofícios conservou algumas de suas características elementares, como a formação de estudantes por meio de cursos técnicos ligados à tecnologia, inovação e às artes.
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