A exposição O fio é minha tinta. O tear, meu pincel é uma retrospectiva abrangente, que celebra as quatro décadas de produção da artista Marina Lafer. Fruto da colaboração entre a Almeida & Dale Galeria de Arte, a ETEL Design e a icônica Casa Zalszupin, a mostra oferece uma visão da diversidade da obra da artista e apresenta uma gama de técnicas, como a aquarela, a colagem, a tapeçaria, até chegar à tecelagem, seu principal meio de expressão.
Neste fascinante repertório de experiências com tramas, texturas, tonalidades e composições, podemos ver uma trajetória de descobertas e permanências significativas. Marina Lafer está inserida na tradição que desafia as fronteiras entre a funcionalidade e a expressão artística, capaz de transcender, com leveza, as rígidas e artificiais divisas entre o figurativo e o abstrato, o artesanal e o sofisticado, o utilitário e o artístico: momentos de síntese que reverberam um horizonte visionário, característico da modernidade brasileira.
Destaca-se a unidade intrínseca presente neste corpo de obras, coesão que emerge do uso vibrante da cor, do convite ao habitar que seus trabalhos são. A coleção captura momentos distintos desse percurso, revelando uma força que se acentua quando apreciados em conjunto. Por resistir a uma história marcada pela descontinuidade, sua pesquisa manifesta o desejo pela permanência no esmero do ofício, nas minúcias do detalhe, na investigação de dimensões inauditas da delicadeza e da intimidade. A trajetória aqui reconstituída pode ser traduzida nos ganhos alcançados através de permutas entre interioridade e exterioridade, de movimentos de abertura e fechamento, expansão e concentração. Por diversos caminhos, a obra de Lafer nos diz que tudo aquilo onde se possa morar, em seus mais recônditos ou expansivos arranjos, é um análogo concreto da existência e corresponde a uma dimensão ampliada do ser. Por isso, faz-se ainda mais especial o propósito deste trabalho ser abrigado no arranjo arquitetônico da Casa Zalszupin, com sua espacialidade contrastante, dinâmica, e seu esmero no emprego dos materiais e da luz.
Se suas aquarelas e colagens do fim dos anos 1970 nos trazem a uma cena de origem e a energia encapsulada ali, os estudos em tecido, por sua vez, são o locus cotidiano de sua experimentação, em seu fluxo espraiado e contínuo.Já nos Minitêxteis, teremos sua culminação artística, engendrada em soluções das mais diversas, em profusão. Estes últimos, aliás, são mais uma dimensão em que a artista exercita o coabitar, a sintonia entre entes diversos, nos quais podemos vivenciar seus processos de transformação, a gestualidade que os conformou, a variabilidade de seus fios.
A mostra conta ainda com um grande painel de parede realizado pela artista nos anos 1990, uma videoinstalação que convida a uma incursão nos bastidores processuais de sua arte, e uma coleção de bancos assinados por mulheres que compõem o catálogo da ETEL Design.
O fio é minha tinta. O tear, meu pincel é uma ocasião para descobrir o trabalho de uma artista brasileira que merece maior destaque: sua obra ilumina aspectos substanciais de nossa cultura e prática artística. As correspondências entre sua linguagem, a Casa que a abriga e o mobiliário selecionado manifestam-se na mesma medida da fruição do espaço, em provas surpreendentes de adequação e beleza encadeadas em diversas escalas.
BRUNO SCHIAVO
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