Luciano Maia, Sem título da série Onironauta, 2024. Copyright do Artista
M+B apresenta Magic Echoes: Brazil Diasporas’ Vibrant Encounters with Ancestrality, uma exposição coletiva com obras de doze artistas brasileiros: Amadeo Luciano Lorenzato, Arorá, Chen Kong Fang, Chico da Silva, Gustavo Caboco, Hiram Latorre, Lia D Castro, Lu Ferreira, Lucas Almeida, Luciano Maia, Mateus Moreira e Thiago Molon. A mostra será inaugurada na sexta-feira, 21 de fevereiro, com uma recepção de abertura na galeria das 18h às 20h.
O Brasil é um país de muitos. Muitas origens e tradições, múltiplas histórias, culturas e crenças, povos diversos espalhados por distintos territórios, convivendo em espaços de pertencimento e desigualdade. A narrativa histórica sugere um processo de suposta conformidade dessa diversidade polifônica. Segundo discursos tradicionais que remontam ao período colonial, as distintas etnias e culturas deslocadas teriam se combinado de maneira uniforme, produzindo identidades pacificadas, cujas diferenças se uniriam ‘organicariamente’ sob uma única ideia de ‘brasilidade’. Esse processo, alienante e opressor, ignora o genocídio sofrido pelos povos indígenas e seus descendentes, assim como minimiza a desumanização imposta aos povos africanos por meio da escravidão. No entanto, a barbárie colonial, ao tentar afastar indivíduos de suas memórias e tradições ancestrais, encontrou constante resistência entre os povos negros e indígenas no Brasil. Suas produções culturais e simbólicas transcenderam distâncias e seguem fortalecendo identidades diaspóricas no país.
Ao longo dos últimos dois séculos, novas dinâmicas e fluxos transnacionais foram incorporados ao Brasil. Transformações críticas nas relações culturais, sociais e econômicas—tanto em nível local quanto global—se cruzaram com as ondas migratórias e os êxodos internos entre áreas rurais e urbanas, perpetuando a estrutura de desigualdade já consolidada pela colonização. Esses fenômenos seguem alterando as formas e os espaços onde identidades difusas ecoam, produzindo colisões que exigem novas sensibilidades e articulações, capazes de aliviar as pressões das memórias não reivindicadas, do desejo de pertencimento inatingido e das identidades diaspóricas em busca de ancestralidade.
Se, como afirma o filósofo Jacques Rancière, é no campo da estética que a batalha “pelas promessas de emancipação e pelas ilusões e desilusões da história” avança, a pintura contemporânea brasileira nos apresenta representações vibrantes de uma reconciliação misteriosa entre o deslumbramento da imagem e a relatividade do real. Ao recuperar memórias de passados complexos e dolorosos, engaja-se criticamente no discurso da diáspora, oferecendo formas essenciais de representação que desafiam uma negociação linear das diferenças identitárias, indo além das afirmações figurativas já estabelecidas.
Através das obras de artistas de diferentes origens e identidades geográficas e raciais, cujos espaços pictóricos reverberam com uma ressonância mágica de formas atemporais, paisagens e elementos transformados em estranhos familiares, Magic Echoes: Brazil Diasporas’ Vibrant Encounters with Ancestrality propõe um espaço de cura, reflexão crítica e reimaginação simbólica dos legados diaspóricos, buscando compreender as contradições do passado e as diferenças em constante mutação no presente.
Na exposição, o quarteto formado por Chen Kong Fang e Amadeo Lorenzato—representantes da tradição figurativa das vanguardas modernistas—e Lia D Castro e Hiram Latorre—artistas contemporâneos que revisitam criticamente as qualidades modernistas—apresenta diferentes abordagens à pintura brasileira na representação de interioridades profundas, nas quais figuras e formas fazem os vazios se moverem e, em seguida, se deterem. Essas obras sugerem que o encontro entre diásporas e ancestralidades não é apenas dialético, mas também meditativo. Através de representações essenciais e composições assimétricas que expressam equilíbrios tensos, os trabalhos desse grupo refletem sobre a importância dos espaços vazios na investigação do que configura a realidade desse encontro. Assim, o tratamento meditativo revela os aspectos misteriosos de tudo aquilo que se considera normal.
As pinturas de Thiago Molon, Gustavo Caboco, Chico da Silva e Lu Ferreira também entram em diálogo na mostra. Esses artistas recorrem a repertórios visuais e simbólicos distintos para produzir abstrações complexas, carregadas de fragmentos e imanências que não consolidam os encontros entre diáspora e ancestralidade, mas reinventam suas sensibilidades. A textura ruidosa das composições de Molon complementa a profusão cromática de Caboco, da Silva e Ferreira. Os estilos figurativos de Molon, Caboco e da Silva estão intimamente ligados à tradição visual dos primeiros povos diaspóricos do Brasil—os indígenas e africanos—mas não se limitam à continuidade de uma única tradição. Já as imagens de Ferreira evocam processos emocionais de fragmentação e reformulação na reivindicação de ancestralidades, sem a pretensão de alcançar origens ou significados definitivos.
Mateus Moreira, Lucas Almeida e Luciano Maia lidam com a subjetividade de representações essencialmente universais. Assim como o grupo composto por Fang, Lorenzato, D Castro e Latorre, exploram interioridades imaginadas, mas trilhando caminhos mais experimentais para a negociação das identidades. Seja na reinterpretação de mitos e folclores, como no caso de Maia, na fusão de materiais e referências interdisciplinares, como em Almeida, ou na projeção imagética de melancolias existenciais, como em Moreira, suas pinturas oferecem narrativas relacionais de cura e empoderamento para múltiplos olhares e identidades.
Assim como em diversos países das Américas, muitas das diásporas brasileiras foram guiadas pela lua. Niveladas pelo mar e pelas ondas que ecoam de continentes distantes, ou orientadas pelo brilho noturno e pelas estrelas, as rotas desses deslocamentos coletivos carregam um processo conflituoso de perdas e dores, segredos e sonhos, que atravessa gerações em busca de ressignificação. Não é por acaso que a lua, ou formas análogas a ela, aparece em algumas das pinturas da exposição; a lua que vemos hoje é a mesma que nossos ancestrais contemplaram em suas travessias, viagens e fugas. O impulso de reencontrar uma ancestralidade diaspórica—anterior ao trauma e independente dele—é o mesmo que confia na magia da lua para mover as marés que atravessam tempos e espaços, alheias à humanidade. Observar o brilho encantado da lua torna possível tecer o mundo inteiro e reunir os olhares dispersos pela história, revividos na memória e voltados para ela, na busca por aquilo que jamais poderá ser plenamente conhecido.
— Gabriela Gotoda
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