Intitulada Anomalia da solidão, a nova individual de José Bento (1962, Salvador, BA) na Millan sucede Todos os olhos, realizada na galeria em 2018. A mostra transforma o espaço expositivo por completo ao revestir todo o piso com serragem de árvores da Mata Atlântica, onde o artista apresenta “uma floresta” de suas reconhecidas esculturas de árvores, além de duas grandes instalações, uma no início e outra no fim do percurso da mostra. O conjunto de obras em exposição soma mais de seis toneladas de madeira. Pica Pau, a primeira instalação vista pelo público, é formada por dois troncos gigantescos – “resgatados” pelo artista depois da queda da árvore. Dentro deles foram esculpidas tocas que se transformam em cabines de vídeo onde o visitante pode se acomodar para assistir a vídeos de pica-paus construindo um ninho e alimentando seus filhotes gravados pelo artista em sua casa, em Nova Lima, MG. Com curadoria de Ricardo Sardenberg, que trabalha com Bento há 20 anos, o título da exposição é tomado de outra obra constituída por um tronco encontrado pelo artista. Abandonada solitária em um terreno transformado em pasto, a Peroba Rosa desenvolveu anomalias semelhantes a tumores em seu tronco. O fenômeno, chamado de “anomalia de solidão”, corresponde aos últimos esforços de sobrevivência da árvore depois de ter sido subitamente isolada de sua família, conforme explica o artista. Levado para dentro do espaço expositivo, o remanescente desta árvore traz à tona reflexões sobre como vidas não-humanas também estabelecem relações e formas de comunicação. Pensamento que perpassa a vida e o trabalho de José Bento que, além de exímio escultor, ressalta as semelhanças entre nós e os seres vegetais e é capaz de detalhar as características de cada madeira utilizada. A relação ética do artista com o meio-ambiente – e as denúncias que faz contra o desmatamento desenfreado – são visíveis pelas autorizações e relatórios de origem das madeiras emitidos pelos órgãos de fiscalização que o artista fez questão de expor ao lado das obras. Se em seu momento inicial a exposição apresenta imagens do início da vida, ela é encerrada com Navio Tumbeiro, um monolito esculpido em madeira preta, potencializado pela referência corpórea de um caixão, disposto sobre uma maca hospitalar, numa sala totalmente escura. A obra evidencia as ligações entre a invasão colonial com o extrativismo e com o atual cenário de crise ambiental, ou ainda, com a perspectiva de que o planeta seguirá seu curso mesmo com a extinção da humanidade.
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