Integrando elementos díspares e construindo peças que contenham acontecimentos, informações e objetos de universos multifacetados, a artista e ceramista Jacqueline Belotti vai moldando, manualmente suas obras, sempre agregadas a um caráter experimental. Suas criações recentes estarão na exposição “E DE TODAS AS COISAS UM”, que inaugura no dia 6 de julho, sábado, na Galeria Mercedes Viegas, no Horto. Paula Terra-Neale, que faz a curadoria, selecionou 15 cerâmicas e porcelanas de produção recente. A argila, nas mãos da artista, se torna um meio para transmitir histórias, emoções e visões únicas, ecoando o poder da criação que celebra. Da argila bruta ao objeto final, a magia do processo artístico dá nova vida e significado à matéria, que pode assumir a forma de folhagens, rosas, orquídeas, entre outras flores – inventadas ou não – mãos, cabeças, pássaros, asas, peixes, conchas, vegetação marinha, misturados a cacos de cerâmica diversos.
Inspiração em Bordalo Pinheiro e Heráclito
Segundo a artista, a obra de Bordalo Pinheiro sempre foi uma fonte inesgotável de inspiração para o seu trabalho: “Sua capacidade de combinar técnicas tradicionais com uma abordagem inovadora e crítica ressoa profundamente com minha própria prática artística”.
Mas é do conceito de “harmonia dos contrários”, do filósofo Heráclito, que vem a inspiração para dar forma às suas cerâmicas, que parecem afirmar que os opostos não são apenas necessários para a existência de tudo, mas também a harmonia e a unidade emergem da tensão entre eles. A artista incorpora ao seu processo de criação a visão de que a realidade é caracterizada pela mudança constante e pelo fluxo, tudo está em constante transformação e os opostos são interdependentes. A “harmonia dos contrários” sugere que a tensão e contraste entre os opostos cria um equilíbrio dinâmico. Assim como para Heráclito, essa tensão e contraste são fundamentais para a ordem e a estrutura das suas obras únicas, sempre se transformando mas mantendo a harmonia através do conflito contínuo entre todas as partes da obra. Cada peça de Jaqueline é uma expressão desse espírito.
“Jacqueline Belotti nos apresenta sua mais recente série de trabalhos: são vasos biomórficos de cerâmica em argila e porcelana esmaltados, produzidos desde 2020. O senso de urgência, de iminência da tragédia e de potência de vida transpiram deles. São peças únicas e elaboradas com experimentalidade técnica e sofisticação intelectual. Apresentam um deslocamento delicado e conflituoso entre as pequenas partes; os pequenos dramas equilibrados na totalidade da peça única, o vaso. As formas de cada uma das partes individuais, que podem ser associadas às da flora e da fauna, incluindo as dos corpos feminilizados, são aqui amalgamadas num todo fluído, e contínuo como que na tradição barroca e do rococó, mas com um toque de surrealidade. O fogo da queima unindo pigmentos e pedra num ardor sensual e erótico.
A artista cria seu próprio diálogo e exploração com a cerâmica, não apenas com o material em si, mas na possibilidade de trabalhar nele as questões da arte, as questões subjetivas, e empreender uma reflexão crítica sobre processos históricos, num mesmo mergulho”, sintetiza a curadora, Paula Terra-Neale.
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