Ismale Nery, Sem título, 1926 – Imagem / Divulgação
Ismael Nery (1900–1934) atravessou o modernismo brasileiro de modo tão intenso quanto breve. Poeta, pintor, desenhista obstinado e criador de uma filosofia própria — o essencialismo —, sua obra se organiza em torno de uma pergunta central, repetida em diferentes registros: quem sou eu?
Essa interrogação aparece de forma insistente nos inúmeros autorretratos que Nery produziu ao longo da vida, nos quais a identidade é posta em jogo como fragmento, deslocamento e recomposição. A busca não é apenas pela imagem do indivíduo, mas pela sua dissolução em pares de opostos: corpo e espírito, sombra e luz, masculino e feminino. Não por acaso, os retratos que fez ao lado de Adalgisa Nery, companheira e musa, sugerem um processo de fusão — como se o casal fosse uma só entidade, ambígua e indivisa.
A mostra “Ismael Nery: crônica e sonho”, com curadoria de Tadeu Chiarelli, reúne cerca de 60 obras, entre seis óleos e 56 trabalhos sobre papel — aquarelas, guaches, nanquins e grafites — que percorrem a produção do artista. Entre o cotidiano da metrópole carioca e o mergulho no supra-real, Nery constrói uma poética da ambiguidade: o duplo, a androginia, a autoimagem, a figura humana deslocada para territórios metafísicos. Nos anos 1920 e 1930, em diálogo com a visualidade art déco e as pesquisas cubistas, já apontava para questões identitárias e existenciais que hoje soam contemporâneas. Em seus últimos anos, marcados pela tuberculose, o corpo se torna tema e território: pulmões, traqueias e vasos sanguíneos transformam-se em paisagens interiores, ao mesmo tempo íntimas e universais.
Sua produção, no entanto, não se restringiu às visualidades. Nery escrevia poemas e promovia encontros em sua casa, dissertando sobre filosofia, estética e religião para amigos como Jorge Burlamaqui, Mário Pedrosa, Antonio Bento, Alberto da Veiga Guignard, Jorge de Lima e Murilo Mendes — este último, decisivo na preservação de sua obra após a morte precoce do artista.
“Eu sou a tangência de duas formas opostas e justapostas, eu sou o que não existe entre o que existe, eu sou tudo sem ser coisa alguma, eu sou o marido e a mulher, eu sou a unidade infinita, eu sou um deus com princípio, eu sou poeta.”
— Ismael Nery, trecho do poema Eu (1933). In: BENTO, Antônio. Ismael Nery. São Paulo: Gráfica Brunner, 1973.
A obra de Ismael Nery voltou a ganhar destaque em 1969, na X Bienal de São Paulo, na “Sala de Artes Mágica, Fantástica e Surrealista”, um panorama da produção brasileira nesse campo em diálogo com criações internacionais. Nesse contexto, Nery recebeu uma sala retrospectiva dedicada exclusivamente a ele, reunindo 50 trabalhos em papel. Entre os trabalhos exibidos em 1969, presentes também nesta exposição, estão o nanquim Princípio da Divisão (1931), a aquarela Além do feto (1927) e o nanquim Figura n.º 9 (1929).
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