Luiz Roque, “Paradise”, 2025. Cortesia Mendes Wood DM
Os vídeos de Luiz Roque são transmissões de um planeta alienígena. Ou, se preferir, são sinais televisivos vindos de linhas temporais alternativas, outros mundos possíveis ou dos devaneios dos submundos. Com a tecnologia certa, podemos captar vislumbres dessas visões. As estruturas escultóricas que por vezes abrigam as obras de Roque se assemelham a monólitos projetados para sintonizar essas frequências; parecem artefatos deixados por outra civilização – uma muito parecida com a nossa, mas estranhamente distinta. Aqui, as instalações em vídeo de Roque funcionam como uma série de portais – para diferentes universos, para zonas de estranheza temporal e encontro, para mapas perceptivos do mundo transformados.
“Holes” costura temas que reaparecem ao longo da carreira de Roque. A exposição parte de seu interesse pelas representações cinematográficas do mundo natural – seja quando abstraído em pura forma, seja quando antropomorfizado, como em um documentário de vida selvagem. Ela dissolve fronteiras estáveis entre corporeidade e subjetividade, trazendo à tona temporalidades desordenadas que acompanham o desejo. Ao mesmo tempo, celebra o próprio meio da videoarte, evocando a importância histórica específica desse formato artístico em Nova York. Afinal, foi aqui que artistas como Shigeko Kubota, Vito Acconci, Nam June Paik e Joan Jonas aperfeiçoaram sua prática.
Como alguns desses pioneiros, Roque também busca fugir do confinamento da caixa preta museológica; ele enfatiza a mobilidade, o movimento e o fluxo. Para ele, o buraco parece simbolizar uma rota de fuga para a videoarte – um portal que conduz para fora da grade espacial subjugadora do teatro. Esse pode ser um modo de interpretar a presença recorrente de orbes, esferas e círculos ao longo da exposição – formas que rimam com o buraco. Essas formas remetem a obras como República (2020), que, exibida em formato circular, talvez seja seu desafio mais explícito à apresentação convencional do vídeo. E se o buraco evoca a abertura da câmera, também alude aos pontos de receptividade no corpo – os muitos pontos, talvez, onde o meio multissensorial da videoarte pode nos despertar para prazeres inesperados.
Quem passa pela Walker Street verá uma tela enorme onde um plano de vidro se estilhaça em câmera lenta. Esta é a convocação de Roque à exposição e uma alusão à linguagem visual da própria Nova York. A princípio, a obra Projection (2012–2025) parece entrelaçada ao campo visual hiperestimulante da cidade – vitrines, anúncios da Times Square e, mais recentemente, telas de vídeo no metrô disputam nossa atenção por todos os lados. Curiosamente, embora um orbe perfure o plano de vidro do vídeo, nada parece mudar na paisagem ao pôr do sol que se vê ao fundo enquanto essa camada se desfaz. Ou muda? Roque sugere que nossa percepção ordinária já vem filtrada desde o início, mesmo que tais mediações sejam invisíveis a olho nu. Ele brinca com o formato do vídeo em si, oferecendo telas dentro de telas, superfícies planas que se disfarçam e se desmontam. O vídeo, para Roque, renova nosso modo de olhar.
Roque realiza essas reconfigurações perceptivas apropriando-se dos clichês, tecnologias e retórica visual da ficção científica. Como gênero, a ficção científica tende a girar em torno de um conceito central capaz de gerar todo um sistema de mundo. Esses conceitos são as sementes a partir das quais as obras de Roque florescem: Heaven (2016) imagina uma situação em que um vírus se espalha por hormônios usados pela comunidade trans, enquanto Zero (2019) apresenta um mundo repleto de arranha-céus reluzentes e jatos, mas desprovido de vida humana. Nas palavras do filósofo americano Fredric Jameson, recém-falecido, a ficção científica é paradoxalmente literal apesar de suas fabulações: ela emprega a visualidade “não para representar o mundo, mas para representar nossos pensamentos sobre o mundo”. Ou seja, a ficção científica dá forma às abstrações.
Nessa perspectiva, as esculturas de Roque rimam com seus filmes: ambas as práticas moldam ideias ou conceitos em proposições visuais; ambas nos convidam a considerar as formas múltiplas e deliciosamente estranhas que a subjetividade pode assumir. Nomeadas a partir de objetos e entidades familiares, mas marcianas em sua geometria, essas obras parafraseiam a vida orgânica; pense nelas como abreviações das energias humanas. Toilet (2024) se assemelha ao objeto que lhe dá nome – e talvez evoque Duchamp enquanto descarta a referência no mesmo gesto – mas seus múltiplos buracos semelhantes a ralos poderiam igualmente ser um conjunto de olhos. Em outras obras, o esmalte cerâmico pode começar a lembrar maquiagem sobre um rosto contornado.
Se compreendermos Roque como um artista que minera a ficção científica por sua capacidade de imaginar a teoria, podemos apreciar plenamente Clube Amarelo (2024) e Paradise (2025), uma nova obra feita para esta exposição. Destilando a gramática visual de Roque – com seus loops, repetições e imagens marcantes – em sua forma mais condensada, Paradise consiste em dois monitores quadrados conectados, empilhados um sobre o outro no chão, cada um exibindo um vídeo distinto. Um deles mostra um elemento icônico do horizonte do bairro: o arranha-céu residencial na 56 Leonard Street, projetado pelo escritório suíço Herzog & de Meuron e apelidado de “prédio Jenga” devido à aparência empilhada de suas unidades. Sempre atento à vida póstuma do modernismo em escala global, Roque concentra-se nesses espaços de planta livre em balanço, que flutuam no ar sem ligação com a terra. A imagem do prédio gira, evocando tanto as repetições hipnóticas de um protetor de tela quanto a abertura de um vórtice ou portal. Atravessando esse espiral, somos transportados para a cena inesperada exibida no monitor abaixo: um delicado vídeo de cervos pastando.
Veado significa “deer” em português, e no Brasil funciona tanto como um insulto direcionado a homens queer quanto como termo de afeto dentro da própria comunidade. Funcionando como uma espécie de senha, o vídeo parece inicialmente nos oferecer a imagem de um idílio queer, em contraste com o urbanismo vertiginoso da 56 Leonard. No entanto, como sugere a ambivalência linguística do termo veado, há algo inquietante na relação entre os dois vídeos. O mundo natural é ameaçado pelas formas de extração necessárias à construção dos arranha-céus – monumentos à virtuosidade humana que também registram os processos cíclicos da acumulação capitalista. Ainda assim, o ambiente urbano tem sido palco do florescimento de formas sociais queer que rompem com a norma, oferecendo seu próprio tipo de “paraíso” aos marginalizados. Com cabos de monitor que lembram caudas, Paradise embaralha as fronteiras entre o natural e o tecnológico, desestabilizando qualquer binarismo simplista.
Nos fundos da galeria, Clube Amarelo (2024) apresenta alienígenas humanoides – figuras que permitem a Roque explorar configurações queer de corpos e prazeres. Vemos imagens externas de um prédio geometricamente austero, em um tempo que confunde dia e noite. Logo a câmera é puxada pela porta do clube como se atraída pela gravidade de um buraco negro, e parece que deixamos este mundo para trás ao atravessar o vazio escuro. A sugestão é que estamos prestes a embarcar em uma jornada interior, onde a matéria do inconsciente invade a vida desperta. Imagens em série de uma orgia proliferam pela tela – membros embaralhados e infinitos. Corte para a próxima cena: talvez tudo isso tenha sido o devaneio da figura de pele verde repousando em uma espreguiçadeira. Ela deseja se juntar à multidão? Ou, como a louva-a-deus que imagina, nutre agressividade por seus possíveis parceiros?
Talvez mais parecido com uma boate do que com um spa, Clube Amarelo é onde o êxtase encontra o terror. Testemunhamos uma criatura de pele púrpura encontrar seu duplo que, em pouco tempo, revela sua diferença alienígena: um tentáculo longo e espesso, de pele levemente translúcida como a de uma larva – uma homenagem aos efeitos especiais tradicionais da ficção científica. Lentamente, mas com insistência, o tentáculo avança em direção ao protagonista até estrangulá-lo. Seus suspiros, no entanto, são indistinguíveis de gemidos de prazer, e o filme corta para tomadas e poses repetidas, como se esse momento de jouissance rompesse qualquer noção de tempo linear. O filme pode ser lido como uma alegoria de nossa atração desestabilizadora pelo desconhecido, pelo estranhamento de si que acompanha a transformação. Vamos gostar do que nos tornamos, vamos aproveitar o que nos acontece quando buscamos prazer ou embarcamos em transformações corporais? Será que nossa atração pelo outro é, na verdade, uma fantasia sublimada da reformulação da própria identidade?
Perguntas como essas se multiplicam na obra de Roque, onde não se encontram fronteiras nítidas. Ele não permite – e tampouco deseja – que o espectador se dissolva no espaço anonimizante e subjugador da caixa preta. Você deseja entrar no Clube Amarelo? Contorne essa cortina de borracha e encare a tela. Cortinas normalmente separam o palco da plateia ou a sala escura do cubo branco do museu. Esta, no entanto, chama atenção para sua própria materialidade, sua presença enquanto algo que permite o olhar ao mesmo tempo que o delimita. Roque quer propor cenas alternativas de recepção artística – modos que possam alterar os arranjos dos corpos no espaço e os circuitos de afetividade e sensação. Se a ficção científica materializa essas transformações, o mesmo fazem as culturas queer que Roque frequentemente cita em sua obra. Elas são, para ele, zonas de encontro capazes de desestabilizar nossos modos habituais de ver, sentir e conhecer. Elas perfuram buracos no campo de força do aqui e agora.
— Connor Spencer
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