Bruce Nauman, “Playing a Note on the Violin While I Walk Around the Studio”, 1967-1968. Imagem: Reprodução
A Yehudi Hollander-Pappi apresenta o projeto de cinco anos do artista brasileiro Caio Carpinelli, em diálogo com o artista seminal da arte norte-americana Bruce Nauman – Câmara de Reflexão. – O trabalho emerge como um gesto liminar entre a densidade da matéria e a diluição do pensamento pictórico, ocupando um ponto de inflexão em que a pintura se revela não como superfície, mas como campo de forças espaciais.
A analogia com Bruce Nauman não se estabelece por mera afinidade formal ou citação reverente, mas por uma ressonância estrutural: ambos os artistas elaboram dispositivos nos quais o corpo — do artista e do espectador — torna-se elemento ativador de um campo de instabilidade perceptiva. Se Nauman, em Playing a Note on the Violin While I Walk Around the Studio, transforma a repetição mínima em campo de reflexão corporal e sonora, Carpinelli desloca essa mesma lógica para a superfície pictórica, onde cada camada negra atua como vetor de interferência e reorientação da experiência visual.
Em Câmara de Reflexão (2025), Carpinelli articula a pintura como evento — não no sentido narrativo, mas enquanto ocorrência formal, engendrada pela fricção entre o gesto e a resistência dos materiais. O uso da tela no chão, a introdução de pigmentos criados a partir de experimentações químicas inerentes ao processo da pintura e a organização espacial das telas implicam uma coreografia cuja ênfase reside menos na obra final e mais na condição processual do fazer. Há aqui uma inteligência performativa, em que o corpo do artista e o do observador operam como instrumentos de tradução entre o imaterial (ideia) e o matérico (pintura). Assim como Nauman fixava a câmera e oferecia o corpo à repetição e ao erro, Carpinelli estabiliza a tela para desestabilizar a percepção, projetando o espectador em um campo especular de reverberações ópticas.
O preto de Carpinelli — jamais opaco, jamais pleno — é uma entidade em mutação: uma superfície que se transmuta em volume, reflexão, ausência e intensidade. Ele se afasta de qualquer simbolismo imediato da cor, como a representação do vazio ou da morte, para operar em um registro quase litúrgico da matéria. Como um alquimista do mínimo, o artista converte o negro em campo de imanência: um espelho cego, onde a luz é capturada, filtrada e devolvida sob novas coordenadas.
A pintura, então, deixa de ser uma janela para o mundo para tornar-se um espelho do pensamento. Por meio de gestos circulares, incisões e camadas sobrepostas, o artista constrói uma topografia que exige do olhar não apenas contemplação, mas deslocamento — um ver que é, ao mesmo tempo, ler e sentir. Se o gesto inaugural de Carpinelli é, como nos lembra a citação de Nauman, comunicar uma experiência e não uma informação, então Câmara de Reflexão é um rito de passagem: uma travessia pela espessura da imagem. Sua obra impõe ao espectador um tempo outro — um tempo mental, em que a pintura se torna campo meditativo, quase monástico.
A tradição conceitual, aqui, não se expressa por meio da linguagem ou do texto, mas por uma sofisticação tátil do pensamento. O encontro com Nauman se consuma não como reverência histórica, mas como reinvenção metodológica: ambos oferecem ao espectador um espaço rarefeito, onde corpo e mente se reconfiguram diante do não-saber, do desconhecido. E é nesse ponto — onde o preto se converte em claridade e a pintura em experiência — que Carpinelli inaugura com potência sua jornada artística.
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