Anexo do Salão Azul é a primeira exposição de Cinthia Marcelle na Galeria Luisa Strina, e sua primeira individual após uma série de grandes exposições panorâmicas de sua obra realizadas em diferentes instituições entre 2022 e 2023: Cinthia Marcelle: Por via das dúvidas, no Masp – Museu de Arte de São Paulo; Cinthia Marcelle. Una conjunción de factores, noMACBA, Barcelona; e Cinthia Marcelle: Disobedient Tools, no Marta Herford Museum, em Herford, Alemanha.
Com curadoria de Beatriz Lemos, a exposição toma como ponto de partida a troca do carpete do Salão Azul do Senado Federal, permanentemente danificado durante a invasão e depredação dos prédios dos três Poderes na Capital Federal, em 8 de janeiro de 2023. Privilegiando o momento de recuperação dos edifícios que representam o Estado Democrático de Direito em detrimento dos atos de vandalismo que o antecederam, Cinthia Marcelle realizou uma intensa investigação acerca do processo de troca desse carpete, encomendando o material utilizado do único fornecedor que o produz sob medida para o edifício do Senado. O carpete é um elemento importante na identidade visual do Senado, sendo que cada uma das casas legislativas, Senado e Câmara, são representadas, respectivamente, pelas cores azul (representando o céu de Brasília) e verde (remetendo aos imensos gramados da esplanada).
Ao utilizar exatamente o mesmo carpete do Senado para estabelecer relações de escala com a área do piso da galeria, Cinthia Marcelle cria um paralelo simbólico entre os dois espaços. Começando com uma peça de carpete que corresponde à metade da área do piso do espaço expositivo, a artista então divide a área desse elemento pelo meio para criar a próxima peça e assim por diante, até chegar em uma peça final de dimensões diminutas que evoca o “humiliminalismo” (minimalismo humilde) do Cruzeiro do Sul (1969-70) de Cildo Meireles. Esse jogo formal de relações entre o todo e as partes, embora regido por uma lógica matemática de redução, cria uma sensação de proliferação, segundo as palavras de Lemos no texto curatorial que acompanha a exposição. Por meio dessa operação, Cinthia Marcelle produz uma espécie de reificação do conceito de democracia que subjaz à existência das casas legislativas, dando corpo a uma ideia abstrata que concerne todos os espaços contidos dentro do território nacional.
Enquanto a utilização do material recém-adquirido e o aspecto inacabado que caracteriza a disposição das peças no espaço (com o carpete cobrindo apenas parte do piso e, em alguns casos, semi-enrolado e instalado parcialmente nas paredes da galeria) apontam para um momento futuro de reconstrução; no verso dos trabalhos a artista traz a sobreposição de memórias ligadas tanto à formação e ao estabelecimento dos princípios democráticos no país quanto ao próprio processo de pesquisa e identificação do fornecedor do material no qual ela e sua equipe se envolveram nos meses que antecederam a exposição. Na face posterior do carpete, Cinthia Marcelle propôs uma espécie de colagem de reproduções de páginas do Jornal do Senado (publicado entre 1995 e 2019) nas quais figuram manchetes que abordam diferentes conteúdos ligados à democracia, misturados à documentação levantada durante o desenvolvimento do projeto de exposição (plantas baixas, licitações, etc.). Esse material é organizado de forma cronológica: quanto mais antigos os materiais mais próximos ao fundo da composição, chegando até as imagens da troca do carpete do Senado e cobrindo o período de concepção da exposição. Em meio à sobreposição de diferentes tempos, no Anexo do Salão Azul concebido por Cinthia Marcelle, o público encontra-se em um ponto de inflexão entre memória e futuro. Complementando a instalação dos trabalhos em carpete, há ainda uma peça sonora que envolve a transmissão ao vivo da Rádio Senado no ambiente da galeria, trazendo a consciência do tempo presente.
Em seu ensaio, Beatriz Lemos afirma que “Cinthia Marcelle narra, de maneira subjetiva, a ficcionalização de um novo país a partir da mudança de governo que se instaura com a missão de restaurar a estabilidade democrática brasileira. Com isso, a presença central na exposição de um elemento partícipe [carpete] que representa a literalidade dessa mudança, faz com que a obra de Marcelle nos ajude em um dos grandes desafios dessa sociedade: o de fomentar uma pedagogia social que nos faça absorver coletivamente o significado do Estado Democrático de Direito.”
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