Entrevista com Marcello Dantas sobre a artista Eva Jospin

Curador Marcelo Dantas fala sobre a relação Eva Jospin, a passagem da artista francesa pelo Brasil e o impacto de suas obras monumentais

por Diretor
5 minuto(s)
Eva Jospin, “Selva”, 2024. Courtesia de Museo Fortuny e Eva Jospin. Foto: Benoît Fougeirol ©Jospin, Eva

De 6 de setembro a 7 de dezembro, a Casa Bradesco recebe a mostra Re-Selvagem – Natureza Inventada, de Eva Jospin. A artista francesa, conhecida por criar paisagens monumentais a partir de papelão, tecidos e fibras naturais, apresenta 14 obras que transitam entre instalações, bordados, desenhos e vídeos, com curadoria de Marcello Dantas. Entre os destaques está Selva (2024), instalação imersiva exibida pela primeira vez no Brasil após sua apresentação marcante na Bienal de Veneza.

A exposição propõe uma reinvenção da natureza em que materiais cotidianos e industriais, como papelão e fibras têxteis, são transformados e reconectados às suas origens, recuperando qualidades vitais e orgânicas. Nesse encontro entre escala, rigor artesanal e imaginação, a obra de Jospin adquire uma dimensão arquitetônica e poética, articulando memória, mito e experiência sensorial.

Em entrevista ao ARTEQUEACONTECE, Marcello Dantas comenta sua relação com a artista, os bastidores da mostra e o impacto de trabalhos que transformam o espaço em ambientes de imersão.

Esther Constantino e Marcello Dantas

Esther Constantino: Hoje vamos falar sobre uma artista que vem conquistando o mundo: Eva Jospin. Ela tem uma obra poética e monumental. Marcello, queria começar pela sua conexão com a Eva. Como começou a relação entre vocês?

Marcello Dantas: Eu já tinha visto obras dela em diferentes lugares e um dia jantamos em Veneza. Entendi que ela era uma pessoa incrível, divertida, maravilhosa, com um olhar completamente original no uso dos materiais e na ressignificação de processos. O que gosto na obra da Eva é que ela é altamente impactante, mas também tem uma história. Ela acessa lugares do imaginário, do craft, da mão, da colaboração, e faz isso de um jeito muito próprio. Foi um encantamento. Terminei o jantar e falei: “quero fazer uma exposição com você”. Uma semana depois já estávamos reunidos em Paris.

EC: E por que o Brasil? Você é um curador do mundo.

MD: Sim, mas eu trabalho em vários lugares. Já estamos tentando viabilizar a Eva em outros contextos, mas ela tem uma história forte com o Brasil. Veio ao país com 15 anos, foi para a Amazônia e se embrenhou na floresta. Essa experiência a marcou profundamente. Essas florestas estão aqui no trabalho dela. É uma mata que às vezes é imaginária, às vezes representativa de um lugar ou vivência real. O Brasil a conecta afetivamente, e ela sempre quis voltar. Voltou agora em grande estilo.

EC: O trabalho dela impressiona muito pela escala e pelo uso do papelão. Pela forma como cria paisagens e transporta o espectador. Na sua visão, qual é o maior impacto que ela provoca no público?

MD: Acho muito interessante o caráter imersivo que ela conseguiu com uma técnica tão ancestral quanto a tapeçaria. Normalmente pensamos nela como algo bidimensional, um enquadramento. Aqui não: a tapeçaria se torna um lugar, envolve o espectador. São 106 metros lineares, com 3 metros de altura, mais de 300 m² de tapeçaria. Foram necessárias 300 mulheres trabalhando durante um ano, na Índia. O mais bonito é que cada ponto da obra é feito por uma artesã, seguindo os desenhos da Eva, distribuídos entre elas. Eu até comparei com o tempo que minha mãe levou para fazer uma tapeçaria de 2 x 1,5 metro. Se fosse ela sozinha, demoraria mil anos para concluir essa. É realmente impressionante. E tem camadas: o processo colaborativo, a valorização da mão da artesã, e o lugar do imaginário. De longe, a obra é uma coisa; de perto, é outra. Precisa de recuo, de espaço. Só no Brasil foi possível montar assim, não apenas em formato de painel comprido. Isso muda a experiência: a sensação de envolvimento e o desenho que se refaz a cada distância.

EC: Aqui hoje dá para sentir isso. Eu mesma me sinto acolhida, como se fosse um abraço desse universo da Eva.

MD: Exatamente. E no caso das obras em papelão, há também a metáfora do material. Daí o nome da exposição, Reselvagem. O papelão é quase sem valor: a caixa que você pega no supermercado, que não tem preço definido. É algo ordinário. Mas é de origem vegetal, de uma árvore que circulou pela economia, carregou produtos. E ela ressignifica, dizendo: “vou trazer de volta a sua natureza selvagem que você um dia foi”. É uma metáfora poderosa. É como se dissesse: vamos nos “reselvangesizar”. Isso fala do nosso processo industrial, contemporâneo, ambiental. E devolve sentido. É a ideia de rewild: permitir-nos ser selvagens novamente, no melhor sentido.

EC: O trabalho dela realmente traz essa natureza para perto. A Eva também esteve na última Bienal de Veneza, onde eu conheci sua obra e me encantei. Um dos maiores palcos da arte mundial. Como ela chegou até lá?

MD: Foi no Palácio Fortuny, que sempre apresenta algumas das melhores exposições de Veneza, em paralelo à Bienal. A Bienal pode variar, mas no Fortuny sempre é bom. Era a casa de Mariano Fortuny, criador e designer. Há um andar dedicado a ele, e, durante anos, Alex Vandervoort cuidava do espaço, promovendo mostras individuais. Sempre muito especiais, de prestígio. A instalação da Eva lá era imperdível. Entrar naquele espaço era estar em outra dimensão. Além disso, o Fortuny é uma figura simbólica para Veneza, dá ainda mais importância ao local.

EC: Qual é a importância, então, de estar na Bienal de Veneza?

MD: É relativo. Houve até uma discussão na última Bienal: “Frida Kahlo nunca foi exibida em Veneza”. E daí? Frida é Frida. Muitos grandes artistas não passaram por lá, assim como muitos que passaram não se consolidaram. A Bienal é um jogo de oportunidades: o que está sendo feito no momento, o que se consegue viabilizar. Não existe crivo absoluto. É sempre relativo, dependente de orçamento, tempo, janelas de criação e do zeitgeist. Há épocas criativas que resultam em Bienais extraordinárias; outras, menos inspiradas, em Bienais fracas. Mas continua sendo um marco, principalmente de encontro e visibilidade no mundo da arte. Só que é mais voltada para o circuito do que para o grande público. Veneza está sempre cheia, mas o público da Bienal é pequeno. O que circula ali são curadores, críticos, artistas, galeristas, colecionadores. Para visibilidade ampla, instituições como Tate ou Pompidou têm mais impacto. A Documenta, sim, é diferente. A cada cinco anos, faz uma pesquisa profunda, com projetos comissionados. Esse modelo me interessa mais. Sempre busco uma arte não domesticável, que não possa ser “possuída”.

EC: Você é um curador que tem esse olhar.

MD: Sim. E aqui estamos muito felizes. É uma honra estar aqui com você.

EC: Você já trabalhou em vários contextos com artistas internacionais. No caso da Eva, o que mais te marcou?

MD: O histórico dela de criar instalações de grande qualidade vivencial. Ela se preocupa com a experiência do visitante. Pode usar a técnica que quiser, mas garante que será memorável. Em qualquer contexto — galeria, museu pequeno ou grande — sua obra impacta. Agora ela vai fazer o Grand Palais. Acompanho seu trabalho com paixão e admiração. Conheci em Veneza e, de lá para cá, sigo acompanhando. Trazer essa artista ao Brasil é um presente. Mais do que uma exposição, é uma experiência.

EC: É exatamente isso que está acontecendo aqui. Eu entrei na montagem e fiquei impactada. Para encerrar: quais são seus próximos projetos? Algum especial com a Eva?

Marcelo Dantas: Sim, vêm outros artistas também. Sempre que possível, gosto de projetos monográficos. Esse espaço é generoso, permite isso. Acabamos de fazer uma coletiva com a Lusitina, que ficou ótima, mas prefiro usar o espaço para desenvolver teses mais fortes. E busco sempre originar exposições aqui. A da Eva foi criada para a Casa Bradesco. Depois, uma parte foi a Curitiba, e agora chega ainda maior a São Paulo. São projetos desenvolvidos localmente, não pacotes prontos. Quem viu em Curitiba verá novidades aqui. O espaço é um presente para a cidade, assim como a exposição.

Você também pode gostar

© 2024 Artequeacontece Vendas, Divulgação e Eventos Artísticos Ltda.
CNPJ 29.793.747/0001-26 | I.E. 119.097.190.118 | C.C.M. 5.907.185-0

Desenvolvido por heyo.com.br