Disputa interna ameaça o acesso público à obra de Hilma af Klint

Sobrinho-bisneto da artista tenta restringir acesso às obras, provocando disputas internas e repercussão internacional

por Diretor
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Uma disputa interna na Fundação Hilma af Klint tem gerado controvérsias sobre o futuro das obras da artista sueca. Erik af Klint, sobrinho-bisneto da pintora e atual presidente da instituição, defende que as pinturas sejam mantidas em um templo dedicado exclusivamente a “buscadores espirituais”, restringindo o acesso ao público geral e interrompendo novas exposições. Sua interpretação parte dos estatutos originais da fundação, criada em 1972 pelo sobrinho da artista, também chamado Erik af Klint, que previa que as obras fossem destinadas a quem busca conhecimento espiritual — conceito que o atual presidente interpreta de maneira muito mais restritiva do que seus antecessores.

A posição de Erik contraria a crescente valorização de Hilma af Klint no cenário internacional. Desde que ganhou visibilidade tardia com a monumental retrospectiva no Guggenheim em 2018 — uma das mais visitadas da história do museu —, a artista tem sido apresentada em instituições de ponta como a Tate Modern, o Centre Pompidou e o Museu Picasso de Paris. Sua obra, antes marginalizada, passou a ocupar um lugar central nas reescritas da história da arte moderna, colocando em xeque os cânones tradicionais da abstração.

Hilma af Klint, ‘The Ten Largest, No. 3, Youth, Group IV’, 1907 © Stiftelsen Hilma af Klints Verk

O conflito se agravou recentemente com a proposta de parceria entre a Fundação Hilma af Klint e a galeria David Zwirner, que pretendia ampliar a divulgação do trabalho da artista por meio de novas publicações, apoio à pesquisa e ações de preservação. Erik af Klint vetou a negociação, alegando que se tratava de uma tentativa de “pilhagem” da obra da artista. Em resposta, representantes da galeria consideraram a acusação absurda e destacaram que a proposta estava em conformidade com os princípios da fundação.

Em entrevista ao Hyperallergic, Erik reafirmou sua oposição à crescente inserção da obra de sua ancestral no mercado e no circuito institucional, argumentando que Hilma af Klint não desejava que seus trabalhos fossem tratados como peças de museu ou comercializadas como produtos culturais. Ele critica o que chama de “indústria Hilma af Klint”, que inclui desde livros e exposições até produtos licenciados. Em consonância com isso, o presidente da fundação tem defendido a construção de um templo físico onde as obras seriam apresentadas em contexto meditativo e espiritual, como a própria artista teria imaginado ao conceber o projeto de um edifício espiralado para abrigar a série Pinturas para o Templo — projeto que nunca chegou a se realizar.

No entanto, a proposta enfrenta forte resistência dos demais membros do conselho, que argumentam que esse plano é financeiramente inviável e que restringir ainda mais o acesso ao trabalho da artista compromete seu reconhecimento e preservação. Sem apoio interno, Erik iniciou disputas legais na tentativa de destituir outros administradores da fundação e consolidar sua visão.

A situação atual reflete um embate mais amplo: de um lado, a leitura espiritualizada da obra, que busca preservar seu caráter esotérico e visionário; de outro, a lógica institucional e mercadológica que tornou possível o reconhecimento de Hilma af Klint como uma das figuras mais importantes da arte moderna. Especialistas apontam que a mesma Fundação que hoje discute o acesso à obra recusou, ainda nos anos 1970, a proposta de doação das obras ao Moderna Museet, em Estocolmo, cujo então diretor considerou a produção da artista “irrelevante”.

O caso continua em aberto e levanta questões fundamentais sobre propriedade, interpretação e acesso no campo da arte. Ele também ilustra o quanto a valorização póstuma de artistas antes invisibilizados pode gerar disputas sobre quem tem o direito de contar sua história — e em que termos.

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