Uma disputa interna na Fundação Hilma af Klint tem gerado controvérsias sobre o futuro das obras da artista sueca. Erik af Klint, sobrinho-bisneto da pintora e atual presidente da instituição, defende que as pinturas sejam mantidas em um templo dedicado exclusivamente a “buscadores espirituais”, restringindo o acesso ao público geral e interrompendo novas exposições. Sua interpretação parte dos estatutos originais da fundação, criada em 1972 pelo sobrinho da artista, também chamado Erik af Klint, que previa que as obras fossem destinadas a quem busca conhecimento espiritual — conceito que o atual presidente interpreta de maneira muito mais restritiva do que seus antecessores.
A posição de Erik contraria a crescente valorização de Hilma af Klint no cenário internacional. Desde que ganhou visibilidade tardia com a monumental retrospectiva no Guggenheim em 2018 — uma das mais visitadas da história do museu —, a artista tem sido apresentada em instituições de ponta como a Tate Modern, o Centre Pompidou e o Museu Picasso de Paris. Sua obra, antes marginalizada, passou a ocupar um lugar central nas reescritas da história da arte moderna, colocando em xeque os cânones tradicionais da abstração.

O conflito se agravou recentemente com a proposta de parceria entre a Fundação Hilma af Klint e a galeria David Zwirner, que pretendia ampliar a divulgação do trabalho da artista por meio de novas publicações, apoio à pesquisa e ações de preservação. Erik af Klint vetou a negociação, alegando que se tratava de uma tentativa de “pilhagem” da obra da artista. Em resposta, representantes da galeria consideraram a acusação absurda e destacaram que a proposta estava em conformidade com os princípios da fundação.
Em entrevista ao Hyperallergic, Erik reafirmou sua oposição à crescente inserção da obra de sua ancestral no mercado e no circuito institucional, argumentando que Hilma af Klint não desejava que seus trabalhos fossem tratados como peças de museu ou comercializadas como produtos culturais. Ele critica o que chama de “indústria Hilma af Klint”, que inclui desde livros e exposições até produtos licenciados. Em consonância com isso, o presidente da fundação tem defendido a construção de um templo físico onde as obras seriam apresentadas em contexto meditativo e espiritual, como a própria artista teria imaginado ao conceber o projeto de um edifício espiralado para abrigar a série Pinturas para o Templo — projeto que nunca chegou a se realizar.
No entanto, a proposta enfrenta forte resistência dos demais membros do conselho, que argumentam que esse plano é financeiramente inviável e que restringir ainda mais o acesso ao trabalho da artista compromete seu reconhecimento e preservação. Sem apoio interno, Erik iniciou disputas legais na tentativa de destituir outros administradores da fundação e consolidar sua visão.
A situação atual reflete um embate mais amplo: de um lado, a leitura espiritualizada da obra, que busca preservar seu caráter esotérico e visionário; de outro, a lógica institucional e mercadológica que tornou possível o reconhecimento de Hilma af Klint como uma das figuras mais importantes da arte moderna. Especialistas apontam que a mesma Fundação que hoje discute o acesso à obra recusou, ainda nos anos 1970, a proposta de doação das obras ao Moderna Museet, em Estocolmo, cujo então diretor considerou a produção da artista “irrelevante”.
O caso continua em aberto e levanta questões fundamentais sobre propriedade, interpretação e acesso no campo da arte. Ele também ilustra o quanto a valorização póstuma de artistas antes invisibilizados pode gerar disputas sobre quem tem o direito de contar sua história — e em que termos.