Diásporas asiáticas ganham destaque no Instituto Tomie Ohtake

O Instituto Tomie Ohtake inaugura o programa “Diásporas Asiáticas”, apresentando três mostras distintas

por diretor
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Chen Kong Fang, Sem título, 1981. Imagem: Reprodução/Divulgação Instituto Tomie Ohtake.

Em um espaço consagrado à memória e à expressão artística de Tomie Ohtake, a abordagem das diásporas asiáticas se revela inevitável, como apontado pelo diretor artístico Paulo Miyada. Nesse contexto, o instituto apresenta sua mais recente série de exposições, dedicada à reflexão sobre esse tema crucial.

Durante o século XX, uma série de conflitos, crises e revoluções influenciaram tanto a dispersão de comunidades asiáticas quanto o fluxo migratório em direção ao Brasil, destacando-se o estado de São Paulo devido às suas dinâmicas socioeconômicas. Segundo Miyada, esse é um processo complexo, marcado por perdas, trocas e uma constante transformação que atravessa gerações. O programa “Diásporas Asiáticas” busca contribuir para esse diálogo, ressaltando o estímulo criativo de artistas oriundos da China, Coreia do Sul e Japão, alguns dos quais nascidos em solo brasileiro.

Assim, a programa consiste em três mostras distintas: duas delas são exposições individuais dos artistas Chen Kong Fang e Hee Sub Ahn, enquanto a terceira é uma coletiva que apresenta o trabalho de ceramistas nipo-brasileiros ou influenciados pela cultura japonesa, como Shoko Suzuki, Hideko Honma, Alberto Cidraes e até mesmo Tomie Ohtake.

A curadoria ainda observa que o museu compreende que ao abordar a perspectiva desses artistas, não se resolverá toda a diáspora oriental em uma exposição – essa é uma característica inerente. São aproximações da China através do olhar de Fang, da Coreia do Sul através das pinturas de Hee e das cerâmicas nipo-brasileiras, produzidas por pessoas que passaram boa parte de suas vidas no Brasil, com um enfoque específico em São Paulo.

Chen Kong Fang, Casas com marinha ao fundo, c. dec 1960/1970. Imagem: Reprodução/Divulgação Instituto Tomie Ohtake.

A exposição “Chen Kong Fang – O Refúgio”, com curadoria de Paulo Miyada e Yudi Rafael, explora a vida e a obra do artista que dedicou cerca de cinco décadas ao cenário artístico paulistano. Esta primeira retrospectiva do artista em uma instituição brasileira reúne mais de cem obras, incluindo pinturas a óleo e sumi-ês (técnica ancestral de pintura a pincel, que utiliza tinta nanquim, original da pintura chinesa e introduzida no Japão em meados do século XIV) produzidos entre o final dos anos 1940 e o início da última década. Contrariando uma abordagem cronológica, a mostra destaca como Fang, ao conceber a pintura como um caminho, constantemente dialogou com gêneros pictóricos consolidados, imprimindo sua própria dicção nas ideias de retrato, paisagem e natureza morta. Os curadores destacam a influência das vanguardas modernas e a reabertura experimental nelas, evidenciando o compromisso do artista com a experimentação e a liberdade.

Sempre em um âmbito muito doméstico, suas pinturas apresentam texturas com tinta a óleo, permitindo múltiplas camadas, nas quais ele reinterpreta o gênero da natureza morta, rearranjando os elementos e espalhando o aglomerado na mesa em suas composições. Seu espólio atualmente é representado pelas galerias Almeida e Dale e Gomide&Co e inclui trabalhos que fazem parte dos acervos do MAM, do MAC e da Pinacoteca de São Paulo.

Hee Sub Ahn Sem título 1985. Imagem: Reprodução/Divulgação Instituto Tomie Ohtake.

“Hee Sub Ahn – O caminho”, com curadoria de Catalina Bergues e Julia Cavazzini, traz um olhar inédito sobre o trabalho da artista sul-coreana, abordando a imigração e a integração na comunidade do Bom Retiro, em São Paulo. O recorte da exposição abrange o período entre 1985 e 1990, refletindo sua chegada no Brasil. Hee Sub Ahn mudou-se com o marido e dois filhos em 1974, se afastando da Coreia durante a crise do petróleo. Após sua chegada, abriu uma loja de confecção e, posteriormente, uma fábrica de tecelagem. No entanto, a pintura sempre a acompanhou, pois quando atingia a meta de vendas, podia comprar material para produzir suas telas. Ela foi uma figura importante para a comunidade coreana em São Paulo, fundando a igreja cristã Imosp Nações e uma escola de coreano no bairro do Bom Retiro. Embora ainda pouco conhecida, sua produção artística representa uma perspectiva da imigração da Coreia do Sul. Apesar de sua obra parecer abstrata, cada trabalho possui uma narrativa pessoal. Em alguns de seus processos criativos, Haa utiliza colagens de jornais e revistas brasileiros da época, além de incorporar a palavra como parte da composição, misturando-a com ideogramas coreanos.

Megumi Yuasa, Ponte Bridge, 1973. Imagem: Reprodução/Divulgação Instituto Tomie Ohtake.

“Tocar a Terra – Cerâmica contemporânea nipo-brasileira”, curada por Rachel Hoshino com assistência de Ana Roman, teve como ponto de partida a produção de cerâmica nipo-brasileira. A cerâmica, uma prática milenar no Japão, foi por muito tempo exercida predominantemente por homens, especialmente na cerâmica do chá, enquanto as mulheres eram afastadas desses fazeres. A mostra reúne algumas artistas, como Shoko Suzuki e Mieko Ukeseki, cuja trajetória e prática experimental se desenvolveram após sua chegada ao Brasil. “Não se trata de romantizar a migração, mas sim de reconhecer o potencial desses artistas e sua inserção no circuito artístico, destacando a cerâmica como uma forma de arte”, comenta Ana Roman. A exposição também apresenta uma rara cerâmica de Tomie Ohtake, outra artista que veio de um contexto de imigração.

A coletiva apresenta trabalhos de Akinori Nakatani, Alberto Cidraes, Hideko Honma, Katsuko Nakano, Kenjiro Ikoma, Kimi Nii, Kimiko Suenaga, Luciane Sakurada, Marcelo Tokai, Mário Konishi, Megumi Yuasa, Mieko Ukeseki, Renata Amaral, Shoko Suzuki e Tomie Ohtake. Junto às obras de cerâmica, haicais do artista Kenichi Kaneko são dedicados a cada um dos ceramistas reunidos.

De certo modo, além da experiência da migração, dos desafios e oportunidades encontrados longe de casa, as produções desses artistas se conectam pelo fato de serem conduzidas com uma abordagem aparentemente despretensiosa, contudo carregadas de técnica e riqueza plástica. O compromisso com a arte permeia suas vidas, transformando o ato de criar em uma experiência significativa. É sobre uma grande vivência.

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