A mostra Crazy: A loucura na Arte Contemporânea invadiu o Chiostro Del Bramante, edifício renascentista que hoje serve como espaço para exposições de arte, em Roma. Com curadoria de Danilo Escher, a mostra conta com a participação de 21 artistas de reconhecimento internacional e 11 instalações site-specific. Logo ao entrar no edifício, que fica localizado a uma curta distância da Piazza Navona, encontramos a primeira instalação no pátio central, que dá início ao percurso imersivo, divertido e obrigatório da exposição. Trata-se da obra construída exclusivamente para ocupar aquele espaço: o chão do pátio.
O artista italiano Alfredo Pirri cobriu o chão com pedaços de espelho que juntos e de forma fragmentada refletem a construção e o céu. A imagem refletida oferece uma pluralidade de pontos de vista, brincando com a forma estática com a qual estamos habituados a observar reflexos no espelho e tornando a imagem observada mais fluida e indistinta. Logo após, entrando no percurso da exposição, encontramos a próxima instalação que também foi produzida exclusivamente para a mostra. Intitulada Break-Through (Five), do artista suíço Thomas Hirschhorn, a instalação consiste em uma grande variedade de materiais como papelão, plástico e tubos, que despencam do teto do espaço expositivo como se este tivesse se rompido e liberado tudo aquilo que nele estava contido.
O trabalho de Hirschhorn reflete a desordem das ideias acumuladas e foi criado na intenção de retratar de forma concreta a mente humana. Dando sequência ao percurso, encontramos obras do artista camaronês Pascale Marthine Tayou, que atualmente mora em Gent, na Bélgica, mas que se considera um “artista viajante”. Suas obras são repletas de referências às culturas dos lugares onde ele habitou e feitas, muitas vezes, com materiais encontrados ao acaso ou descartados na natureza. A sua obra principal exposta nesta mostra representa um exemplar da planta Asclepias, bastante comum na América do Norte e que foi produzida pelo artista a partir de antigos instrumentos de pesca encontrados por ele durante uma residência artística na Índia.
Logo depois de observarmos a beleza do “natural” de Tayou, entramos em uma sala verde, invadida por uma trilha sonora creepy e sombria, onde há apenas uma escrivaninha, uma cadeira e uma série de objetos bizarros como pedras, feijões e uma espécie de vagem de metal. A sala é pequena, o pé direito é baixo e no teto há duas aberturas que dão para o forro e que revelam mais objetos e espelhos, onde o observador observa a si mesmo de repente e de surpresa, passando a fazer parte da instalação de forma inesperada. O mais engraçado é que ela parece um lugar relativamente comum, como um ambulatório, uma sala de espera ou até uma sala de aula. Esta instalação, intitulada Meteor, foi feita pela artista britânica Anne Hardy especialmente para esta mostra e é com uma “revolta” aos lugares inertes da vida. Os objetos invadem o ambiente como ideias que germinam em meio à nossa vida cotidiana.
Saindo de Meteor encontramos, em uma grande sala escura, uma enorme placa com mini lâmpadas de led coloridas que piscam freneticamente em ritmos diferentes apagando-se por completo de repente. A obra é Starless, do italiano Massimo Bartolini, e traz uma experiência sensorial ao observador que caminha ao lado da placa conforme segue o percurso da mostra. As luzes piscantes evocam, além de iluminar “o caminho de uma jornada artística”, as sinapses do cérebro e o processo criativo da mente.
A próxima instalação é uma obra do artista argentino Lucio Fontana produzida, em um primeiro momento, para a IV Documenta de Kassel. Trata-se de um “Ambiente Espacial” totalmente pintado de branco, de altas paredes e divisórias que fazem com que a instalação pareça um pequeno labirinto. Ao caminhar por dentro do pequeno caminho e tomado pela imensidão do branco é possível experimentar a sensação que sucede à criação artística. Quando a obra foi já produzida, quando a ideia foi já concretizada, aquele súbito e efêmero vazio da mente. Fontana é um dos pais da arte contemporânea e esta obra é, segundo o curador, o “coração da mostra”.
Adiante, seguimos por um segundo jardim vertical. As esculturas em forma de flores da artista norte-americana Petah Coyne pendem do teto acima do observador. Feitas de cera, um material pouco resistente, a obra de Coyne remete à fragilidade das flores e à beleza que nela está contida. Em meio ao corredor onde está o jardim vertical de Coyne há uma porta que nos leva a uma pequena sala, onde está a instalação Original Canned Fish Shop, do artista alemão Tobias Rehberger, que é verdadeiramente uma loucura. Em um cenário colorido com as cores de um céu ao entardecer, mini cubos que mais parecem pixels azuis e brancos estão justapostos de maneira a formarem um céu tridimensional. Por entre estes cubos estão dispostas uma centena de latas de peixe. A obra convida o visitante a questionar-se sobre os hábitos de consumo contemporâneos.
Entrando na última parte do percurso deparamo-nos com duas esculturas intrigantes: um homem e uma mulher vestidos de gala. Ela está deitada em um divã, ele está em pé ao seu lado. Até aí tudo normal, mas no lugar de suas cabeças estão duas pedras gigantes e totalmente desproporcionais com o resto dos corpos de ambos. No início da mostra, lá no pátio do prédio, estão outras quatro esculturas da mesma série que se chama Teenager Teenager e que são de autoria da dupla de artistas chineses Sun Yuan e Peng Yu. A ideia dos artistas é retratar uma fase específica do processo criativo, durante a qual os pensamentos preenchem completamente a mente, que procura a melhor direção a ser seguida.
Abandonando o casal “cabeça-dura” chegamos à uma escadaria tomada por milhares (15000, para ser exata) de borboletas pretas que conduzem o visitante ao som de uma trilha sonora ligeiramente tensa. É a obra Black Cloud Fashion, do artista mexicano Carlos Amorales ao som da composição Organica, do italiano Carl Brave. Ao fim da escada e já quase tonto pelo extenso túnel de borboletas, chega-se à terra dos unicórnios. É realmente assim que descrevo a instalação Hypermania do islandês Hrafnhildur Arnadóttir. Um corredor de carpete felpudo verde e paredes inteiramente cobertas por cabelos sintéticos coloridos e compridos que faz o ambiente parecer, de verdade, uma nuvem de algodão doce. Tudo é iluminado pelo letreiro Be Afraid Of the Enormity of the Possible.
Ainda neste corredor colorido está a entrada de um outra sala, onde roupas (das tradicionais às mais doidas possíveis) estão penduradas por toda a parte e fazem com que o visitante tenha que se desviar delas à medida que passeia pela instalação Fuori dal buio dell’armadio (Fora do escuro do armário), da artista italiana Sissi, que convida o visitante a pensar sobre o corpo humano e seus limites. Ainda na temática “roupas” há uma outra instalação logo após: Un Ballo de Maschere (Um baile de máscaras), do artista britânico Yinka Shonibare, que posiciona dois manequins vestidos à caráter para um baile de máscaras em frente de uma tela onde passa em looping um vídeo de uma coreografia em um baile, no qual volta e meia dois “convidados” mascarados chegam perto da câmera e “examinam” o observador que, assim, passa a “participar” do baile.
O percurso, divertido e imersivo, agora já se aproxima do final. Aqui já estamos há mais ou menos uma hora visitando a exposição quando nos deparamos com uma portinha coberta com uma cortina preta que leva a um corredor escuro. O corredor é, na verdade, um labirinto que pisca repetidamente luzes frenéticas e coloridas que circundam todo o percurso do chão ao teto. A instalação, intitulada Topoestesia – itinerario programmato (Topestesia – Itinerário programado) é uma das obras mais antigas da exposição, que foi elaborada em 1970 pelo italiano Gianni Colombo, um dos mais importantes artistas da Itália e um expoente da arte cinética. Topestesia é um conceito que pode ser compreendido como a capacidade de localizar uma sensação táctil. A obra de Colombo faz com que o visitante experiencie uma momentânea perda de seus pontos de referência.
Concluindo este mergulho pela loucura na arte contemporânea, estão as últimas obras: End Game (Coulro-Claustrophobia) do canadense Max Streicher e Poured Staircase, do britânico Ian Davenport. A primeira é uma espécie de boneco inflável em forma de duas cabeças imensas de palhaços que, como o nome aponta, tem por objetivo trazer à tona a fobia inexplicável que certas pessoas sentem frente a palhaços. A segunda é uma instalação divertida que fecha o percurso da mostra já que a escada que traz os visitantes de volta ao pátio de entrada foi coberta por uma camada colorida e resinada que faz parecer que um balde gigante de tinta colorida foi jogado do topo da escada, fazendo a tinta escorrer pelos degraus. Assim, de volta ao pátio espelhado de Pirri, a mostra termina onde começou.
Serviço:
Crazy: La Folia Nell’ Arte Contemporânea
Local: Chiostro del Bramante
Endereço: Arco della Pace, 5, Roma, Itália
Data: Até dia 8 de janeiro de 2021
Funcionamento: Todos os dias das 10h às 20h
Ingresso: 10-18 Euros