Corpo humano, corpo máquina, corpo trans, corpo político, corpo história. Noções de identidade, território e pertencimento. Reflexões sobre jornadas migratórias, ancestralidade e meio ambiente – estes são alguns dos denominadores comuns entre os artistas que devem despertar a atenção no circuito das artes plásticas durante o ano que começa.
A equipe do ARTEQUEACONTECE conversou com 9 curadores (Catarina Duncan, Ana Roman, Naine Terena, Raphael Fonseca, Paula Borghi, Ana Carolina Ralston, Priscyla Gomes, Paula Plee e Luciara Ribeiro) para chegar numa lista de 23 artistas para ficar de olho neste ano.
O resultado? Um grupo coeso de criativos que vêm desenvolvendo obras cheias de vigor e, ao mesmo tempo, delicadeza que instigam discussões de origem por meio de olhares íntimos para tudo que os cerca e para o próprio corpo, mas também através de uma visão expandida do que significa estar no mundo. Não parece ser à toa, por fim, que a maioria dos nomes que entraram em pauta são de mulheres de toda parte do Brasil.
Veja abaixo quem são estes artistas.
Ana Giselle é uma multiartista pernambucana que escolheu o codinome TRANSÄLIEN baseado no senso errôneo de “anormalidade” que a sociedade sempre projetou sobre seu corpo trans. O próprio alter ego é, por si só, uma constante e poderosa performance, visto que ela que utiliza de máscaras e dispositivos estratégicos para se transmutar e driblar qualquer predefinição de imagem-persona imposta. Atualmente sua instalação imersiva COSMOVERSE (2022), composta por vídeos de referências afrofuturistas, está em exibição na mostra coletiva Um século de agora, no Itaú Cultural em São Paulo.
2. Maria Macêdo
Indicada ao Prêmio PIPA 2022, a artista, educadora e pesquisadora cearense, nasceu em 1996, num distrito chamado Quitaiús. Por ter crescido em uma família de agricultores e retirantes, Macêdo mergulha, por meio de sua pesquisa e trabalho, na questão do êxodo rural como uma desapropriação de terras. Produz vídeos, pinturas, instalações e performances a partir da ciência da mata; de suas vivências enquanto mulher preta e nordestina; de sua relação com o labor.
3. Nidia Aranha
Nascida em Itaguaí, na baixada fluminense do Rio de Janeiro, Aranha é uma artista visual que subverte as noções conservadoras sobre o corpo humano, compreendendo este como parte de uma construção histórica, cultural e política, sujeita a infinitas transformações físicas e poéticas. Desta forma, muitas vezes, seu próprio corpo travesti torna-se obra. Cápsula de Leite, por exemplo, que foi exposta no ano passado no MASP na exposição Histórias Brasileiras, é uma obra composta por uma cápsula futurista que carrega o leite produzido pela própria artista, enquanto ela esteve sob uma dieta hormonal que resultava na indução de lactação. Em 2020, Aranha submeteu-se a um processo de extração deste leite, resultando na videoperformance chamada Ordenha.
Nascida em Goiás, Sophia Pinheiro é artista visual, cineasta e educadora popular, dedicada à formação audiovisual em comunidades indígenas. Suas criações poéticas audiovisuais já foram exibidas pelo mundo afora, como é o caso de Nhemongueta Kunhã Mbaraete, feito em colaboração com Graciela Guarani, Patrícia Ferreira Pará Yxapy e Michele Kaiowá, que consiste em uma obra-processo de 16 vídeo-cartas trocadas durante o período da pandemia. Neste ano, a artista dará continuidade aos desenhos, esculturas e performances da série vândalas mascaradas, com a qual investiga, desde 2013, a autonomia dos corpos como motor de prazer.
5. Josi
Tendo saído do vasto campo de terra e grama do Vale do Jequitinhonha, Josi extrai também a vivacidade da natureza nas pequenas possibilidades que a cidade grande de Belo Horizonte, onde reside atualmente, lhe oferece. Contemplada pelo 8º Prêmio Artes Tomie Ohtake e Prêmio Pipa, Josi produz delicadas pinturas usando caldo de feijão; pó de café; terra colhida entre as brechas do asfalto; e, o que mais seu olhar sensível ao cotidiano encontrar. Além do desenho, a artista desdobra suas pesquisas em esculturas, instalações, técnicas de tricô e, neste ano, está desenvolvendo um projeto baseado em uma “andança” pelo Piauí. Já estamos ansiosos para ver o resultado desta nova pesquisa que resultará numa exposição no segundo semestre deste ano em uma instituição de São Paulo.
6. Lícida Vidal
A artista paulistana tem a água e a argila como seus principais pontos de partida para investigar interdependência, escala, territórios, diversidade e coexistência no processo de colapso do Antropoceno. A partir de ações performáticas, fotografias, vídeos e instalações, Vidal também atravessa questões sobre o gênero feminino e a natureza. Caso você esteja em São Paulo nos próximos meses, poderá conferir seu trabalho na exposição de residência da galeria Luis Maluf e na coletiva dos artistas do Clínica Geral no Ateliê397 – em ambas exposições a artista participa com trabalhos inéditos.
Natural de São Paulo, a Horikawa foi seguir seu sonho de viver como artista depois de passar oito anos em Belo Horizonte, onde se formou na área e começou a estruturar sua relação com as imagens. Hoje ela explora suas práticas pictóricas no campo da ilustração e das artes visuais, elaborando retratos intimistas que traduzem cenas do cotidiano comum e vivências pessoais que atravessam as afetividades humanas. Em 2023, ela participa de duas grandes exposições coletivas: uma que estreia neste mês na AM Galeria de Arte em Belo Horizonte, e outra em abril no MAC USP, fruto do último edital aberto da instituição.
Originário do povo Pankararu, Aislan cresceu na aldeia mãe Brejo dos Padres, no interior de Pernambuco. Mudou-se de lá pela primeira vez para fazer faculdade de medicina, em Brasília. Mas rapidamente se descobriu artista autodidata, produzindo pinturas que unem saberes da ciência ocidental com suas memórias ancestrais. Desta forma, elementos gráficos tradicionais da pintura corporal de seu povo fazem referência às memórias de sua infância e aos conjuntos de células de nosso corpo e diferentes cadeias ou organismos biológicos. Dotadas de movimento e constituídas pela mistura de tintas e cores, sua produção evoca a riqueza visual e simbólica dos Pankararu com o objetivo de ressaltar a sua luta e resistência de todos os povos indígenas. Atualmente, Pankararu apresenta duas séries de pinturas na exposição coletiva Um século de agora, no Itaú Cultural em São Paulo.
Natural de Florianópolis, a artista visual mudou-se recentemente para São Paulo, onde passou a desenvolver uma pesquisa baseada no cimento, tentando compreender as relações de forma enquanto materialidade moldante e moldável. Dedicada, principalmente, às instalações e esculturas, a artista continua investigando a potência poética de outros materiais, mas agora com foco em criar novas visualidades para o imaginário do Sul Global, em especial ao que se refere à modernidade. Na 3ª Frestas Trienal das Artes, por exemplo, a artista apresentou a instalação Belle Époque dos Trópicos, o desdobramento de uma pesquisa sobre o descompasso entre uma ideia de “modernidade” e a crescente exploração da natureza e da mão-de-obra de colonizados. Na obra, a tecnologia indígena explorada pelas elites nos processos de extração do látex na Amazônia, é protagonista, não mais como fonte de recurso, mas como referência formal e estrutural dos objetos que compõem a instalação.
10. Fernanda liberti
Mestre em fotografia e premiada internacionalmente, Fernanda trabalha sobretudo com a linguagem audiovisual buscando dar visibilidade às experiências de corpos negros, de mulheres e de pessoas LGBTQIA+. Tendo ela crescido no Rio de Janeiro, o contraste entre o mundo natural e artificial que a cercava também influenciou sua estética. Mais recentemente, a artista dedica-se à investigação dos arquivos pessoais de sua família revisitando jornadas migratórias feitas pelos seus ancestrais.
11. Fefa Lins
Fernando, ou Fefa, é artista visual de Pernambuco, que tem o próprio corpo como objeto de estudo e trabalha principalmente com a pintura a óleo. Seus autorretratos, ainda que às vezes possuam elementos ficcionais, estão sempre intimamente ligados às suas vivências enquanto transmaculino. Em 2021, teve sua primeira exposição individual pela galeria Amparo 60, em Recife, e agora passou a ser representado pela galeria Verve. Ano passado, foi indicado ao Prêmio Pipa 2022 e compôs o time de artistas que expuseram na importante Histórias Brasileiras, no MASP.
12. Jonas Arrabal
Natural de Cabo Frio, Arrabal vive e trabalha entre Rio de Janeiro e São Paulo. Ele se inseriu no mercado criativo por meio do teatro e, hoje, muitas de suas instalações artísticas trazem elementos da natureza para o jogo. Arrabal propõe reflexões sobre deslocamento tempo; sobre dicotomias entre a invisibilidade e a visibilidade; e, sobre as transições e apagamentos. Os processos de imigração que sua família de origem oriental passou até chegar em Cabo Frio, no início do século XX, também inspiram diversos trabalhos, pautando, inclusive, sua individual no Paço Imperial, chamada Os vivos e os mortos, que aconteceu em 2019. A obra de Jonas também foi destaque da exposição coletiva Objeto não Identificado, curada por Luisa Duarte e Victor Gorgulho, na Galeria Athena, em 2022.
13. Marina Woisky
Tensionando os limites entre pintura e escultura, Marina Woisky reproduz e manipula imagens encontradas na internet, livros, catálogos, além de fotos que ela mesma faz de diferentes acervos, para discutir representação, virtualidade e tridimensionalidade de objetos e elementos ornamentais. Fotos de objetos decorativos, como gárgulas, elementos arquitetônicos e botão de roupas, saem, assim, do papel ou da tela do computador para se transformar em corpos têxteis que lembram almofadas.
Ao chegar perto dos trabalhos, o público irá se surpreender por um truque visual-tátil: as obras são preenchidas com gesso e tecido, geralmente associados a algo macio e flexível, se apresenta no lugar da rigidez. Mas esta é apenas uma das muitas camadas de estranhamento do trabalho de Woisky. Além da estratégia material, a artista adota um processo peculiar ao buscar imagens de figuras distorcidas, representadas por ângulos estranhos e misteriosos.
Objetos tridimensionais precisam ser fotografados de vários ângulos para serem compreendidos e, olhando para eles, a artista propõe uma discussão sobre o jogo da representação chapada de algo com volume, propondo um processo oposto. Outra questão que aparece em suas pesquisas é a própria ideia de autoria, além de uma busca por elementos que não protagonizam a História da Arte. Cria fantasmas de objetos, símbolos, frisos, figuras e animais que, juntos, criam uma instigante dramaticidade. Formada em artes plásticas pela Unesp, em 2021, Woisky mergulhou recentemente numa pesquisa com resina. O resultado? Seus objetos-personagens parecem molhados e sedutores.
14. Arorá
Destaque em projetos independentes como o Solar dos Abacaxis e o projeto Piscina.art, a artista carioca encanta pelos gestos precisos e delicados desenhos de seres que habitam, de acordo com a artista, as entrelinhas ou um híbrido espacial entre mundos e desejos. Materiais encontrados em escavações feitas no próprio quintal da artista e objetos marítimos como pérolas podem virar esculturas e instalações que dialogam de forma potente com ancestralidade e, ao mesmo tempo, com o efêmero e transitório. Há, ainda, um discurso sobre a rigidez que pode habitar o que é frágil e fluido. Arorá também participou da coletiva Objeto não Identificado, na Galeria Athena, em 2022, apresentando as pinturas Quedas d’água. Em março, ela participará de uma exposição coletiva na galeria Quadra, em São Paulo; e outra na ERA Gallery, em Milão.
15. Rayana Rayo
Em 2015, quando a artista pernambucana decidiu largar a advocacia e assumir-se artista. Filha do também artista José Carlos Viana, ela queria que seu trabalho tivesse traço e caminho próprio. E conseguiu. Suas pinturas hipnotizam por apresentar abstrações de um mundo híbrido, lúdico e surrealista onde o vernacular encontra um futuro retrô. Mas isso não quer dizer que ela se desprendeu totalmente de uma herança estética. “Meu pai ainda está muito presente em mim e muitas das minhas telas são diálogos que preciso estabelecer com ele”, explica a artista que prefere criar cenas abstratas pela amplitude e múltiplas possibilidades de interpretação. Em Maio, ela apresentará novas pinturas na galeria Leme, em São Paulo, em diálogo com obras da também pintora Mônica Barbosa. As telas que ainda estão em desenvolvimento partem de conversas com sua mãe, Ana Claudia. “Tenho refletido muito sobre elementos que lhe agradem e também sobre a simetria ou assimetria das coisas”, explica a artista sobre os temas trabalhados. Rayo explica que sua mãe teve quatro filhos com o pai artista e, por isso, nunca teve muito tempo para olhar para si. O trauma da maternidade passou de mãe para filha e Rayo também não queria ser mãe, mas hoje cuida do pequeno Cícero entre uma pincelada e outra. “Minha mãe tem muita potência de vida e acho que seria uma ótima artista, mas precisou parar tudo para cuidar da gente. Nunca tinha tempo para olhar para ela mesma. Acho que preciso assimilar esse processo dela e, talvez, curtir a maternidade de uma forma que ela não consegui”.
16. Keila Sankofa
A artista amazonense Keila Sankofa vem se destacando no mercado por sua pesquisa afro-futurista – tema muito discutido por artistas internacionais, mas que ainda tem poucos representantes no Brasil. Suas obras em vídeo, fotografia e performance costumam apresentar referências aos fazeres e saberes ancestrais como potentes ferramentas para projetar futuros possíveis. Na performance “Óculos de Okoto”, que se desdobra em filme, foto e objeto, a artista sugere um resgate de seu “corpo preto como tecnologia ancestral”. Na obra, Keila exalta divindades africanas recuperando símbolos como os búzios – concha tão valiosa entre os povos africanos que já foi usada como moeda de troca.
Artista aposta do AQA desde 2020, Juliana Dos Santos segue no radar no radar por sua poética e complexa investigação sobre racismo, corporeidade, decolonização, espacialidade e deslocamentos de imaginários. Há cerca de 13 anos a artista mergulhou num mundo azul: o interesse começou pela flor Clitória Ternátea, que solta um pigmento azul, e pelas qualidades metafísicas, terapêuticas e plástico-formais da cor que inspirou o nascimento do Blues, gênero e forma musical originado por afro-americanos no extremo sul dos Estados Unidos em torno do fim do século 19. Suas pinturas e instalações imersivas, que criam uma espécie de cromoterapia, buscam instigar reflexões e analogias diante do azul não somente com elemento pictórico, mas como campo energético que traduzem sentimentos como melancolia, esquecimento e dor.
Não à toa, a artista envolve de azul o retrato de sua avó, Benedita, e o tataraneto, Enzo. A obra, intitulada Vingança de Cam, é um combate à teoria de embranquecimento presente na pintura A redenção de Cam, de Modesto Brocos. A imagem original apresenta uma família que vai “embranquecendo” a cada geração com o objetivo de defender a miscigenação como forma de erradicar a população negra do país. “Na minha família é o contrário”, defende a artista que enfatiza a luta dos movimentos negros, ao longo do séc. 20, para a manutenção da vida e identidade. Em breve, Juliana participará de uma coletiva na galeria Fortes D’Aloia Gabriel, com curadoria de Marília Loureiro e Luiza Duarte. Ela se prepara, ainda, para abrir uma exposição no segundo semestre na Alemanha.
Nascido na Suíça mas radicado no Rio de Janeiro, Guerreiro do Divino Amor ficou conhecido por sua pesquisa sobre mundos fantásticos que poderiam ser classificados como “surrealistas”, mas não passam de um recorte afiado e sarcástico da mais pura realidade. Com uma estética kitsch, os trabalhos de Guerreiro nascem da manipulação e colagem de fragmentos da realidade ou cenas públicas reproduzidas, em sua maioria, nas mídias de massa somadas a elementos típicos do cinema e da literatura de ficção científica. A estratégia está em exagerar para evidenciar, de forma humorada, fatos e movimentos assustadores do mundo em que vivemos – evidenciando complexos contextos sociais e geopolíticos e discutindo diferentes formas de atuação de poderes – sejam eles políticos, religiosos ou midiáticos. Vencedor do Prêmio Pipa de 2019, Guerreiro do Divino Amor foi destaque na última Trienal de Artes e vai representar a Suíça na próxima Bienal de Veneza.
O delicado e, ao mesmo tempo, visceral trabalho de Manuela Costa gira em torno de processos e práticas acionadas por seu contato com as águas profundas do inconsciente. Explicamos: Ainda na faculdade, a artista goiana começou a fazer um diário de seus sonhos e percebeu que a maioria era protagonizada por mares, rios e tsunamis. Goiás é uma região árida e o seu desejo pode ter sido construído pela própria falta. “Mas aqui também é o lugar onde nascem e brotam águas doces”, pontua a artista que encontrou no livro A água e os sonhos : ensaio sobre a imaginação da matéria, de Gaston Bachelard, um ponto de apoio para criar suas mitopoéticas expressas em desenhos, fotografias e esculturas que trazem seres e mitos que evocam o signos e significados dos arquétipos e ideias primordiais que atravessam toda a humanidade. “São elementos que aparecem em diferentes civilizações em diversos tempos e espaços, mas estão presente no inconsciente coletivo apesar de tantas diferenças sociais”, explica a artista que parte das pesquisas de Carl Gustav Jung para propor reflexões sobre transformações internas e processos de cura e espiritualidade, sempre tensionando sentidos opostos – sonho e realidade; a morte e a vida; o natural e o sobrenatural; selvagem e civilizado.
Manuela se autodefine como uma “mulher de eras”, pois vive momentos mergulhadas num único assunto: as conchas, os caracóis, os peixes e, mais recentemente, as serpentes ( geralmente, ela evoca as espécies aquáticas como a sucuri e jibóia). “Tenho me interessado muito sobre a ideia do ouroboros e a ideia do eterno retorno”, relata. Com a intenção de transformar o primordial em contemporâneo, ela reflete sobre estigmas negativos construídos na civilização ocidental. “A natureza é tida como selvagem, algo que precisa ser controlado, e a serpente é vista como perigo. Mas nas culturas originárias é o oposto. A serpente é sabedoria, cura e símbolo da constituição da vida. Tudo na vida tem o seu lado positivo e negativo, a natureza é o perfume da flor e também a podridão do cadáver. A morte, aliás, pode ser necessária para o nascimento de uma nova vida”.
20. Patricia Baik
Interessada em investigar identidade e suas próprias vivências como filha de imigrantes sul-coreanos, Patricia Baik cria delicados e misteriosos desenhos e pinturas divididos em três diferentes tempos, marcados pelo corte do próprio cabelo: o tempo do cabelo curto, médio e comprido. Linhas finas e jogos de luz e sombra são transportados para diferentes suportes, numa constante busca por entender as reverberações dos deslocamentos e as buscas por identidade e pertencimento das gerações seguintes após processos migratórios. Entre cenas lúdicas e profundas, Baik explora o signo da casa e as promessas de conforto, alento e acolhimento que ela evoca.
Lygia Clark e Hélio Oiticica encontram Burle Marx para um encontro imersivo que une arte e natureza – talvez esta seja uma forma simplória, porém significativa, de definir as obras vestíveis e performáticas de Selva de Carvalho inspiradas por um extenso estudo cosmológico sobre o reino vegetal – onde podemos encontrar nossa verdadeira ( e complexa) identidade ancestral. As peças produzidas em tecido, desenho e bordado trazem referências às resistências, adaptações e metamorfoses dos corpos dinâmicos para coexistirem no ambiente. É sobre sobrevivência e transitoriedade. Em abril deste ano, ela vai abrir uma individual na residência da galeria que a representa, a galeria Karla Osório, em São Paulo
22. Yhuri Cruz
Destaque em exposições coletivas como Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros, no IMS; Negros na piscina, na Pinacoteca do Ceará; e, Quilombo: vidas, problemas e aspirações do negro, em Inhotim, Yhuri Cruz Yhuri Cruz se apropria aspectos da memória coletiva e individual para criar ficções em diálogo com diferentes formas e sistemas de poder que o atravessam como homem negro no Rio de Janeiro – estas narrativas partir de críticas institucionais; de relações de opressão; de resgates subjetivos; ou, de violências sociais reprimidas ou não resolvidas.
Um de seus trabalhos mais conhecidos é Monumento à voz de Anastácia, uma espécie de afresco-monumento sobre o qual o artista disponibiliza santinhos de Anastácia Livre. Anastácia foi uma mulher negra retratada pelo pintor francês Jacques Etienne Arago, no século 19, usando elementos de escravização no pescoço e boca. A imagem foi amplamente divulgada na época e ficou conhecida como “castigo de escravo”. Muitos dizem que Anastácia era uma princesa africana e foi trazida para o Brasil escravizada e acabou ficando conhecida, aqui, como uma santa popular depois de alguns milagres serem associados à sua imagem. Cruz faz, então, uma releitura da cruel imagem de Arago com a máscara de ferro de sua boca e transformando sua corrente de ferro em colar de ouro.
O artista compreende a memória como um fenômeno ligado aos nossos mais íntimos sustos e assombrações, como fantasmas que atravessam o tempo e o espaço e constroem as formas canônicas e dissidentes de subjetividades e de sociabilidades. “São contornos de coisas que não estão em seus lugares, que consigo decifrar”, explica. Em 2023, Cruz terá uma merecida individual no MAR.
23. Rubiane Maia
Interessada por temas como corpo, voz e memória, a mineira Rubiane Maia faz performances, fotografias e colagens com o objetivo de evocar estados de percepção, sinergia e cura que abrangem relações de interdependência e afeto entre seres humanos e não humanos – como minerais e plantas.
Qualquer jardineiro ou hypster sabe: se você transplantar uma árvore para outro vaso ou arrancá-la da terra sem danificar suas raízes, ela morrerá. O mesmo acontece com seres humanos: os povos africanos que foram arrancados de suas terras só podem sobreviver se suas raízes, de suas culturas, forem cuidadas. É preciso nutrir para preservar. Apesar da identidade não ser a questão principal de seu trabalho, a mineira Rubiane Maia não conseguiu escapar do questionamento sobre suas origens e, depois que mudou-se para a Inglaterra, passou a elaborar performances que abordam sua ancestralidade. Em Respirando Memórias, ela enfia a cabeça na terra em busca de seu passado e, em Monumento a um corpo sem raízes, ela tenta criar estruturas arquitetônicas com pedaços de árvore sem as raízes que normalmente as sustentam. Já na obra Essa voz que me interrompe para remover os pés do lugar, criada a partir de um texto cheio de referências pessoais, Maia replanta uma Ficus lyrata, planta nativa da África ocidental, continente que faz parte de sua história como negra descendente de escravos africanos nascidos em país colonizado.
Outra ideia bastante presente em seu trabalho é a de paisagem. Sempre buscando um contato mais profundo com a natureza e meio ambiente, Maia também compreende a importância de aprender com sabedoria inerente aos fenômenos naturais e a outros seres não humanos. É preciso estar atenta e aberta ao aprendizado. A série Dissolutions, presente na coletiva Meu corpo: território de disputa, com curadoria de Galciani Neves, foi criada durante um período nas Ilhas Canárias, Espanha. Nela, a artista coloca o próprio em contato com a terra, plantas e pedras do local com a intenção de se dissolver na paisagem: finca os pés na terra; deita ao lado de um tronco; enraiza. Um diálogo que não almeja palavras, mas que nasce da experiência sensível no desejo de coabitar e cocriar com outros seres e entidades, cuja inteligência e memória estão presentes em sua vibrante materialidade. Atualmente, Rubiane Maia participa de uma residência artística em Londres e prepara uma nova performance para apresentar em Maio. No segundo semestre de 2023 ela deve mostrar seu trabalho novamente no Brasil.