Confira 18 curiosidades, conceitos e obras para você entender a importância de Joseph Beuys

O artista alemão soube fundir a produção artística com a necessidade de agir em direção à urgentes transformações sociais e ambientais

por Beta Germano
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Joseph Beuys por Andy Warhol
Joseph Beuys por Andy Warhol, 1980

Pensar é esculpir. A revolução somos nós. Todo homem é um artista. Estas três famosas frases de Joseph Beuys, que completa seu centenário hoje, resumem bem o que era arte para este que é, sem dúvidas, um dos mais importantes artistas do século 20. Ela deve instigar o pensamento, a transformação e a evolução não só do homem, mas da sociedade e do meio ambiente. Se havia uma urgência de transformações nas décadas de 1960 e 1970, hoje elas tornam-se ainda mais latentes e o artista-ambientalista ganha ainda mais relevância 100 anos depois de seu nascimento.  

Beuys havia criado uma imagem para si mesmo: ele usava um chapéu fedora, botas pesadas e um colete de pesca. O olhar? Sempre profundo, triste e angustiado. O trauma da Segunda Guerra Mundial nunca foi curado e a preocupação com os rumos da sociedade o assombrava. Beuys sugeria uma aproximação do homem com a natureza e apontava para o impacto assombroso da ação humana. Soa atual? Mestre na fusão entre arte, vida e ativismo, ele foi um dos primeiros artistas ambientalistas,  chegando a ser membro do Partido Verde alemão, e organizou debates pela democracia. Confira abaixo 18 ideias, obras e curiosidades e entenda porque Joseph Beuys é um dos mais importantes nomes da História da Arte. 

Joseph Beuys, 1966
Joseph Beuys, 1966

1.Escultura social

Beuys expandiu o campo da escultura ao incluir como “arte” práticas e intervenções que procuram agir em questões sociais e ambientais. Arte pode ser, para ele,  também uma ação, desde que cumpra a função de  sacudir a nossa cabeça, fazer com que a gente pense e, em seguida, se transforme. 

Portanto, a ideia de “escultura social” afirma que uma obra de arte  não precisa ser necessariamente uma peça física, um objeto a ser vendido.  A arte, para ele, precisa ser algo que tem o poder da transformação e, claro, evolução. Trata-se de uma filosofia de que a transformação social poderia ser alcançada se todos aplicassem suas energias criativas para uma mudança positiva nas atividades cooperativas – o maior exemplo desse conceito foi a criação de 7.000 Oaks, em Kassel. ( ver mais abaixo!)

2. Nós somos a revolução 

A escultura social se dirige à afirmação de que todo “ser humano é um escultor, um modelador da realidade em que vive”. Ou seja: todo homem é um artista e, portanto, a revolução está em cada um de nós. O artista acreditava que o ser humano é um ser criativo e que pode ser produtivo de várias maneiras diferentes para construir uma sociedade melhor. 

Antroposofia
Antroposofia

3. Antroposofia

Beuys foi muito influenciado pelo conceito de Antroposofia (do grego: “conhecimento do ser humano”).  Trata-se de  uma ciência espiritual liderada por Rudolf Steiner que coloca o homem como participante efetivo (e responsável) de tudo o que acontece no mundo. Busca um conhecimento exato que pode ser acessado pelo pensamento, desde que ele seja desenvolvido para tal pelo trabalho diário – exercício de concentração, revisão da memória, percepção pura, etc. Para Steiner, a arte deveria ser a primeira coisa ensinada na escola. A educação por meio da arte é transformadora.

Joseph Beuys
Joseph Beuys

4. O acidente

Beuys tinha apenas 12 anos quando o partido nazista assumiu o poder na Alemanha. Como muitos de seus compatriotas, na adolescência ele se tornou membro da Juventude Hitlerista antes que ela se tornasse obrigatória. Ele estava estudando Ciências e começou a fazer serviço militar. 

Dizem que Beuys foi voluntário na Força Aérea Alemã (Luftwaffe) entre 1941 e 1944. Em 16 de março de 1944, seu avião de Beuys foi derrubado na região da Crimeia. Aparentemente ele foi resgatado por nômades tártaros, que o envolveram em gordura animal e feltro para aquecer o seu corpo. No entanto, testemunhas dizem que ele foi resgatado pelo exército alemão.

O artista declara que os tártaros o salvaram, mas estava inconsciente e ele só lembra de algumas imagens e sensações: “A última coisa que lembro é que já era tarde demais para pular, tarde demais para os pára-quedas abrir. (…) Lembro-me de vozes dizendo ‘Voda’ (Água), o feltro das suas tendas, e o cheiro pungente e denso de queijo, gordura e leite. Eles cobriram meu corpo em gordura para ajudar a regenerar o calor, e envolveu-o em feltro como um isolante para manter o calor”.

O Pacote, de 1969, de Joseph Beuys
O Pacote, de 1969, de Joseph Beuys

Ele voltou para casa para seus pais em 1945 e passou quase uma década se recuperando de sua experiência de combate. Refletir sobre seu envolvimento na guerra seria um processo que duraria toda a vida e informaria muito sobre sua prática criativa. A lenda do acidente ( verdadeira ou não) justifica o fato do artista usar com frequência materiais como o feltro e a gordura. Também pode ser o possível motivo ele nunca aparecer sem seu famoso chapéu – dizem que ele ficou com uma grande cicatriz na cabeça! 

Esta história em particular, vale ressaltar, ajudou a transformar sua figura em um mito. É verdade? Faz diferença? O quão importante era a “imagem do artista” para ele? Não há como negar que Beuys construiu uma persona em torno de si muito interessante e isso deu força à sua obra. 

Joseph Beuys
Joseph Beuys

5. Xamanismo

Interessado em ciência desde a infância, ele se esforçou para propor estratégias mágicas de cura com seus vários médiuns, para traduzir a doença em saúde. Ele também era bastante espiritual e simpatizava com o xamanismo, sempre explorando as conexões metafóricas e simbólicas entre natureza e filosofia. O amarelo é a cor do sol e da energia e, por isso, era uma das cores preferidas dele e bastante usada nas obras. Ele também usava muito o azul para representar a espiritualidade. 

Dizem que ele próprio tinha uma presença muito potente, quase como a de um xamã e ele chegava a entrar em transe durante algumas ações.  Em Vitex agnus castus, por exemplo, ele passou horas esfregando a mão em uma pilha de cobre, cera e óleo até entrar em um estado de transe. Falava em entidades e anjos, mas a religião dele era a arte.

Sled, de 1969,  de Joseph Beuys
Sled, de 1969, de Joseph Beuys

6. Arte precisa ser democrática

Beuys produziu mais de 500 múltiplos. A ideia era mesmo de democratização da arte. Ou seja: difundir suas ideias o máximo possível. Se a obra custa pouco, vai alcançar mais gente. Muitas vezes ele fez múltiplos para ajudar: Food for thought, por exemplo, foi feito para a Documenta 6, em 1977, e o objetivo era arrecadar dinheiro para a alimentação dos alunos que estavam lá assistindo palestras. Um de seus múltiplos mais conhecidos desse período é Sled, 1969, que ele chamou de “kit de sobrevivência” e fazia referência direta à sua história de resgate da guerra. O trabalho é composto por um meio de transporte elementar carregando um cobertor de feltro, um pedaço de gordura e uma lanterna. 

Fat Chair, 1964
Fat Chair, 1964

7. Fat Chair, 1964

A gordura sobre a cadeira forma um triângulo, outro símbolo importante na obra dele. Ele usou um triângulo musical na cintura em I Like America and America Likes Me. E também fez uma obra que é um triângulo de graxa na quina da sala. A referência vem das teorias de Rudolf Steiner. Ele dizia que a evolução da humanidade deveria ser baseada pelo movimento progressivo de três estruturas: o Estado, a economia e a vida intelectual. Beuys se apropriou desse conceito e dizia que toda estrutura com três lados representava a “essência do homem”. Para o artista, no entanto, os três elementos eram “pensar, sentir e querer”. Já a cadeira é uma menção às cadeiras representadas por dois outros artistas: Vincent van Gogh e Robert Rauschenberg. 

Como Explicar Quadros a uma Lebre Morta, 1965
Como Explicar Quadros a uma Lebre Morta, 1965

8.Como Explicar Quadros a uma Lebre Morta, 1965

Esta foi sua primeira ação e apresenta fortes simbologias que ilustraram suas ideias sobre a arte na sociedade. Beuys passou três horas com a cabeça coberta de mel e folhas de ouro, sussurrando explicações de desenhos para uma lebre morta aninhada em seus braços. O mel e a cera são elementos recorrentes no seu trabalho, pois sintetizam a ideia de trabalho coletivo das colmeias e, idealmente, da humanidade. Beuys tinha uma fascinação pela fraternidade e formação da sociedade das abelhas! A lebre é sagaz, rápida e muito fértil, um animal sagrado para muitos artistas e culturas.  Já o ouro, para ele, traz uma alusão à alquimia e à transformação.

Evervess, de 1968
Evervess, de 1968

9. Evervess, de 1968

A natureza era o tema mais recorrente. As montanhas, para ele, são lugares sagrados, pois você fica perto das entidades do céu. Ele tem várias obras que falam de montanhas – fez vários desenhos de montanhas e tem um chamado Evervess, de 1968, um múltiplo composto por uma garrafa com água do Everest,  símbolo de pureza, e outra garrafa com feltro cobrindo o rótulo.  Como um bom alemão, ele  era um romântico.

Felt suit, 1970, de Joseph Beuys
Felt suit, 1970, de Joseph Beuys

10. Felt suit, 1970

Beuys produziu uma centena de trajes de feltro – mais uma referência ao lendário acidente, afirmando que eles poderiam ser exibidos de qualquer forma. Beuys dialoga com Duchamp e desafia a divisão tradicional entre belas-artes e objetos cotidianos, reafirmando a ideia de que todo mundo é artista.

A democracia é divertida, 1972, de Joseph Beuys
A democracia é divertida, 1972, de Joseph Beuys

11. A democracia é divertida, 1972 

A partir de 1963, Beuys começa a dar aula na Kunstakademie [Academia de Belas Artes] de Düsseldorf – onde mais tarde estudariam artistas como Gerhard Richter, Sigmar Polke, Anselm Kiefer,  Andreas Gursky, Candida Höfer, Bernd e Hilla Becher, entre muitos outros. Beuys achava que todo mundo deveria ter acesso à educação – especialmente de arte, que é a base para a transformação e evolução do homem. Por isso, era contra o exame seletivo. 

Ele ocupou a faculdade com os alunos durante muitos dias para protestar contra a política da universidade de limitar o acesso aos cursos da Academia de Belas Artes. E, no dia 10 de outubro de 1972, a polícia alemã precisou remover o professor e seus alunos da Kunstakademie. O artista acabou sendo despedido da faculdade. Na foto que retrata o momento em que Beuys e os estudantes deixam a sala da reitoria, desfilando sob os olhares dos policiais, o artista alemão parece tranquilo e satisfeito. Ele sorri. Mais tarde, escreveria à mão na foto, com a sua inconfundível caligrafia: Demokratie ist lustig [A democracia é divertida]. Ele queria chamar atenção para a falta de liberdade de pensamento e expressão numa suposta democracia, chamando atenção para uma questão social.

I Like America and America Likes Me, 1974
I Like America and America Likes Me, 1974

12.I Like America and America Likes Me, 1974

Em I Like America and America Likes Me, o artista voou para Nova York e, quando chegou, foi levado para a Rene Block Gallery de ambulância. Ele estava enrolado em um manto de feltro e passou 8 horas, durante três dias, em uma sala com um coiote selvagem, algumas amoras, um monte de palha e uma vara. No final da ação, o animal que representa a América já estava bastante tolerante e permitiu que o artista o abraçasse. Beuys, então, foi para o aeroporto de ambulância – não queria ver nada da America que não fosse o coiote e a sala da galeria – e voltou para a Europa.

Alguns críticos afirmam que Beuys se apresentou como um líder espiritual, viajando para os Estados Unidos para promulgar uma reconciliação simbólica entre a sociedade americana moderna, a natureza e a cultura indígena americana.

13.Conclamação à Alternativa, em 1978

“A maioria das pessoas se sente entregue, sem proteção alguma, à força das circunstâncias. Esse sentimento as leva à perda de sua interioridade”, escreveu Beuys num texto chamado “Conclamação à Alternativa”, em 1978. Parece que Beuys estava prevendo o que estamos vivendo hoje, apontando para problemas de uma crise generalizada de seu tempo: poucos empregos, uma relação com a natureza que é “marcada pelo transtorno”, ameaça militar e até falta no próprio sentido da vida. No ano seguinte, se tornou um dos membros fundadores do Partido Verde Alemão e sua preocupação pelo meio ambiente atingiria o ápice com 7 mil Carvalhos.  

Bomba de Mel, 1977
Bomba de Mel, 1977

14. Bomba de Mel, 1977 

Mais uma vez ele trouxe o mel a sociedade organizada e solidária das abelhas como referência. Neste trabalho, apresentado pela primeira vez na Documenta, em Kassel, na Alemanha, em 1977, ele bombeava 106 litros de mel por tubos de plástico, que chegavam a uma sala em que Beuys instalou a “Universidade Livre Internacional para Pesquisa Criativa e Interdisciplinar”. A ideia do projeto era tornar permanente os debates que levam à uma sociedade não violenta idealizada por Beuys.

7 mil Carvalhos, 1982
7 mil Carvalhos, 1982

15. 7 mil Carvalhos, 1982

Kassel foi uma das tantas cidades quase totalmente destruídas durante a Segunda Guerra. Além da forte memória dos bombardeios, a cidade não tinha árvores. Foi durante a Documenta 7, em 1982, que o artista fez uma das primeiras e mais famosas obra de arte ecológica: ele plantou sete mil árvores em Kassel, marcadas por placas e pedras de basalto, com a participação do público. O objetivo era promover uma conscientização e mudança ambiental e social, além de mostrar o poder da criatividade e da vontade humana. Ele arborizou uma cidade. Quem quisesse participar, comprava uma certidão por 500 marcos e ganhava uma muda para plantar.

Como parte das comemorações do centenário, o terraço da Tate Modern, em Londres, recebeu neste mês uma floresta de cem carvalhos descendentes dos 7.000 que Joseph Beuys plantou na cidade de Kassel. 

Whisky japonês Nikka
Whisky japonês Nikka

16. Ele fez propaganda de whisky

A vida de artista naquela época não era fácil. Sem o mercado aquecido e os incentivos de hoje, muitos artistas tinham que se virar nos 30 para viabilizar projetos. Com Beuys não foi diferente! Plantar 7 mil carvalhos não era uma tarefa fácil e nem barata. Por transoformar sua ideia em realidade,  ele (que já era famoso) enfrentou uma maratona de palestras e chegou a fazer propaganda do whisky japonês Nikka. Tudo pela arte, certo? 

Terremoto in Palazzo, 1983
Terremoto in Palazzo, 1983

17. Terremoto in Palazzo, 1983

Esta obra foi feita na Itália, depois de um grande terremoto em Campania. A palavra “Palazzo” é usada, na Itália, para falar sobre sede do governo. Ou seja: é um terremoto na cabeça da sociedade. [Nesta ação, Beuys colocou vasos equilibrados entre as paredes e mesas que resistiram ao desastre. Ele “encarnou” um sismógrafo e se escondeu debaixo da mesa, pois é o que as pessoas fazem durante um terremoto. De baixo dos móveis, ele desenhava em um rolo de cardiograma.]. O terremoto é uma metáfora da própria arte, pois ela deve chacoalhar a nossa cabeça. Deve questionar. Só desta maneira que o homem evolui.

Joseph Beuys por Andy Warhol
Joseph Beuys por Andy Warhol
Joseph Beuys e Andy Warhol
Joseph Beuys e Andy Warhol

18. Colaborações com Andy Warhol, 1985 

Em 12 de janeiro de 1985, Joseph Beuys juntamente com Andy Warhol e o artista japonês Kaii Higashiyama participaram do projeto “Global-Art-Fusion“. Tratava-se de um um projeto de Fax-Art, iniciado pelo artista conceitual Ueli Fuchser, no qual um fax foi enviado com desenhos dos três artistas em 32 minutos ao redor do mundo – de Dusseldorf (Alemanha) via Nova York (EUA) para Tóquio (Japão) ), recebido no Palais Liechtenstein Museum of Modern Art de Viena. A ideia desse  fax era criar uma espécie de declaração de paz durante a Guerra Fria na década de 1980. 

O encontro de Beuys com o artista americano também resultou numa série de pinturas do alemão feitas a partir de uma única fotografia Polaroid tirada por Warhol em 1979, quando esses dois gigantes da arte do pós-guerra se encontraram pela primeira vez. Todas as pinturas datam de 1980.

Para saber mais detalhes sobre a programação do centenário, clique aqui.

Global-Art-Fusion
Global-Art-Fusion

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