“A tecnologia tem papel fundamental na preservação do meio ambiente e, consequentemente, é essencial para a nossa sobrevivência, desde a forma e a rapidez como nos comunicamos sobre o assunto até para o desenvolvimento de materiais alternativos. Eu acho, inclusive, que demoramos muito para entender como a tecnologia pode nos ajudar no processo de entendimento e preservação do meio ambiente”, pontua Ana Carolina Ralston, curadora da exposição Arte natureza: ressignificar para viver, que abre na próxima quarta-feira, dia 6 de abril, na SP Arte.
Depois de apresentar a exposição Arte e tecnologia na edição passada da feira, Ralston apresenta um novo olhar para o mundo da arte que à primeira vista é oposto ao tema da natureza, mas ela explica como tudo está conectado. Literalmente, aliás. A base de sua pesquisa parte dos estudos do naturalista e explorador alemão Alexander von Humboldt, conhecido por propor as bases para o monitoramento geomagnético e meteorológico moderno. Humboldt foi o primeiro ocidental a compreender a natureza como uma entidade integrada e a descrever o fenômeno e a causa da mudança climática induzida pela humanidade, entre 1800 e 1831.
“Humboldt apresenta dados como a temperatura, umidade e pressão atmosférica, estabelecendo relações entre a vegetação de diferentes áreas. Esta classificação revolucionou o entendimento da natureza que temos até os dias de hoje, dando-nos a noção atual do que é a ecologia: a ideia da natureza como organismo vivo”, explica Ralston. É a partir dessa ideia de ecologia que a curadora escolheu as obras da mostra.
E foi também um alemão que fez uma das primeiras obras ecológicas da história da arte ocidental: em 1982 quando Joseph Beuys plantou 7 mil carvalhos na pequena Kassel, durante a Documenta 7. Cada árvore foi plantada acompanhada por uma placa e pedras de basalto – tudo com a participação do público. Beuys não poderia faltar, portanto, em Arte natureza: ressignificar para viver: o visitante terá a oportunidade única de conferir uma vitrine com trabalhos do artista da década de 1980.
Digo primeiro da “história da arte ocidental” porque são muitos os povos indígenas que já entendiam a natureza como uma entidade integrada antes de Beuys. Parece coerente e necessário, portanto, incluir trabalhos de artistas indígenas. Não perca de vista, portanto, a pintura inédita de Daiara Tukano e as foto-performances de Uýra Sodoma.
Vale lembrar que foi numa viagem pela América Latina que Humboldt teve a epifania que marcou sua trajetória e o rumo da ciência: ele escalava o Chimborazo, nos Andes, até então tido como o ponto mais alto do mundo, quando percebeu que tudo na natureza está ligado. Não à toa artista chilena Cecilia Vicuña, também de origem indígena, já falava sobre arte e ecologia ainda nos anos 1960, assim como a brasileira Regina Vater – a última também presente na exposição com o trabalho Cargo, onde ela denuncia o tráfico ilegal de animais.
Imperdível também as esculturas de Frans Krajcberg, incansável ativista ecológico que veio para o Brasil fugindo da Segunda Guerra, e de Henrique Oliveira – escultor que ganhou notoriedade por “pintar” com lascas de madeira e criar formas orgânicas que desafiam os espaços expográficos.
Outro destaque são as esculturas de Amelia Toledo, responsável pela criação de uma espécie de “concretismo ecológico” e uma obra inédita e belíssima de Ernesto Neto composta por pedras, esferas de crochê e folhas secas. Ambos os artistas dialogam com a Arte Povera, movimento artístico italiano culminado nos 1960 por um grupo de artistas que desafiavam o mercado de arte e adotavam materiais não-convencionais, orgânicos e, muitas vezes, precários como areia, pedras, jornais, cordas, feltro, terra e trapos – “povera” é uma palavra italiana que significa “pobre” e o uso desses materiais tinha o objetivo de exprimir a poética da efemeridade, materialidade e espontaneidade.
O intuito era, também, “empobrecer” a obra e criticar a decadência da sociedade que se baseia no acúmulo de riquezas materiais. Trata-se, portanto, de uma crítica ao consumismo exagerado e dos processos industriais que marcavam a época – processos esses que têm impactos ecológicos graves e já foram previstos por Humboldt nos anos 1800s.
Para finalizar, Ralston convidou Mariana Palma para montar uma instalação que dialoga com a arquitetura de Niemeyer e o parque do lado de fora do Pavilhão e Paula Costa para apresentar uma obra em formato de folha feita de couro ecológico. Uma exposição urgente, pertinente e bela.