Coletiva na Galeria Nara Roesler nos instiga a mudar de perspectiva para entender o passado e mirar para o futuro

Com curadoria de Raphael Fonseca, “Sobre os ombros de gigantes” apresenta trabalhos de Gustavo Caboco, Victor Galvão, Andréa Hygino, Randolpho Lamonier, Adriano Machado, Virginia de Medeiros,Amador e Jr. Segurança Patrimonial, entre outros

por Beta Germano
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Gustavo Caboco
Gustavo Caboco

No último ano muito mudou e, em meio a tantas transformações e tomadas de consciência, muitos de nós começamos a repensar nossa relação com o tempo, espaço e a memória. Foi o caso também do curador Raphael Fonseca que idealizou a coletiva Sobre os ombros de gigantes, que abre amanhã, dia 27 de fevereiro, na Nara Roesler, em São Paulo, inaugurando o calendário de 2021 da galeria.  

Composta por artistas que não são necessariamente representados pela galeria, Fonseca buscou criativos cuja produção investiga conexões e tensões presentes na ideia de tempo e memória, passando por narrativas ancestrais ou familiares que caminham lado a lado com figuras presentes na elaboração de memórias coletivas.  

Filipe Lippe
Filipe Lippe

A exposição tem como premissa a máxima latina “nanos gigantum humeris insidentes”, que, em tradução para o português, gera a expressão que serve de título para a exposição. A frase, segundo o curador Raphael Fonseca, “aponta para o fato de que, para aprendermos algo no presente, precisamos nos colocar em diálogo com o passado e com os ‘gigantes’ que nos rodeiam.” Esses, por sua vez, são o enorme acervo que constitui nossa memória, ou tradição. Colocando-nos sobre seus ombros, conseguimos ter uma perspectiva ampliada sobre o que ficou para trás e por vir.

Adriano Machado
Adriano Machado

A mostra nos pergunta, portanto,  qual engajamento desejamos ter com nossa própria memória – individual e coletiva – e como queremos construir a lembrança do presente no futuro. Vale lembrar que a memória está diretamente ligada à identidade, pois compreendemos de onde viemos e que somos ao acessá-la. A exposição, nos instiga, assim,  a identificar estratégias que ativamente criam novas perspectivas para o futuro, a partir do passado. 

Confira abaixo alguns destaques da mostra:

Gustavo Caboco
Gustavo Caboco

1.Gustavo Caboco

Um belo exemplo é o trabalho de Gustavo Caboco que pontua, em seu trabalho, o passado ancestral de sua mãe Wapichana, a Lucilene. Aos 12 anos, o artista faz o seu primeiro “retorno” para conhecer os parentes na aldeia Canauanim. Os caminhos e deslocamentos da família, que ele chama de “Pororoca Wapichana”, e o relatos são complexos: Lucilene foi raptada por uma missionária que passou pela aldeia e teve uma infância em trânsito, sendo adotada de casa em casa – onde muitas vezes eram repetidos processos coloniais. “O colonialismo pode acontecer por meio do afeto e isso está marcado de uma forma muito violenta na história dela”, descreve o artista que transformou as lágrimas num grande rio para percorrer com a mãe: com ela, ele cria textos, costuras e desenhos para compreender e expor as sementes plantadas pela família. Adotou o sobrenome “caboco” para reafirmar sua ancestralidade com delicadeza:  “Caboco é um território, uma estratégia de trânsito. E não uma etnia. Adotei esse nome e não simplesmente Wapichana por respeito ao próprio movimento indígena”, explica o artista.

Randolpho Lamonier e Victor Galvão
Randolpho Lamonier e Victor Galvão

2.Randolpho Lamonier  

A pesquisa de Randolpho Lamonier geralmente se usa de elementos tidos como baratos e/ou mesmo reaproveitados como pedaços de tecido e objetos de plástico. Por meio da costura, o artista vai criando “panos” onde oferece ao público narrativas que tanto podem se colocar de forma profética quanto ao futuro, quanto também pensar suas vivências na cidade industrial de Contagem, em Minas Gerais. No filme feito para a mostra, em parceria com Victor Galvão,  ambos se colocam ansiosos perante o futuro e criam uma narrativa majoritariamente feita com animação stop motion. 

André Griffo
André Griffo

3.André Griffo 

A pesquisa de André Griffo é voltada para a pintura e suas relações históricas com a representação da arquitetura. Longe dos grandes discursos panfletários, o artista nos convida a dar atenção aos mínimos detalhes de suas imagens que refletem as muitas violências que dão corpo às narrativas relativas às histórias do Brasil e suas ruínas.

Andréa Hygino
Andréa Hygino

4.Andréa Hygino 

Com uma pesquisa voltada para a gravura, Andréa Hygino realizou uma série de trabalhos que pensam não apenas a sua relação com a educação, mas também a de sua mãe. Ambas são professoras e, durante a sua vida, a artista sempre prestou atenção na mesa e cadeiras usadas pela mãe para dar aulas particulares em casa. Nascem, portanto, trabalhos que encaram suas bases de madeira como matrizes de xilogravura; suas muitas camadas do tempo são transpostas para o papel. Dialogando com essa série de trabalhos, em outra de suas obras a artista transporta a mesa que sua mãe utiliza há décadas para o espaço expositivo – um pequeno monumento à educação, ao ensino e à oralidade das trocas entre professores e alunos.

5.Virginia de Medeiros

Na série Alma de bronze, Virginia de Medeiros prossegue com sua pesquisa baseada na residência, convívio e troca com pessoas de diferentes grupos sociais, desejos existenciais e formas de se manter vivas. A artista residiu na Ocupação Hotel Cambridge e se tornou parte das lutas lideradas por Carmen Silva Ferreira no Movimento dos Sem-Teto do Centro. Próxima das lideranças feministas da Frente de Luta por Moradia, a artista realizou uma série de retratos das mulheres que são moradoras do lendário hotel. O último desses retratos é o mostrado na exposição, onde a grande Carmen protagoniza a imagem com toda sua família ao redor. As expressões das pessoas para a câmera transparecem sua confiança na luta pela moradia e na permanência desse engajamento nas gerações futuras de sua família. 

Amador e Jr Segurança Patrimonial
Amador e Jr Segurança Patrimonial

6. Amador e Jr. Segurança Patrimonial

A performance e sua interseção com a noção de trabalho é o campo central da dupla Amador e Jr. Segurança Patrimonial. Como o público reage ao perceber que os corpos dos seguranças que resguardam a integridade das obras de arte em uma exposição são os corpos dos próprios artistas? Quanto a seus desenhos, eles reúnem tanto o que já foi realizado, quanto aquilo que está por vir – estas imagens se colocam, portanto, entre o arquivo e o desejo.  A dupla parodia os costumes das instituições culturais em ações provocativas para tensionar o jogo entre o que se vê e como se vê. No dia da abertura eles farão uma performance na galeria. Em virtude da pandemia, os agendamentos para a performance estão sendo feitos em nosso site: https://nararoesler.art/agendamento/

Sobre os ombros de gigantes

Data: 27/2 até 10/4

Local: Galeria Nara Roesler

Endereço: Av. Europa, 655, Jardim Europa

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