Cléo Döbberthin estudou arquitetura por dois anos antes de ingressar no curso de Artes Visuais, e essa iniciação contamina sua produção até hoje. Seus trabalhos são incisões e interferências no espaço e nos elementos arquitetônicos que poderiam passar despercebidas, não fossem pelo impacto que têm nos corpos de quem se depara com as obras. E esse é outro elemento interessante na pesquisa de Döbberthin: a relação com o corpo, entre corpos e construção, entre a escala humana e a escala da arquitetura e as contaminações possíveis entre essas dimensões tão distintas quanto complementares, tão reversas quanto dependentes.
Seus trabalhos em geral são criados pensando na situação, contexto e local de instalação, seguindo uma lógica próxima do site-specific. No entanto, as obras também são flexíveis o suficiente para se deslocarem a outros ambientes, uma vez que a linguagem da arquitetura e seus elementos se repetem e se reiteram. Em “Sentido de abertura da porta limitado com concreto” (2016), por exemplo, uma pequena laje de concreto polido montada nas medidas do umbral limita o ângulo de abertura das portas e obriga os passantes a ultrapassar o pequeno degrau que se forma no chão. Já “Cul-de-sac”, do mesmo ano, prolonga a pequena área do capacho, que normalmente se limita à entrada de um lugar, a todo o espaço expositivo, convidando o espectador a percorrer a passarela que continua pelo chão mesmo com a interrupção de uma coluna. A sutil intervenção acaba surpreendendo pelo estranhamento que causa – aquele objeto pertence ao chão e à entrada, mas domina o resto do caminho de maneira inusitada, sem pertencer ou combinar perfeitamente com a posição que ocupa.
Outras obras, porém, exploram de forma mais direta a dimensão performática presente na produção da artista, inclusive com a presença de seu próprio corpo na execução das ações. Em “Três atos”, de 2014, a artista sentou-se a uma mesa branca em uma cadeira escolar da mesma cor, colocando as palmas da mão sobre almofadas encharcadas de tinta preta. Em seguida, esfregava as palmas manchadas sobre uma superfície de concreto, em um movimento de vai-e-vem que gerava muito atrito. A sensibilidade da pele e o incômodo do gesto, quando muito extremos, levavam Döbberthin a voltar a colocar as mãos na tinta para, em seguida, pressioná-las sobre uma folha de papel posicionada em frente ao bloco de concreto. A performance só foi concluída quando, enfim, a dor se tornou insuportável e a artista não conseguia mais continuar o processo.
Cléo Döbberthin (São Paulo – SP,1991) é graduada em Artes Visuais pela FAAP (2015). Participou das 45o e 46o Anuais de Artes da FAAP (2013 e 2014), recebendo em ambas o Primeiro Prêmio. Participou das exposições coletivas: Sala (MAB-Centro), Visite Decorado, Corporação e Elza. Em 2017, realizou sou primeira exposição individual Puxar portas de empurrar com interlocução de Ana Mazzei e Bruno Mendonça.