Depois de quase vinte anos desde a última individual de Anish Kapoor no Brasil, a Casa Bradesco abre suas portas na Cidade Matarazzo, em São Paulo, com a mostra “Inflamação”, reunindo cerca de vinte peças de grande escala do artista. A exposição, idealizada há cinco anos – desde que o curador Marcello Dantas trouxe Kapoor para conhecer o projeto em São Paulo –, ocupa os dois andares do edifício recém-reformado.
O novo centro cultural recebeu o desenho do arquiteto ítalo-francês Rudy Ricciotti, que revestiu parte do espaço interno com madeira de demolição, mas também preservou antigas paredes do Hospital Matarazzo, expondo as “inflamações do tempo” na arquitetura, e criando um diálogo entre a história do prédio e a temática curatorial.
Para Dantas, a inflamação não é apenas uma condição física, mas também um estado social. Esta palavra, que reflete a resposta do corpo à infecção, significa, ao mesmo tempo, a combustão de um levante, o ato de colocar em chamas. Segundo o curador, vivemos em uma era de permanente inflamação e Kapoor traduz essa realidade por meio da arte.
No centro de ambos os andares está “Blinded by Eyes, Butchered by Birth” [Cegos pelos Olhos, Massacrados pelo Nascimento], uma enorme instalação vermelha, que domina os ambientes, bloqueando nossa vista para grande parte das demais obras e moldando nosso percurso pelo espaço. Esse enorme corpo, de fôlego inflado, como se estivesse prestes a estourar e rasgar a arquitetura, é também como um coração da casa. Nas palavras de Kapoor, “vermelho é centro”. Aqui, “centro” não apenas refere-se a literal posição da obra, mas também a carga poética e metafórica desta cor latente, que nos impulsiona e nos paralisa. É a primeira cor que nos envolve no útero. É a cor do sangue que nos faz vivos, bem como da dor, do machucado e da tragédia.
A exposição mexe com nossos sentidos, nos convidando a percebê-la com o corpo. Além dos jogos óticos, característicos da obra de Kapoor, algumas obras como “Wound, Internal Object in Three Parts” [Ferida, Objeto Interno em Três Partes], feitas com camadas de silicone e tinta para remeter à carne e sangue, nos instiga a vontade de tocar ao mesmo tempo que nos repele de aflição diante de tamanha visceralidade.
Em “Turning Water Into Mirror, Blood Into Sky” [Transformando Água em Espelho, Sangue em Céu], uma centrífuga faz de uma água vermelha um espelho idêntico ao das famosas esculturas côncavas em alumínio do artista.
Além da cor abrasada, o preto também é bastante presente entre as obras. Aqui vale destacar as peças, exibidas pela primeira vez no Brasil, feitas com o icônico Vantablack, um material que absorve 99,96% da luz visível e é considerado o mais escuro já criado. “Void” [Vazio], por exemplo, acoplada a um buraco na parede, engana nossos olhos e parece amorfa, transformando-se à medida que andamos em seu entorno.
A escolha de um artista de peso como Anish Kapoor para a inauguração da Casa Bradesco mostra ao que ela veio. Próxima à Avenida Paulista, forte corredor cultural, o espaço promete se estabelecer como importante agente da cena artística.
Serviço:
Anish Kapoor – Inflamação
Local: Casa Bradesco
Período expositivo: Entre 15 de setembro até 15 de janeiro de 2025
Ingresso: R$ 80