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Considerada pioneira no conceito de escultura transitória no Brasil, Brígida Baltar (1959-2022 – Rio de Janeiro) construiu uma poética íntima e sensível, marcada por gestos que transformam o cotidiano em poesia visual, transitando entre diferentes linguagens como vídeo, performance, instalação, escultura e desenho. Sua obra nasce de pequenas ações, inicialmente centradas em sua casa-ateliê em Botafogo, bairro da zona sul do Rio de Janeiro, muitas vezes incorporando a fabulação ao tratar da relação entre o humano, o animal e a natureza.
No final da década de 1980, quando frequentava a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), onde foi aluna e professora, Brígida integrou o Grupo Visorama, ao lado de artistas como Rosângela Rennó e Ricardo Basbaum. Logo recebeu atenção da crítica nacional e internacional ainda no início de sua trajetória, sendo convidada a participar de sua primeira Bienal, a 5ª Bienal de Havana, em 1994.
No decorrer da década de 1990, ela começou a colecionar elementos como a poeira marrom‑avermelhada dos tijolos de barro ou a água das goteiras que escorriam do telhado. Essas coletas, aparentemente banais, se transformaram em metáforas significativas para a artista, que via nelas a possibilidade de articular memórias, afetos e a passagem do tempo.
“Quanto mais o tempo passa, mais somos capazes de fazer escolhas. Eu sinto isso. Existem muitos estímulos no mundo, em toda parte, o tempo todo e parece que cresce cada vez mais o acesso a infinitas possibilidades. Na verdade não dá tempo para tudo. Na vida e na arte.” – Brígida Baltar em entrevista à Marcelo Campos.
Uma de suas primeiras obras emblemáticas, “Abrigo” (1996), marcou sua relação visceral com o espaço doméstico. Nessa ação, Brígida esculpiu a forma do seu corpo nas paredes da casa, criando uma interseção entre o físico e o simbólico, como se o corpo se tornasse parte da estrutura que o acolhe.
Seu trabalho, no entanto, não se restringe ao espaço doméstico. Ao longo dos anos, Brígida expandiu sua prática para o ambiente exterior, em obras como a série “Coletas” (1994-2001), em que se dedicou a capturar orvalho, maresia e neblina. Nessa busca por apreender o intangível, a artista revela uma dimensão poética que escapa ao olhar imediato, uma reflexão sobre o que é efêmero, invisível e, muitas vezes, inalcançável, indo de encontro a uma esfera quase mítica.
Essa relação entre corpo e natureza também se desdobra em suas peças em cerâmica e tecido, como nas séries “Maria Farinha” e “Casa de Abelha”, onde formas de conchas marinhas se mesclam com o corpo humano. Brígida teceu, em cada gesto, uma narrativa em que o humano e o natural coexistem, como se tentasse desfazer as fronteiras entre os dois mundos, criando um espaço de comunhão e interdependência.
Nos últimos anos de vida, a artista voltou-se para o bordado, criando uma conexão íntima entre o trabalho manual e o corpo, especialmente a pele. Essas peças reafirmam seu interesse de transformar a própria experiência em matéria de reflexão filosófica e sensorial, sempre a partir de gestos simples, mas carregados de significados.
Neste contexto, Brígida Baltar nunca se contentou com o óbvio, fazendo questão de enfatizar, de forma excepcional, a beleza que reside nos pequenos gestos, nas sutilezas do cotidiano e na capacidade de enxergar o extraordinário no comum.
Agora, o Museu de Arte do Rio celebra sua vida e obra em “Brígida Baltar: pontuações”, uma das maiores exposições dedicadas à sua trajetória, em cartaz a partir de 20 de setembro. Com curadoria de Marcelo Campos, Amanda Bonan, Jocelino Pessoa, além da equipe do MAR, a mostra reúne cerca de 200 obras entre fotografias, vídeos, instalações, esculturas e textos, incluindo um filme inédito, e reflete uma parte crucial do legado de Brígida: sua habilidade de tornar o efêmero algo tangível.
O título da exposição, “pontuações”, carrega o peso de uma artista que organizava e refletia sobre suas próprias obras de forma precisa, anotando suas preferências e orientações. Cada sala da mostra revela uma faceta de Baltar: na primeira, o foco está nas suas relações com a casa e a família; na segunda, adentramos em seus mundos inventados, onde o corpo se funde com a natureza, onde conchas do mar se tornam parte de nós. Como descreve Marcelo Campos, é como se entrássemos em um livro de fábulas, onde cada elemento escolhido por Brígida – seja poeira, bordado ou vídeo – carrega uma narrativa própria, profundamente ligada a suas experiências e pesquisas.
Reconhecida como uma das principais artistas brasileiras de sua geração, acumulou participação em bienais, tais como a 25ª Bienal de São Paulo (2002), Brasil; a Bienal das Américas (2010), em Denver; e a 17ª Bienal de Cerveira (2013), em Portugal; além de quatro edições da Bienal do Mercosul (2009, 2011, 2015 e 2020). Entre suas individuais mais recentes, destacam-se: “To Make the World a Shelter”, na Galeria Nara Roesler em Nova York (2023), e “Filmes”, no Espaço Cultural BNDES (2019), no Rio de Janeiro. Seu trabalho integra acervos de instituições como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio), o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP) e o Museum of Fine Arts Houston (MFAH).
Serviço:
Brígida Baltar: pontuações
Local: Museu de Arte do Rio
Período expositivo: de 20 de setembro de 2024 a 05 de março de 2025
Ingresso: R$ 10,00 – R$ 20,00