Desde que apareceu com seu marido, o rapper Jay-Z, perto de obras-primas no Louvre e uma pintura raramente vista de Jean-Michel Basquiat, Beyoncé virou alvo dos fãs artsy que esperam ansiosos pelo próximo trabalho para revelar possíveis e potentes diálogos com o mundo das artes plásticas. De lá para cá ela apresentou obras de David Hammons, Richard Prince, Derrick Adams, Conrad Egyir, Robert Pruitt, e até o brasileiro Emanoel Araújo, entre tantos outros, em seus videoclipes.
Depois de causar uma avalanche de demissões e frisson nas redes com a primeira música do novo álbum Renaissance, Break My Soul, Beyoncé revelou hoje a capa do trabalho. A reação já era esperada: os nerds da história da arte de plantão conectaram imediatamente a imagem com uma obra de arte. O alvo desta vez é uma famosa pintura de 1880/98, na qual John Collier retrata Lady Godiva nua sobre um cavalo. A escolha não foi em vão – a aristocrata anglo-saxã ficou célebre por ter cavalgado nua pelas ruas da cidade inglesa de Convêntria no século XI.
Godiva foi esposa de Leofrico, Duque da Mércia e fundador da Ordem de São Bento em Convêntria. De acordo com a lenda, a bela Lady Godiva ficou sensibilizada com a situação do povo de sua cidade, que sofria com os altos impostos estabelecidos por seu marido. Godiva teria apelado tanto que ele concordou em cancelar as cobranças com uma condição: que ela cavalgasse nua pelas ruas de Coventry.
Ela aceitou a proposta, mas mandou que todos os moradores da cidade se fechassem em suas casas até que ela passasse. O objetivo? Manter sua dignidade. Diz a fábula que a única pessoa que ousou olhá-la ficou cega. Depois da “performance” de Godiva , Leofrico retirou os impostos mais altos, mantendo assim sua palavra. A pintura de Collier, artista associado ao movimento pré-rafaelita, está atualmente no Herbert Art Gallery & Museum em Convêntria. A capa, que foi fotografada por Carlijn Jacobs, apresenta uma Beyoncé quase nua em cima de um cavalo prateado.
A própria Beyoncé não mencionou Lady Godiva ou a pintura de Collier quando anunciou a capa do álbum, mas as especulações são inevitáveis. Nesse sentido, é possível pensar que a cantora se coloca no lugar de Godiva para revelar sua predisposição, no lugar de rainha-diva, a fazer qualquer coisa para ajudar quem julga precisar. Outra reflexão possível é que ela se coloca no lugar da “mulher branca que salva o povo” no século XI para demonstrar sua posição de protagonista dessa nova história.
Vale lembrar que a conexão de Beyoncé com a história da arte tem nome e sobrenome: Tina Knowles, mãe da diva, é uma grande colecionadora e sempre incentivou a filha a estudar o assunto. A influência da mãe já aparece em seus trabalhos há cerca de 11 anos. Em 2014 ela lança Mine com muitas referências incluindo Pietà, de Michelangelo, e Os amantes, de Magritte. Quatro anos depois ela faz o lendário clipe de Apeshit no Louvre ao lado de Jay-Z e de inúmeras obras – denunciam o mercado de arte por ser predominantemente branco e masculino. Last but not least, ela lançou, em 2020, o álbum visual Black is king com uma enxurrada de referências artsy. Além de emprestar algumas obras de sua própria coleção para o trabalho, Tina Knowles aparece nos créditos como “curadora de arte” – o que reafirma sua influência no gosto e escolhas da filha.
Mas a influência/inspiração precisa ter limite: Beyoncé foi acusada de plágio duas vezes! Em 2011, quando lançou o clipe de Countdown, a cantora foi processada pela coreógrafa belga Anne Teresa De Keersmaeker por copiar o lendário espetáculo Rosas danst rosas, de 1983; e, em 2016, ela foi acusada por Pipilotti Rist de reproduzir cenas de Ever is over all, de 1997.