Ao criar performances, fotografias, vídeos, obras têxteis e gravuras, o artista sul-africano Athi Patra Ruga explora noções de utopia e distopia de uma África do Sul que ainda sofre as marcas do Apartheid. Pesquisando o corpo da chamada geração born free, ele questiona temas como a sexualidade e AIDS, além de usar a cultura queer para delinear símbolos apropriados da estrutura de poder do apartheid – de gênero e raça binários estritos – e torná-los mais ambíguos.
O uso da moda e da linguagem corporal em relação aos espaços urbanos propicia um choque entre as liberdades legais e individuais, além das normas sociais. Desta forma, Ruga aponta para comportamentos que carecem de senso de “normalidade” ou “bom senso” para questionar parâmetros como gênero, formas de se movimentar, roupas, raça e etnia em uma sociedade heteronormativa. “A resistência é o que valida uma identidade. Tendo crescido gay, negro e não cristão… a resistência da minha identidade é algo que adoro abordar no meu trabalho”, explica o artista em entrevista para o Louisiana Channel.
São obras que buscam por justiça para seus ancestrais e expõem a necessidade de uma transformação radical no futuro, para quebrar a ideologia como a do “arco-íris” – a expressão “Rainbow Nation” foi cunhada pelo arcebispo Desmond Tutu para descrever a África do Sul pós-apartheid, após a primeira eleição totalmente democrática da África do Sul em 1994. O termo pretendia encapsular a unidade do multiculturalismo e a união de pessoas de muitas nações diferentes, em um país antes identificado com a estrita divisão entre brancos e negros. “Nós nos sentimos um pouco traídos, pois crescemos acreditando em uma utopia que se formou em 1994”, continua.
Por isso, o artista explora a “Azânia” – ideia que leva o espectador para a África de 40 AC, antes da colonização. “Durante o Apartheid houve o movimento pan-africanista [ grupo de pessoas a favor da união do continente num corpo só], e usava-se a palavra ‘Azânia’ com frequência como forma de dar forças para as pessoas que estavam protestando se libertarem, e assim poder aproveitar melhor a terra”, explica o artista.
Future White Women of Azania é o início de uma saga/série composta por várias obras – incluindo performance, tapeçaria, escultura, vídeo e fotografia. Trata-se de uma alegoria nacionalista, na qual Ruga usa referências da história pré-xhosa (um grupo étnico Bantu originário da África do Sul ) e pós-apartheid para criar narrativas de uma linhagem de rainhas não-dinásticas que governaram as terras da Azânia. Ao usar as histórias de Azania como estrutura para criticar a África do Sul atual, Ruga revela o silenciamento de vozes negras desde os primeiros momentos do contato colonial, ao mesmo tempo que aborda as ideologias impossíveis e irrealizadas de perdão, reconciliação e redenção praticadas no pós-apartheid sul africano.
Usando referências como Liberty Leading the People, de Eugene Delacroix, ele expõe a ideia de objetificar o corpo da mulher como o conflito, mas em seu próprio trabalho elas aparecem poderosas, porém passivas. “Desenhei o projeto para criar uma nação e para mim a dizimação é algo que acontece no nascimento de qualquer nação. Por isso trago o fogo muitas vezes. É ele que irá expurgar essa nação do que está acontecendo”, explica o artista sobre a procissão que elaborou em 2016 para finalizar os trabalhos referentes à Future White Women of Azania cujo personagem principal é coberto de balões coloridos fazendo referência à nação do arco-íris e uma identidade “preenchida” pelo ar, pelo vazio.
Em The Lands of Azania (2014-2084), o artista desconstrói e retrabalha o mapa da África Oriental: adota novos nomes para vários países, insere a bandeira azaniana e um animal nacional, a zebra dente-de-sabre. “As cores têm diferentes frequências e resulta em diversas reações ou emoções em um trabalho de arte. Talvez elas não queiram estar separadas. Cor, para mim, é para confundir e ganhar acesso. Este país, esta nação tem muitas rachaduras. Quero instigar o questionamento sobre identidade, quero que ideias e medos apareçam”.