O número de feiras de arte no mundo praticamente quintuplicou de 2000 para 2019. Eram cerca de 60 no início do século e foram para quase 300 em 2019, num mundo ainda pré-pandêmico. Se, por um lado, as feiras ajudam a fortalecer o mercado de arte, romper barreiras geográficas, apresentar artistas, introduzir novas galerias e alcançar novos públicos, por outro, demandam altos custos e esforços dos participantes: sejam eles artistas, galerias, colecionadores ou outros interessados.
Não à toa, o termo fairtigue foi criado para indicar a exaustão causada por participar ou expor em tantas feiras.
No início deste ano, uma notícia que gerou discussões nesse sentido foi o anúncio de que a Art Basel (já presente na China, EUA e Suíça) realizará uma nova feira de arte em Paris. Ela deverá ocorrer em outubro no Grand Palais Ephémère, localização temporária do Grand Palais, enquanto o original passa por reformas.
“Nós acreditamos fortemente no dinamismo de Paris e no que está acontecendo no mercado da arte lá”, disse Marc Spiegler, diretor global da Art Basel, em matéria da Bloomberg. O Grand Palais era, no entanto, lar anual da FIAC (Foire Internationale d’Art Contemporain) — no mesmo mês de outubro.
Apesar dos protestos da RX France, empresa que administra a FIAC, o MHC Group AG, dono da Art Basel, comprometeu-se a pagar $12 milhões de dólares para realizar a feira por sete anos.
O Brasil, por sua vez, não acompanhou esse movimento de expansão. E, nesse caso, prezar pela qualidade talvez seja realmente mais vantajoso do que ir em busca de quantidade.
As feiras, por aqui, são as já conhecidas SP-Arte, que ocorre desde 2005 e consolidou-se como a maior da América Latina; a SP-Foto, realizada desde 2007, e a ArtRio, que acontece há 11 anos. Apesar de contemplarem galerias espalhadas pelo território nacional e internacional, ainda ocorrem presencialmente apenas no eixo Rio-SP.
Neste ano, aliás, São Paulo terá alguns reforços. A primeira edição da ArtSampa (organizada pela ArtRio) ocorrerá na próxima semana, de 16 a 20 de março, na OCA, dentro do Parque Ibirapuera. Já a ArPa está prevista para ocorrer em junho no estádio do Pacaembu.
Das 39 galerias de arte nacionais que participam da ArtSampa e das 132, entre nacionais, internacionais e de design, que estarão na SP-Arte (marcada para ocorrer de 6 a 10 de abril), 19 são as mesmas.
Fernanda Resstom, diretora da Central Galeria, foi uma das que optou por participar de ambas — e de todas as outras que serão realizadas neste ano. “Em geral, as pessoas olham muito para as feiras pelo viés comercial, mas elas vão muito além disso. São uma oportunidade de apresentar seu time de artistas e a própria visão da galeria para um novo público — estrangeiro, por exemplo, quando a feira é fora do país. É uma oportunidade também de conhecer pessoas e vice-versa: curadores, pesquisadores, críticos de arte, instituições”, pontua.
Como as feiras não apresentarão exclusivamente as mesmas galerias, Resstom levou em consideração as trocas que teria participando das duas, e a possibilidade de ampliar o grupo de colecionadores. “Além disso, principalmente por conta da situação na Ucrânia, as pessoas estão resilientes em viajar, então preferi investir no mercado nacional”, comenta.
Ela veria mais vantagem, no entanto, se todas as feiras ocorressem na mesma semana. “Assim, torna-se uma data importante e a probabilidade das pessoas quererem viajar para cá é muito maior”, diz, dando como exemplo a Art Basel, na Suíça, que é acompanhada por uma extensa programação paralela que já é obrigatória para quem visita o país. Além disso, destacou a importância de diversificar a programação com nomes internacionais, para que os colecionadores tenham contato para além do que é produzido no Brasil.
A diversificação de feiras, na visão dela, é uma oportunidade de formar novos colecionadores, formação esta que amplia o mercado, em vez de segregá-lo. Segundo ela, as feiras têm um trabalho quase educativo, cujo objetivo é aproximar a sociedade da arte.
Também para Fernanda Feitosa, da SP-Arte e SP-Foto, a decisão de optar por uma ou outra feira já é algo comum para as galerias e não chega a ser prejudicial.
“As galerias já precisam optar pensando em suas estratégias, no mercado que querem atingir, então essas escolhas já fazem parte do dia a dia, principalmente daquelas que almejam um alcance global, tendo que escolher entre os mercados europeu, americano ou asiático, por exemplo”. A principal novidade desse cenário, segundo ela, é pensar se três eventos numa mesma cidade vão surtir os frutos esperados, levando em conta a realidade brasileira. Ela lembra o fato de que as feiras em São Paulo e no Rio trabalham com mais da metade do público vindo da própria cidade, diferente da Art Basel, por exemplo, com maior parte dos visitantes de fora.
Por isso, ela evidencia a importância de criar novos polos de consumo como um componente para manter o mercado saudável e sustentável. “O equilíbrio entre a produção artística e o escoamento dessa produção sempre foi o raciocínio que norteou a SP-Arte. E esse escoamento, junto com a divulgação e promoção da arte, é uma harmonia muito fina, muito tênue. É um equilíbrio entre artistas, galerias, colecionadores e museus muito importante para manter a saúde desse mercado e não esgarçar nenhum desses pilares”.
A SP-Arte realizou uma edição em Brasília em 2014, e outras não se seguiram pela realidade não favorável do Brasil em termos sociais, econômicos e políticos. Mas, Feitosa garante que ainda há um desejo de expansão para fora do sudeste e acredita que exista uma potencial demanda.
Brenda Valansi, da ArtRio e ArtSampa, vê a primeira edição da feira em São Paulo como um pontapé inicial de uma expansão futura. “Nossa ideia é ir para outras cidades, levando o mercado da arte, que eu acredito ser uma ferramenta importante de impulsionamento cultural, para cidades menores com modelos menores”, afirma.
Além das galerias, a ArtSampa contará com 9 instituições, roda de conversas, programação de videoarte e musical fora da OCA. Segundo Brenda, diferentemente da ArtRio, na ArtSampa a ideia é que cada galeria faça uma espécie de curadoria em seu espaço, apresentando apenas um artista ou relacionando os nomes expostos. São privilegiadas as galerias que, muitas vezes, não têm espaços de tanta relevância no mercado de feiras de arte e “agora terão a oportunidade de mostrar suas propostas e seus artistas”.
Para Feitosa, essa expansão — por enquanto concentrada em São Paulo — pode significar também uma recuperação rápida do mercado brasileiro pós-pandemia. “Na SP-Arte, as galerias costumam reportar que 30% dos negócios do ano são realizados na feira”, diz.
Segundo a pesquisa Art Market 2021, realizada pela Art Basel e UBS Global, vendas globais de arte e antiguidade atingiram $ 50.1 bilhões de dólares, 22% abaixo de 2019. As vendas online, no entanto, alcançaram o número recorde de $ 12.4 bilhões de dólares, dobrando o valor do ano anterior e alcançando uma participação também recorde de 25% do valor de mercado.
Em relação às feiras especificamente (foram analisadas 365 espalhadas pelo globo), a pesquisa mostra que 41% dos colecionadores com alto poder aquisitivo fizeram uma compra numa feira de arte em 2020, enquanto 45% compraram por meio de viewing rooms dentro de uma feira de arte. De acordo com a pesquisa, obras com preços visíveis geraram 92% dos pedidos em seus viewing rooms no geral, demonstrando a importância da transparência ao engajar colecionadores.
São tendências (digitalização e apresentação de preços) já seguidas pela SP-Arte, salientando que a constante reinvenção da marca, alinhada as transformações do mercado, é um tópico tão importante quanto a sua expansão.