
Nicholas Steinmetz e a pintura que habita
Nascido em São Paulo e radicado em Curitiba, Nicholas carrega no traço uma bagagem que vem do território gráfico, de quando começou a brincar com narrativas visuais nos quadrinhos e nas publicações independentes — fase que coincidiu com seus estudos em Design. Desde 2016, quando iniciou sua carreira artística, essa época ainda habita suas obras, construídas em camadas de tinta, referências e histórias pessoais que escapam da tela. “A base dos quadrinhos, a ideia de narrativa e composição, são elementos que vão estar comigo sempre”, diz.
O artista desenvolve sua pintura em diálogo com a própria prática, transformando o processo em um território de experimentação. Em vez de definir cada obra de modo planejado, ele busca que as imagens surjam de forma quase instintiva, a partir de fragmentos de livros, da internet e do mundo. Quem já visitou seu ateliê sabe: as paredes estão cheias de recortes, referências visuais e anotações, o que cria uma espécie de colagem expandida que alimenta a própria pintura. Como ele mesmo explica: “Normalmente não planejo a composição das minhas pinturas com algo específico em mente, apenas essa montagem/colagem de figuras que me rodeiam.” É nesse encontro — muitas vezes inesperado — que o trabalho ganha força, permitindo que cores, gestos e atmosferas se contaminem e estabeleçam diálogos entre diferentes obras.

Seus trabalhos orbitam por temas como corpo, gênero, espaço, rituais e memória, incorporando também suas vivências como homem trans, que estão presentes de forma sutil, integradas à multiplicidade de sentidos de sua produção. Não há uma narrativa fechada, mas um emaranhado de figuras humanas, animais, objetos e fragmentos que se acumulam na superfície.
Apesar de morar atualmente em São Paulo, Nicholas desenvolveu grande parte da sua pesquisa em Curitiba, muitas vezes distante do eixo Rio-SP, onde a troca e a visibilidade costumam ser mais intensas. Ele comenta que a movimentação de sair de Curitiba foi essencial, mas que ainda carrega muito do que aprendeu fora do grande circuito.

Em 2024, ocupou 400 metros quadrados do Museu Oscar Niemeyer durante a residência Sala Aberta do MAC Paraná, transformando o espaço em ateliê aberto e exposição ao mesmo tempo. Acostumado a trabalhar em formatos menores, ele aproveitou a oportunidade para experimentar com grandes estruturas, incorporando madeira, técnicas de pintura em camadas e improvisos que desdobram seus estudos de corpos e movimentos. A mostra que encerrou sua ocupação, intitulada Pé de Galinha, faz referência a uma estrutura improvisada de suporte usada em diversos de seus trabalhos. Com ela, as telas bidimensionais ganham volume e se tornam tridimensionais, em que camadas sobrepostas sugerem cenas em construção.

Felipa Queiroz, autora do texto crítico da mostra, observa que o trabalho de Nicholas opera em um “vai e vem entre figura e abstração, madeira e pano, lápis seco e pincel úmido, bidimensionalidade e tridimensionalidade”. Ela comenta também sobre a tensão constante entre forma e matéria — um movimento que, segundo ela, se aproxima de um certo “body-horror” e sugere uma busca por entender a fisicalidade do processo. A figura do “pé de galinha” — utilizado como base para as telas — torna-se corpo e suporte, metáfora de uma pintura que não se pretende imóvel.
Para Joanes Barauna, uma das curadoras da exposição junto a Carolina Loch, Nicholas compõe “um léxico visual próprio, povoado por figuras humanas, animais, seres híbridos, vasos e aves”, onde cria uma espécie de mitologia íntima em constante elaboração. “Não há uma narrativa a ser desvendada”, afirma Joanes, “mas um arranjo sensível de elementos que tensionam a convivência entre o figurativo e o informe, o cotidiano e o imaginado.”


Além de artista, Nicholas é também um dos fundadores do Espaço Totó, junto a Felipa Queiroz e Mariani Pessoa, um espaço independente que funciona como ateliê coletivo e abriga exposições e outros projetos culturais. “Essa ideia de abrir o espaço de ateliê para o expositivo surgiu muito dessa vontade de tirar nosso trabalho do lugar de ‘apenas ateliê’ e colocá-lo num contexto em que a montagem faz parte do processo poético”, comenta.
Com referências que vão do cineasta Peter Greenaway ao filósofo e historiador da arte Georges Didi-Huberman, da artista Ida Applebroog até artistas e repertórios que fazem parte do seu convívio, o artista busca uma prática que também seja processo e experiência. Algo que não se encerra na tela e nem pretende ter fim.
Desde 2022, Nicholas participou de diversas exposições coletivas e realizou quatro individuais, incluindo Pé de Galinha no Museu de Arte Contemporânea do Paraná. Em 2025, ele exibe trabalhos em diferentes contextos: Gruta – Diálogos e Narrativas (São Paulo – SP), com curadoria de Camilla Bologna; Ora – Na Ponta da Língua (São Paulo – SP), sob curadoria de Carollina Carreteiro; e Dispositivos de Contra-Memória (Virtua 3000, Rio de Janeiro – RJ), com curadoria de Marina Leite.
