“Onde está Ana Mendieta?” foi a pergunta que estampou faixas carregadas por pessoas que protestavam, em 1992, em frente ao Guggenheim, em Nova York. O motivo do protesto foi a necessidade de respostas diante da morte trágica e suspeita da artista cubana radicada nos Estados Unidos.
Tudo leva a crer que Ana foi empurrada pelo marido, Carl Andre, de uma janela do 34º andar após uma discussão. Apesar de não haver testemunhas oculares, muitos dizem ter ouvido ela gritar “não” diversas vezes. Sua morte é sempre citada quando entramos em discussões sobre o machismo na arte e sobre a violência doméstica e o feminicídio em meios intelectuais e artísticos.
Ana Mendieta nasceu em Havana, capital de Cuba, em uma família de classe média que era muito visada por ser formada por políticos importantes. Aos 12 anos de idade, ela e sua irmã foram mandadas para os Estados Unidos por seus pais, através de uma operação de ficou conhecida como “Pedro Pan”. A ação consistiu no envio de aproximadamente 14 mil crianças desacompanhadas para as terras norte-americanas, como forma de fazer com que evitassem as conturbações do governo cubano.
Nos EUA, Mendieta estudou na Universidade de Iowa, tendo muito interesse em um cenário de arte contemporânea e de vanguarda. Seu trabalho é composto por performance, escultura, pintura e vídeo. Mas tornou-se mais conhecida pelas obras que realizou em um corpo terrestre, investigando a relação entre a paisagem e a forma feminina.
Esse interesse está muito evidente em seus trabalhos que compõem a série Silueta, que mostra uma questão ritualística da arte e na transformação da terra em um espaço sagrado em fotografias tiradas em paisagens distintas e as quais a artista considerava sagradas, ou que eram realmente sagradas. Por exemplo, primeira obra da série foi feita em uma tumba em Oaxaca, no México, pertencendo à civilização do povo pré-colombiano zapoteca, que resiste até hoje por ali.
Vários trabalhos de Mendieta abordavam a violência produzida pela sociedade conta o corpo da mulher, mas outros se referiram especificamente à violência contra a mulher que tem o homem como agente direto, como Untitled (Rape Performance) e Untitled (Bloody Mattress).
Ambas as obras fizeram um uso muito impactante da imagem do sangue, usando o choque como forma de conscientizar e clamar por ações específicas para combater a violência contra a mulher. Na época, a artista estava muito tocada com a morte da jovem Sara Ann Ottens, encontrada assassinada brutalmente em um dormitório universitário, por sufocamento, com suspeitas de ter sofrido abuso sexual.
Outra obra de Mendieta na qual a ideia do sangue é crucial para apontar as violações, não só físicas, ao corpo feminino é Body Tracks. O vídeo de pouco mais de um minuto alerta sobre a ditadura do patriarcado contra o corpo da mulher, determinada pela objetificação e a sexualização do corpo.
À época, o trabalho de Ana era visto por muitos como “muito radical” ou “de mau gosto” por apontar com grande veemência como a misoginia era agente de uma série de crimes contra mulheres, escancarando tudo de forma explícita.
Se os trabalhos de Ana tivessem sido lidos como deveriam por todos, ao que parece, ela ainda estaria fisicamente aqui. Ouçamos, hoje, Ana e mantenhamos sua memória e obra aqui. Deixemos ela aqui. Ana Mendieta está aqui.