Um rasgo na tela para expor as vísceras da História do Brasil. Adriana Varejão, conhecida por dissecar nosso passado barroco marcado por traumas da colonização, abre hoje a retrospectiva “Suturas, fissuras, ruínas”, na Pinacoteca de São Paulo, reunindo mais de 60 obras, criadas desde 1985 até 2022.
Desafiando a própria pintura como suporte e sua suposta bidimensionalidade, Adriana propõe, por meio de ficções e paródias, embates sobre a complexa construção da identidade brasileira e questiona visões hegemônicas perpetradas pelos mitos da formação da nação, antecipando o atual movimento de revisão histórica e decolonização do pensamento ocidental.
Aqui, tudo já nasce ruína. São as ruínas estéticas e simbólicas da obra de Adriana, então, o fio condutor para a exposição curada por Jochen Volz. Entre os destaques, está a montagem de Azulejos, de 1988, primeiro trabalho em que Varejão usa como referência um painel de azulejaria portuguesa, encontrado no claustro do Convento de São Francisco, em Salvador.
Não deixe de conferir, ainda, “Estudo sobre o Tiradentes de Pedro Américo ( Reflexo de sonhos no sonho de outro espelho)”, composta por 21 pinturas inspiradas pelo “Tiradentes esquartejado” de Américo; e a sala com trabalhos dos anos 1990 nos quais ela dilacera imagens dos artistas viajantes para abrir um canal de discussão sobre o passado.
O visitante terá a oportunidade única de ver 3 grandes “línguas” exibidas lado a lado pela primeira vez (Língua com padrão em X; Língua com padrão de flor; e, Língua com padrão sinuoso), além de novos e gigantescos trabalhos da série A série Ruínas de charque expostos no Octógono.
Também vale “polvo”: ela nasceu depois que a artista passou anos procurando tinta “cor de pele” e só encontrava um tom – o que definitivamente não retrata o povo brasileiro. Adriana buscou, então, uma pesquisa do IBGE de 1976, quando o censo oficial não pediu que os cidadãos apenas escolhessem uma das cinco categorias estipuladas pela pesquisa (branco, negro, vermelho, amarelo e pardo), mas que respondessem à questão em aberto. O resultado foram 136 termos: “burro quando foge”, “queimada de sol”, “café com leite”, morena-bem-chegada. Adriana criou, então, sua própria marca de tintas, com esses nomes e possíveis tons, e passou a fazer uma série de autorretratos encarnando os diferentes tons de pele do brasileiro.