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Acessibilidade para pessoas com deficiência nos museus – Quais os desafios atuais?

Representantes da Pinacoteca de São Paulo, MASP, MAR e Museu Afro Brasil Emanoel Araújo trazem pontos para refletirmos sobre acessibilidade nos equipamentos culturais do Brasil

A gente sabe que as artes visuais, por si só, já enfrentam múltiplas barreiras sociais no âmbito do seu acesso. E quando consideramos também as dificuldades encaradas por pessoas com…

por Giovana Nacca
Escultura tátil do edifício da Pinacoteca Luz. Foto: Christina Rufatto

A gente sabe que as artes visuais, por si só, já enfrentam múltiplas barreiras sociais no âmbito do seu acesso. E quando consideramos também as dificuldades encaradas por pessoas com deficiência, esse cenário se torna ainda mais crítico e complexo. De um lado, temos assistido a alguns primeiros passos significativos na popularização das pautas sobre a luta das pessoas com deficiência, o que tem fomentado um maior reconhecimento e implementação de medidas inclusivas. Do outro lado, a demanda por experiências cada vez mais visuais e “imersivas” nos museus — impulsionada por uma sociedade visualmente hiperestimulada — traz à tona desafios no que tange à acessibilidade.

Conversamos, então, com representantes de grandes museus de arte brasileiros, para lançar luz sobre esse panorama atual e abrir uma de muitas reflexões que precisam ser feitas sobre esse tema ainda pouco visibilizado. Gabriela Aidar, trabalha na Pinacoteca de São Paulo, sendo responsável pelos Programas Educativos Inclusivos; Daniela Rodrigues é Supervisora de Mediação e Programas Públicos do MASP; Zélia Peixoto é Coordenadora de Produção e Programação Cultural do Museu Afro Brasil Emanoel Araujo; e Rita Valentim atua como Educadora de Projetos de Acessibilidade, Diversidade e Inclusão no Museu de Arte do Rio – que amanhã (21) promove o III Fórum de Acessibilidade e Inclusão com entrada gratuita no museu.

O primeiro ponto que precisamos assumir para iniciar essa conversa é que somos uma sociedade cada vez mais “visiocêntrica”. A histórica cultura das imagens evoluiu com as redes sociais que priorizam a comunicação instantânea e o impacto visual, e, consequentemente, influenciou uma demanda por experiências semelhantes em exposições de arte. É sob esse contexto que nascem as ditas “exposições imersivas”. Quando se fala sobre elas, muitas vezes se pressupõe que sejam propostas para serem experimentadas de corpo inteiro – não à toa, é comum lermos adjetivos como “sensorial” associados a esses conteúdos. Mas, na realidade, a maioria delas acaba se limitando a grandes telas digitais, que estimulam apenas a visão, e contam com estruturas inapropriadas para diferentes pessoas e necessidades.

Faz parte de todo e qualquer projeto expográfico, pensar na experiência corpórea do visitante no espaço, mas qual é o corpo em que estamos pensando? “A gente cria um certo padrão de visitante que não é real”, reflete Gabriela Aidar. Um grande impasse, então, se dá na busca por equilibrar as especificidades de diferentes públicos. Rita Valentim cita como exemplo a atual mostra “FUNK: Um grito de ousadia e liberdade” no MAR, que tem uma instalação com uma trilha sonora: “Para pessoas surdas, pode ser bom que este som esteja alto, porque assim ela consegue sentir a vibração ao passar por ali, mas, para pessoas dentro do espectro autista, pode ser ruim, pode gerar um superestímulo”. A educadora explica que é também por esta razão que o horário de atendimento prioritário para pessoas com deficiência intelectual e autistas no museu, previsto na legislação municipal, se faz tão relevante, pois é quando podem fazer alguns ajustes específicos nas obras visando melhorar a visita destes públicos.

Ainda assim, a ideia de se projetar exposições multisensoriais, se pensadas corretamente, têm muito a contribuir, não apenas para pessoas com deficiência, mas para todo mundo. Viabilizar isso implica buscar diminuir ao máximo as hierarquias entre cada um dos cinco sentidos, além de uma compreensão de projeto de acessibilidade de forma interseccional. Isto é, ao invés de primeiro pensarmos em uma exposição e depois adaptá-la, entendendo a acessibilidade como tarefa apenas do setor educativo, por que não pensar desde o início em conjunto com as demais áreas do museu? Como que as equipes de curadoria, de comunicação, de expografia, de restauro – entre tantas outras – podem colaborar com o acesso das programações do museu?

Diante de um mesmo objeto artístico, cada pessoa invariavelmente terá uma vivência completamente diferente da outra. Isso não se deve apenas pelas subjetividades de interpretação e bagagem de repertório de cada um, mas também à uma questão prática: enquanto uma pessoa frui uma obra de arte por meio da visão, a outra vai fruir pelo tato ou audição, por exemplo. E não há problema nenhum nisso, porque se nós compreendermos acessibilidade e inclusão como tradução da experiência de uma pessoa sem deficiência, essas propostas vão sempre ser incompletas e ineficazes. Nesse sentido, Valentim destaca um projeto de “acessibilidade poética” em construção no MAR nas exposições de longa duração. A ideia é criar recursos não apenas descritivos das obras de arte, mas que se fundam com as linguagens artísticas em exibição, o que pode significar, por exemplo, um roteiro de audiodescrição dramatizado.

Aidar comenta sobre alguns conflitos que costuma testemunhar com públicos sem deficiência que não compreendem algumas dessas limitações práticas e se queixam de não poder tocar nas esculturas-táteis em metal da galeria no segundo andar do edifício da Luz. Acontece que ali, por se tratarem de peças originais, o manuseio é restrito – e estimulado por meio de um audioguia – apenas para pessoas com deficiência visual por questões de conservação do objeto.

Vista do MoMA, em Nova York. Via moma.org

É importante ressaltar, que a realidade dos museus brasileiros, mesmo de alguns de grande porte, é marcada pela carência de recursos orçamentários, infraestrutura adequada, formação especializada, bem como de inclusão de pessoas com deficiência no quadro de trabalhadores. “Além da questão financeira, que é um dos maiores entraves, outro grande desafio é a sensibilização das equipes. Muitos profissionais ainda não têm familiaridade com as necessidades específicas de acessibilidade, o que exige treinamento e conscientização”, comenta Zélia Peixoto. Cabe aqui a recomendação do programa de formação Ensino da Arte na Educação Inclusiva, da Pinacoteca, que é ofertado gratuitamente uma vez ao ano no ambiente digital, além de diversos materiais sobre gestão de projetos promovidos pelo Núcleo de Ação Educativa do museu.

Não há lugar onde a acessibilidade universal esteja plenamente resolvida, e esse desafio se estende para além dos muros das instituições culturais. “Do que adianta eu ter, do portão para dentro, um edifício completamente acessível fisicamente, se eu não tenho um entorno que permita que uma pessoa com deficiência consiga chegar até aqui?”, Aidar reflete sobre os limites do seu trabalho como educadora. Mais do que tudo, é preciso entender que a luta anticapacitista é um caminho que nunca vai estar finalizado; e a acessibilidade é um projeto, portanto, é um trabalho de eterna continuidade, que exige comprometimento e novas soluções à medida que a sociedade e as necessidades das pessoas evoluem.

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