Deslocar-se sempre foi um movimento essencial aos artistas – fosse na perspectiva, nos suportes, mas também geograficamente. Esse fenômeno nunca foi tão marcante como hoje: o número de residências artísticas cresceu vertiginosamente na última década, não apenas em países europeus ou nos Estados Unidos, mas também no Brasil. Existem até artistas que chegam a ficar sem residência fixa, “pulando” de residência em residência, em estado nômade permanente. Os programas também vem se diferenciando, buscando locais exóticos ou de grande relevância histórica e política, projetos inovadores e pesquisas ambiciosas.
No entanto, um movimento mais recente e curioso vem se desenhando com a procura de residências não apenas por artistas de fora de uma cidade ou país, mas principalmente por pessoas locais que preferem não ter um ateliê fixo ou que sentem uma impulsão na produção por conta da mudança de ares, de contexto. São Paulo concentra alguns modelos interessantes, como o Pivô Pesquisa, parte do projeto Pivô – espaço independente no centro da cidade, que ocupa uma sobreloja do Copan (edifício projetado por Oscar Niemeyer) não só com ambientes expositivos, mas também com diversas áreas de ateliês rotativos. Os participantes são selecionados por meio de editais, e podem ser nativos, habitantes do lugar e estrangeiros, de idades e momentos de carreira dos mais variados.
Na enorme sala dividida por painéis, os artistas não apenas tem a chance de experimentar esse deslocamento fértil, mas também de conviver com outros criadores, trocar experiências, estabelecer interlocução e até criar coletivamente. Há também um tensionamento e um choque da convivência dos trabalhos, acostumados ao ateliê de sempre ou à casa do artista, que de repente são jogados lado a lado de obras completamente distintas, com processos às vezes opostos, às vezes complementares. É a desestabilização decorrente do distanciamento e da mudança que atrai muitos dos artistas que buscam esses programas, mesmo na própria cidade onde habitam.
Outro projeto na cidade que tem atraído interessados não só de fora de São Paulo é o do Red Bull Station, também no centro histórico – uma plataforma que incentiva a produção contemporânea e dá aos artista respaldo técnico e material para ampliar ou realizar novas pesquisas. São dois tipos, ocupação e residência, que trazem cinco ou seis artistas a cada nova edição, em permanência no espaço por um mês. Um dos diferenciais do Red Bull é que além dos espaços individuais, os artistas têm a possibilidade de usar de estúdios técnicos coletivos, como o ateliê analógico e o ateliê digital (que oferece computadores, impressoras, câmeras, etc).
O centro histórico, inclusive, é a casa de uma das residências mais antigas no país, a Residência Artística FAAP, um ambiente propício à atuação e reflexão sobre práticas artísticas que funciona desde 2005 no Edifício Lutetia, projetado por Ramos de Azevedo (responsável pelo Theatro Municipal) e construído na década de 20, na Praça do Patriarca. A instituição também mantém parcerias com outros programas, incluindo a Cité des Arts. O Lutetia oferece dez estúdios que hospedam os artistas e também abrigam seus ateliês, além de oferecer a chance de estabelecer diálogo com os docentes e alunos dos cursos de artes visuais da FAAP.
Mas para além da capital, novos projetos têm surgido com grande potencial mobilizador. A Kaaysá, localizada na praia de Boiçucanga, é uma residência temporária para aqueles que buscam desenvolver trabalhos em relação com a natureza, integrando a comunidade local à iniciativa. São programas individuais e coletivos que trazem artistas e curadores de qualquer lugar do mundo, mas com a especificidade de também oferecer mediadores aos residentes – uma espécie de acompanhamento de projeto. Outro aspecto importante da Kaaysá é a preocupação com o entorno. Os participantes são convidados a impactar o lugar onde viveram por um mês, realizando oficinas e workshops e propondo mudanças urbanísticas na região.
Pelo mundo, apesar de alguns dos programas mais cobiçados e conhecidos encontrarem-se em Londres (Gasworks) e nos Estados Unidos (Residency Unlimited e ISCP), é palpável a ampliação da rede de residências artísticas. Hoje é possível ir à Coreia do Sul, aos Emirados Árabes Unidos, ao Irã, à Eslovênia, ao Quênia, ao Marrocos e até à Islândia. Cada projeto tem suas especificidades, temporadas de meses ou anos; foco em suportes específicos e até em crítica curadoria; temas impostos ou abordagens livres. No Brasil, os projetos também têm buscado a descentralização para além do sudeste, área que concentra mais da metade das residências de acordo com pesquisa de 2014 financiada pela Funarte. Com presença na Bahia, Goiás, Amazonas e Ceará, entre tantos outros, os programas enfrentam como maior desafio a manutenção do espaço e a captação de recursos para a realização dos projetos. Contudo, editais públicos e as leis de incentivo fiscal têm sido uma alternativa minimamente viável para manter as portas dos ateliês provisórios abertas.
Seja na mata, seja na metrópole, aqui ou no exterior, nem sempre os artistas que buscam esses espaços são já afeitos às temáticas mais evidentes dos lugares. As transformações no trabalho, consequência inevitável da troca de ambiente, são muitas vezes um desejo de desvio no caminho já traçado, outras uma vontade de pesquisar algo específico, uma exceção na carreira. Independentemente da hipótese, artistas do mundo todo têm buscado cada vez mais esse tipo de instabilidade como força motriz de suas produções, nem saindo do próprio bairro ou atravessando oceanos.
Conheça alguns programas de residência no Brasil
Pivô Pesquisa
RedBull Station
FAAP Residência Artística
Kaaysá
Casero
Despina
Sacatar
Terra Una
ALTO
LabVerde
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