Ivan Grilo – Crédito: Zipper Galeria / Divulgação
A Zipper Galeria inaugura no dia 26 de agosto duas exposições individuais com pesquisas que ampliam debates em torno da tecnologia, da interioridade e das formas de existência. Em cheguei, cheguei. lar, lar, lar., Ivan Grilo investiga, com base na meditação Thich Nhat Hanh, o habitar como estado de presença e consciência na atualidade. No andar superior da galeria, Biastiário: matriz das malícias, Fernando Velázquez aprofunda sua pesquisa com inteligência artificial ao integrar novos eixos: o pós-humano, o pós-orgânico e o pós-ecológico. As estreias coincidem com a semana da quarta edição da SP–Arte Rotas, um dos períodos de grande movimentação do circuito cultural da cidade.
cheguei, cheguei. lar, lar, lar. — Ivan Grilo
Ivan Grilo apresenta uma exposição que nasce de um ritmo respiratório. Inspirada em uma meditação de Thich Nhat Hanh, a individual não se trata apenas de moradia, mas de um espaço onde a vida se pacifica, uma geografia íntima onde a respiração se assenta.
No livro Filosofia da Casa, Emanuele Coccia escreve que a casa é o lugar onde o mundo se condensa e se torna íntimo. A busca por desacelerar o ritmo cotidiano, fragilizado por sistemas que demandam resultados imediatos e alienação crescente, se transmite em um conjunto de obras em linho, textos em bronze e imagens que reconstroem o espaço doméstico tradicional. O bronze, material resistente, carrega inscrições que vão de haikais a listas cotidianas, enquanto o linho, delicado e vulnerável, remete à efemeridade da memória.
As fotografias que compõem a exposição revelam uma sequência simbólica de contato, ascensão, transcendência e, finalmente, o lar enquanto espaço sagrado e mental. Uma placa em ouro maciço encerra a experiência, provocando uma reflexão sobre o que garante a permanência das palavras: o suporte material ou a sua significação íntima.
Segundo Natália Lage, autora do texto curatorial: “as demandas por eficiência, utilidade e resultados palpáveis têm nos feito — a todos nós — reféns de um sistema que promete equilíbrio enquanto dissimula não estar em colapso. Para referências que comprovem esse fato, basta olhar para o lado: desigualdades, sobretudo em nosso país; guerras infantis entre gente grande de grandes nações; e projetos bem forjados de obsolescência programada pelas grandes corporações tecnológicas, sustentando um vertiginoso e crescente desperdício de recursos e um consumo excessivo. Isso sem falar na profusão de mecanismos de alienação, que vão dos remédios às redes sociais. Perdeu o ar? Pois bem, o objetivo é mesmo este. cheguei, cheguei. lar, lar, lar. é um convite à respiração, ao fugidio momento presente, tão sucateado pelas pressões externas.”
Biastiário: matriz das malícias — Fernando Velázquez
Na sua quinta individual na Zipper Galeria, Fernando Velázquez aprofunda sua pesquisa com inteligência artificial ao integrar os eixos: o pós-humano, o pós-orgânico e o pós-ecológico. O título funde as palavras bias (viés, em inglês) e bestiário — livros medievais que reuniam imagens de criaturas fantásticas usadas como material pedagógico.
A mostra propõe um futuro em que biosfera e tecnosfera colapsam, e carne, silício e glitch se tornam indistintos. As imagens, geradas por IA, dialogam com a história da arte e sugerem um neoclassicismo reconfigurado, como se fossem vestígios encontrados nas ruínas de uma civilização extinta. Instalada como se fosse uma capela, com imagens cobrindo paredes e teto, a exposição convoca a refletir que novas formas de existência estamos inadvertidamente gerando.
Dois outros núcleos compõem a mostra: três blocos de chumbo com tipos móveis e um vídeo interativo. Os blocos contêm frases e poemas curtos, prolongando uma prática textual recorrente do artista. Dizeres como “Assistido por IA” ou “A obra de arte na era da estocástica algorítmica” ativam ecos benjaminianos sobre técnica e reprodução, enquanto a materialidade do chumbo evoca um passado gráfico que aqui se comporta como dataset ancestral.
O vídeo é composto por mais de mil imagens exibidas em alta velocidade, formando uma névoa perceptiva quase ilegível. Um pedal interativo permite ao visitante interromper esse fluxo e explorar frame a frame, como quem dissipa uma alucinação. A obra traz percepção, tempo e agência, entre o gesto maquínico e o olhar contemplativo.
A exposição condensa vetores centrais da trajetória de Velázquez: técnica como modeladora da subjetividade e da sensibilidade; a aceleração da percepção; a materialidade invisível do digital; as agências compartilhadas entre o humano e a máquina; e o papel da ficção na construção de futuros.
Em meio ao sequestro algorítmico da imaginação, Biastiário: matriz das malícias cria um espaço ambíguo que recusa tanto distopia quanto utopia. Ao friccionar corpo e sistema, sujeito e técnica, reflete, assim, sobre o que restará de humano quando a tecnologia se torne espécie — e nós, apenas sua memória residual.
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