Gamina Suruí e Djikimatara Suruí, Aldeia Nabekodabalakiba, c. 1981. Foto de Borbora Suruí. Acervo Kabena Cinta Larga
Neste sábado (26 de julho), o IMS Paulista abre a mostra Paiter Suruí, Gente de Verdade: um projeto do Coletivo Lakapoy. A exposição apresenta um acervo inédito de fotografias familiares tiradas majoritariamente pelo povo indigena Paiter Suruí, reunidas e digitalizadas pelo Coletivo Lakapoy. Esse acervo inclui cenas e retratos tirados desde a década de 1970, quando as câmeras chegaram ao território pelas mãos de missionários, mas passaram a ser utilizadas pela população local para registrar seu dia a dia. Além do acervo histórico, a exposição apresenta fotos e vídeos atuais, reforçando o papel da fotografia como importante ferramenta de afirmação dos direitos indígenas.
As imagens do acervo histórico estavam armazenadas nas casas das famílias, guardadas em álbuns, caixas e estantes das diferentes aldeias do território indígena, localizado entre os estados de Rondônia e Mato Grosso. Para preservá-las, o Coletivo Lakapoy – grupo formado por comunicadores indígenas, com o apoio de não indígenas, com o objetivo de fortalecer a cultura Paiter Suruí – reuniu, catalogou e digitalizou as fotografias. Em 2021, o projeto foi publicado na revista ZUM e, em 2023, selecionado pela Bolsa ZUM/IMS, de fomento à produção artística. O resultado dessa pesquisa agora se desdobra nesta exposição, que ocupa o 6º andar do IMS Paulista, com entrada gratuita. (Saiba mais sobre o Coletivo Lakapoy no serviço.)
A mostra tem curadoria da líder e ativista Txai Suruí, que integra o Coletivo Lakapoy, da arquiteta, pesquisadora e curadora Lahayda Mamani Poma e de Thyago Nogueira, coordenador da área de Arte Contemporânea do IMS, além de supervisão do cacique-geral Almir Narayamoga Suruí, nome fundamental da história da luta indígena no Brasil. No sábado (26/7), às 11h, os curadores participam de uma conversa com Almir Suruí e Ubiratan Suruí, do Coletivo Lakapoy, no cinema do IMS Paulista. No domingo (27/7), às 15h, um grupo de anciãos do povo Paiter Suruí conduz uma atividade sobre os cantos tradicionais da sua cultura. Os eventos são gratuitos e abertos ao público.
Na exposição, o público encontra reproduções de cerca de 800 fotografias analógicas, da década de 1970 até 2000, que documentam o dia a dia do território, registrando aniversários, casamentos, batizados e competições esportivas, mas também os desafios decorrentes dos contatos com os não indígenas. Este acervo histórico ocupa todas as paredes da exposição, transformando-as em um grande álbum de família, composto de registros informais e pessoais.A mostra apresenta ainda cerca de 20 retratos recentes do povo Paiter Suruí tirados em maioria por Ubiratan Suruí, primeiro fotógrafo profissional do povo e integrante do Coletivo Lakapoy, além de depoimentos e vídeos dos influencers Oyorekoe Luciano Suruí e Samily Paiter. A exposição também apresenta redes, cestos e colares produzidos pelas artesãs do território, valorizando o conhecimento ancestral e artístico das mulheres Paiter Suruí.
Contatados oficialmente pela Funai em 1969, os Paiter Suruí resistiram a invasões, doenças e à omissão governamental até obterem, em 1983, a homologação da Terra Indígena Sete de Setembro, localizada entre os estados de Rondônia e Mato Grosso. Hoje, são aproximadamente 2.000 pessoas, distribuídas em mais de 30 aldeias. Com um modo de vida integrado à floresta amazônica, mas também profundamente transformado desde o contato com a sociedade não indígena, os Paiter Suruí seguem lutando para garantir sua soberania e a integridade de seu território, ameaçado pelo garimpo, pela pecuária e pelo extrativismo predatório. A fotografia e as redes sociais, entre outras ferramentas tecnológicas, foram apropriadas pela juventude como formas de difundir sua cultura, denunciar invasões e fortalecer a resistência.
Txai Suruí comenta a exposição e a importância de preservar essa memória: “A vontade de guardar, registrar e contar a história do povo Paiter Suruí é um sonho que agora se realiza, antes de os últimos anciãos nos deixarem, antes de essa história se ocultar de vez em algum canto esquecido do tempo, na memória dos que viveram essa saga. […] Com as câmeras nas mãos, vemos um olhar diferente daqueles que vieram de fora, podemos notar a espontaneidade e naturalidade de quem tira fotos para um álbum de família. São imagens cheias de amor, carinho e afetividade, mas também de conhecimento, de amor à humanidade e à natureza, de orgulho de pertencer ao povo Paiter Suruí.”
A maioria das pessoas retratadas nas imagens foram identificadas e contatadas, autorizando a reprodução das fotos, num movimento de propor novas lógicas de construir, guardar e expor acervos indígenas, como pontua a curadora Lahayda Mamani Poma: “De modo geral, o contato entre instituições de arte e culturas originárias abre não apenas para conhecimento de novas produções e linguagens artísticas, mas para a reflexão sobre modos de fazer museologia”.
O curador Thyago Nogueira também ressalta que o acervo é um “documento inédito da história Paiter Suruí, muito diferente das imagens oficiais e etnográficas produzidas sobre os povos indígenas brasileiros”. Segundo o curador do IMS, “montar um acervo visual de um povo é uma forma de refazer laços e dinamizar a própria cultura, criando pontes entre as novas e velhas gerações. É também uma forma de mostrar que as fotografias atuam como ferramenta de resistência e afirmação − uma estratégia que pode interessar a outros povos indígenas e grupos minorizados ou excluídos de sua própria história”.
Essa lógica aparece nas legendas da exposição, elaboradas coletivamente pelos Paiter Suruí, com coordenação de Ubiratan Suruí (ver exemplo abaixo). Essa opção reforça o trabalho coletivo, em contraponto à ideia de autoria individual, já que é frequentemente difícil determinar quem bateu cada foto, pois a câmera circulava entre várias mãos. Outro aspecto importante é a presença de intervenções manuais nas fotografias. Rasuras, desenhos e anotações mostram que estas fotografias são fragmentos de memória vivos, e não apenas documentos do passado.
Ubiratan Suruí, integrante do Coletivo Lakapoy, comenta o processo de construção deste acervo: “Essas fotos foram coletadas nas casas de vários Paiter. Quando muitas delas foram feitas, eu era apenas uma criança. Assim, para entender melhor o que estava vendo e o porquê de cada registro, passamos a ir atrás dos personagens ou seus familiares. Às vezes, a fotografia era brincadeira de criança ou até um disparo acidental de alguém que não estava tão acostumado com a câmera. Mas, como a máquina era analógica, com a limitação dos filmes, a maioria dos cliques era de momentos realmente importantes.” Segundo o fotógrafo, o “acervo catalogado já passou das centenas de registros, e cada um deles traz outra centena de narrativas. Quando um álbum novo é encontrado na aldeia, vários parentes se sentam em volta dele para trocar relatos e lembrar do passado.”
Ubiratan é o autor de parte das fotos contemporâneas exibidas na mostra, tiradas a partir de 2024. As imagens mostram o cotidiano atual das aldeias do território Paiter Suruí, marcadas tanto por costumes tradicionais quanto por novas sociabilidades e pelo uso das tecnologias. A exposição traz também vídeos de entrevistas com lideranças e integrantes da comunidade, como Almir Narayamoga Suruí. Nos depoimentos, as pessoas falam da importância do acervo e comentam temas como política, espiritualidade e alimentação.
Outro destaque, feito especialmente para a exposição, é uma projeção audiovisual que documenta o contato de anciãos do território com as imagens históricas do fotógrafo Jesco von Puttkamer. Jesco participou do contato da Funai com os Paiter Suruí na virada dos anos 1960 para os 1970, e, ao longo da vida, reuniu um dos acervos audiovisuais indígenas mais importantes do país, depositado no IGPA da PUC Goiás. A maioria dos Paiter Suruí, no entanto, nunca havia visto as imagens, que retornaram ao território pela primeira vez depois de uma colaboração entre o Coletivo Lakapoy e o IGPA da PUC Goiás.
Em cartaz até 2 de novembro, a exposição apresenta ao público um conjunto inédito de imagens de grande importância histórica e política. Trata-se de um acervo em expansão, que, em 2026, também será exposto no próprio Território Sete de Setembro.
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