A estranheza por trás do hiper-realismo na obra de 5 artistas

Entre máquinas quase humanas e obras realistas demais, o desconforto do “vale da estranheza” também passa pela arte

por Luiza Alves
3 minuto(s)

Já sentiu uma estranha sensação ao ver algo tão humano que chega a ser inquietante? Se sim, você provavelmente experimentou o “vale da estranheza”.

Criado em 1970 pelo cientista, engenheiro e professor de robótica japonês Masahiro Mori, o conceito de Uncanny Valley, ou Vale da Estranheza, explica a sensação de desconforto que surge ao nos depararmos com objetos ou entidades que oscilam entre o humano e o inanimado. Mori observou que, quanto mais algo se assemelha a um ser humano, maior nossa afinidade. Contudo, quando a semelhança se torna quase perfeita, mas não totalmente idêntica, um profundo incômodo emerge.

A palavra “estranho” deriva do latim “extraneus”, que significa “exterior, de fora”, algo que não pertence à família. Esse sentimento foi explorado por Sigmund Freud em seu ensaio de 1919, “O Estranho”. Para o pai da psicanálise, o estranho representa um meio-termo entre a aceitação e a ameaça, muitas vezes ligado a conteúdos reprimidos do inconsciente. É aquilo que transita entre o familiar e o desconhecido, entre o assustador e o acolhedor, provocando repulsa e angústia.

Com o avanço da inteligência artificial e da engenharia robótica, a presença de entidades “quase” humanas no cotidiano se torna cada vez mais comum, levantando debates sobre a própria definição de humanidade. Um exemplo notório é o da robô humanoide Sophia, desenvolvida pela Hanson Robotics. Capaz de 62 expressões faciais e conversas complexas, Sophia tornou-se em 2017 a primeira robô a receber cidadania (da Arábia Saudita).

Nas artes, o hiper-realismo é uma estratégia estética explorada por diversos artistas ao longo da história, especialmente na arte contemporânea. Desde os quadros clássicos europeus, a busca incessante do ser humano em se recriar com a maior fidelidade possível à realidade talvez reflita o desejo inerente de se aproximar da ideia de divindades criadoras.

A seguir, apresentamos 5 artistas que utilizam o hiper-realismo de maneiras distintas, buscando provocar diferentes reflexões por meio de suas obras:

Duane Hanson, “Supermarket Shopper”, 1970

Ron Mueck – Dead Dad (1996): Nesta obra impactante, Mueck apresenta uma escultura em escala reduzida do corpo nu e encolhido de seu pai falecido. O realismo meticuloso dos detalhes anatômicos e a escala diminuta evocam uma sensação de intimidade e vulnerabilidade, confrontando o espectador com a fragilidade da vida e da morte de uma forma profundamente pessoal e, ao mesmo tempo, universal.

Duane Hanson, “Supermarket Shopper”, 1970

Duane Hanson – Supermarket Shopper (1970): Hanson recria uma cena cotidiana com uma figura feminina em tamanho real, vestida com roupas comuns e carregando um carrinho de compras. Feita de fibra de vidro e resina, com cabelos e acessórios reais, a escultura é tão convincente que muitas vezes é confundida com uma pessoa viva. Hanson utiliza o hiper-realismo para comentar sobre o consumismo e a alienação na sociedade moderna.

Aneta Grzeszykowska, Série Mama, 2018

Aneta Grzeszykowska – Série Mama (2018): Nesta série fotográfica e escultórica, Aneta Grzeszykowska explora a complexa relação entre mãe e filha. A artista cria uma escultura hiper-realista em silicone de seu próprio corpo que sua filha, Franciszka, utiliza como uma boneca. As imagens mostram Franciszka interagindo com essa representação da mãe de maneiras diversas – pintando seu rosto, oferecendo-lhe um cigarro ou até mesmo afundando-a na água. Essa dinâmica subverte os papéis tradicionais, levantando questões sobre identidade, representação do corpo e a construção de papéis de gênero.

Esquerda & Direita: Female Figure (2014), de Jordan Wolfson. Foto: Jonathan Smith. Cortesia do artista, David Zwirner, Nova York, e Sadie Coles HQ, Londres © Jordan Wolfson

Jordan Wolfson – Female Figure (2014): Esta obra é uma figura animatrônica hiper-realista de uma mulher loira e de olhos verdes, que se move e interage com o público de maneiras provocativas e frequentemente desconfortáveis. A figura, que pode dançar, falar e até mesmo chocar os espectadores, é equipada com reconhecimento facial e de voz. Wolfson utiliza o hiper-realismo e a interatividade para explorar temas como o voyeurismo, a sexualidade e a misoginia na cultura contemporânea, desafiando os limites da arte e da moralidade.

Patricia Piccinini, Sam Jinks , “The Young Family”, 2002

Patricia Piccinini – The Young Family (2002): Nesta escultura, Piccinini apresenta uma família de criaturas híbridas, semelhantes a porcos humanoides, com uma mãe amamentando seus filhotes. Feitas de silicone, fibra de vidro e cabelo humano, as figuras são grotescas e ao mesmo tempo ternas, convidando o público a reconsiderar suas noções de normalidade, beleza e aceitação, e a refletir sobre as implicações éticas da biotecnologia

Você também pode gostar

© 2024 Artequeacontece Vendas, Divulgação e Eventos Artísticos Ltda.
CNPJ 29.793.747/0001-26 | I.E. 119.097.190.118 | C.C.M. 5.907.185-0

Desenvolvido por heyo.com.br