Vista da exposição “Carmen Herrera: The Paris Years, 1948–1953” na Lisson Gallery – Divulgação Lisson Gallery
De 1948 a 1953, Carmen Herrera viveu em Paris, imersa na efervescente comunidade artística do pós-guerra, ao mesmo tempo em que viajava com frequência para Nova York e Havana. Esse período marcou uma virada decisiva em sua prática: foi quando ela passou de composições biomórficas e gestuais para a abstração geométrica rigorosa que definiria sua trajetória pelos setenta anos seguintes. A nova exposição Carmen Herrera: The Paris Years, 1948–1953, na Lisson New York — a apresentação mais abrangente de sua produção nesse recorte até hoje — revela uma artista jovem em pleno processo de experimentação, absorvendo as influências sísmicas de diversos movimentos artísticos do pós-guerra para desenvolver uma linguagem pictórica singular.
Os anos de Herrera em Paris foram marcados por liberdade criativa e intercâmbio intelectual, especialmente por meio de sua participação em exposições como o Salon des Réalités Nouvelles, ao lado de nomes como Theo van Doesburg, Max Bill e Piet Mondrian, além de jovens ligados aos Los Disidentes (Venezuela), ao Concretismo brasileiro e ao Grupo Madí (Argentina). A cidade a expôs aos principais movimentos modernistas, como a Bauhaus e o Suprematismo russo, que influenciaram profundamente a transição de sua obra para uma linguagem minimalista própria. Durante esse período, Herrera passou a utilizar telas com formatos não convencionais e tornou-se pioneira no uso de acrílicos à base de solvente — um material ainda novo na Europa do pós-guerra. Um marco desse período é Iberic (1949), atualmente a obra mais antiga da coleção permanente do Metropolitan Museum of Art feita com esse tipo de tinta, descoberta revelada por análise científica do museu em 2021.
Entre os destaques da mostra está Way (1950), um dos primeiros exemplos da abstração dicromática e de contornos precisos que se tornaria sua marca registrada. A composição, com quatro triângulos ocres simétricos sobre fundo preto, antecipa obras-primas como Black and White (1952), parte do acervo do MoMA. Outro trabalho importante, Thrust (1950), revela a precisão e tensão espacial de Herrera, com um “dardo” branco cortando um campo azul cobalto. A paleta e o desenho ousado antecipam a direção futura de sua obra, reforçando sua abordagem da pintura como objeto — ideia acentuada pela moldura feita pela própria artista, que impedia que o comprador a substituísse. Essa concepção evolui em obras posteriores, nas quais as composições se expandem pelas bordas, assumindo caráter tridimensional.
A Série Habana marca um momento-chave no desenvolvimento da artista, refletindo sua experimentação com a abstração gestual e o Informalismo durante uma breve estadia em Nova York em 1950, como argumenta Roxane Ilias no ensaio Carmen Herrera and the Paris School. Criadas em resposta às tendências internacionais do Expressionismo Abstrato, essas obras contrastam com a estruturação geométrica dos trabalhos parisienses. Como em Conquete de l’air (1950), a série apresenta pinceladas espontâneas, linhas soltas, formas amorfas e cores vibrantes aplicadas sem esboços preparatórios — característica atípica para Herrera. Com escalas modestas, as pinturas enfatizam superfícies táteis e gráficas, com camadas espessas de tinta. Nomeada a partir de sua primeira individual, realizada no Lyceum and Lawn Tennis Club de Havana (dezembro de 1950 – janeiro de 1951), a série combina gestualidade à maneira de Hans Hartung com elementos da pintura de Jackson Pollock.
A exposição inclui ainda Early Dynasty (1953), a maior pintura desse período, que evidencia a ambição e o amadurecimento de Herrera. Com sobreposição de formas geométricas e cores, a obra remete a elementos de pinturas anteriores, criando uma composição em constante movimento. A forma azul-escura, semelhante a um cogumelo, no canto superior esquerdo, ecoa motivos de trabalhos como Logique Coloree No. 5 (1949) e The King in Jail (1948), também em exibição. Esse hábito de retornar e refinar formas geométricas tornaria-se um traço característico de sua obra, refletindo sua busca obstinada por clareza visual e equilíbrio.
O retorno de Herrera a Nova York em setembro de 1953 foi desafiador: o machismo e o racismo do mundo da arte retardaram seu reconhecimento. No entanto, os avanços radicais de sua fase parisiense estabeleceram as bases para os trabalhos minimalistas e precisos que consolidariam sua carreira. Esta exposição dialoga com o crescente reconhecimento institucional de sua produção nesse período, como sua presença na mostra Women in Abstraction (Centre Pompidou, 2021–22) e em Americans in Paris (Grey Art Museum, 2024). Antecede ainda a grande exposição itinerante Both Sides of the Line: Carmen Herrera and Leon Polk Smith, com curadoria de Dana Miller — que também assinou Carmen Herrera: Lines of Sight, no Whitney Museum em 2016.
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