Na recente mostra “Magic Echoes: Brazil Diasporas’ Vibrant Encounters with Ancestrality” [Ecos Mágicos: Encontros Vibrantes com a Ancestralidade nas Diásporas Brasileiras], apresentada pela galeria M+B em Los Angeles, a proposta curatorial investiga a relação entre diáspora, memória e identidade na pintura contemporânea por meio de obras de Amadeo Luciano Lorenzato, Arorá, Chen Kong Fang, Chico da Silva, Gustavo Caboco, Hiram Latorre, Lia D Castro, Lu Ferreira, Lucas Almeida, Luciano Maia, Mateus Moreira, e Thiago Molon.
A identidade brasileira se forma a partir do choque e da fusão de diferentes culturas, povos e memórias. No entanto, narrativas predominantes muitas vezes tentam reduzir essa diversidade a uma ideia homogênea de brasilidade, ignorando as violências que marcaram esse processo. A colonização não só deslocou corpos, mas também tentou dissolver vínculos, interditar memórias e desarticular sistemas inteiros de pertencimento, impondo uma identidade forjada sob dominação. No entanto, as tentativas de apagamento jamais se consumaram por completo. Povos indígenas e africanos – e, mais tarde, seus descendentes – encontraram na transmissão oral, nos ritos, nas imagens e nos gestos cotidianos modos de sustentar e reinventar suas conexões com a ancestralidade. Entre interditos e silenciamentos, persistiram práticas e cosmologias que sobreviveram ao assombro da violência colonial, e também se transformaram, se fundiram e ressoaram em novos contextos.
A pintura contemporânea brasileira se insere nesse contexto como um lugar de disputa entre história e imaginação. Se, como sugere o filósofo Jacques Rancière, a arte é o campo onde se renegocia o passado e as promessas de emancipação, então é na materialidade das imagens que esse embate se dá. Por meio de composições assimétricas, tensões cromáticas e vazios que se salientam, essas produções revisitam o passado propondo novas formas de senti-lo e compreendê-lo. A ancestralidade, longe de ser um resgate fixo e definitivo, surge como um processo em mutação ininterrupta.
Os artistas reunidos na exposição abordam essa questão por meio de diferentes estratégias pictóricas. O quarteto formado por Chen Kong Fang e Amadeo Lorenzato – ligados às vanguardas modernistas – e Lia D Castro e Hiram Latorre – que tensionam essas heranças – olham para a interioridade e o silêncio como um espaço meditativo onde o encontro entre diáspora e ancestralidade não se dá como um embate direto, mas como uma ressonância sutil entre tempo e matéria. Suas obras buscam trazer a presença do vazio como um campo de investigação para os significados de pertencimento e identidade.
Em paralelo, Thiago Molon, Gustavo Caboco, Chico da Silva e Lu Ferreira expandem a noção de ancestralidade a partir da fragmentação e da abstração. Suas pinturas desestabilizam qualquer possibilidade de um retorno linear às origens, reinventando sensibilidades que consolidam os encontros entre diásporas, e também os tornam dinâmicos, fluidos e múltiplos. A textura ruidosa de Molon, a força cromática de Caboco e da Silva e a fragmentação emocional em Ferreira apresentam diferentes maneiras de lidar com os legados da diáspora, afastando-se da tentativa de fixar um significado único para a ancestralidade.
Já Mateus Moreira, Lucas Almeida e Luciano Maia lidam com um repertório imagético ligado à subjetividade e à combinação de referências. O mito, o material e a melancolia se tornam ferramentas para investigar interioridades que, ao invés de buscar definições concretas para o eu, propõem espaços onde a memória e o imaginário coexistem sem se sobrepor. Suas obras sugerem que a identidade diaspórica não é apenas um território de perda, mas também um lugar de construção ativa, onde se reconfiguram pertencimentos e se criam novas possibilidades simbólicas.
No horizonte dessas discussões, a lua aparece como metáfora para os deslocamentos da diáspora. Em muitas culturas, ela serviu como guia de rotas migratórias, orientando povos que atravessavam oceanos, fugiam ou buscavam novos territórios. Na exposição, sua presença – direta ou indireta – se relaciona com o reencontro de uma ancestralidade que não precisa ser aprisionada pelo trauma, mas que pode ser ressignificada em sua própria lógica de passagem e transformação. Como um espelho que reflete luz sem nunca ser totalmente iluminado, a lua simboliza o desejo de compreensão que percorre gerações sem nunca se fixar em um único ponto. A identidade, assim como a diáspora, não é um destino, mas um caminho em contínua reformulação.