Interessados na ponte entre arte, design e arquitetura, a Aberto organiza exposições de artes visuais que ocupam casas históricas de arquitetos emblemáticos, como Oscar Niemeyer e Villanova Artigas.
O projeto teve início em 2022, quando Filipe Assis, fundador da Aberto, foi apresentado ao proprietário da única casa remanescente de Oscar Niemeyer em São Paulo. Esse espaço recebeu a primeira edição do projeto, uma exposição de desenhos inéditos do arquiteto. O sucesso foi imediato: os ingressos esgotaram, e a mostra foi eleita a melhor do ano pela Folha de S.Paulo e pelo Estado de S. Paulo.
Sobre a rápida consolidação da iniciativa, Filipe contou em entrevista: “Uma coisa foi puxando a outra. A Luisa [Strina] e o Paulo [Kruszynski] emprestaram obras excepcionais, o que acabou atraindo outras galerias. (…) Todo mundo foi comprando essa ideia”.
A segunda edição ocupou a residência projetada por Vilanova Artigas em 1974, no Alto da Boa Vista, em São Paulo. A casa, um exemplo marcante da visão do arquiteto sobre a integração entre espaço, luz e funcionalidade, foi transformada em um espaço expositivo que reuniu obras de mais de 70 artistas e designers.
Já em 2024, o projeto se expandiu, organizando a Aberto 3 entre exposições simultâneas nas residências de duas arquitetas e designers fundamentais para a arte brasileira: Tomie Ohtake, referência da arte abstrata no país, e Chu Ming Silveira, inventora do icônico orelhão público. Entre os artistas presentes estavam Anish Kapoor, Adriana Varejão, Tunga, Luiz Zerbini e Solange Pessoa.
Com esse histórico, podemos afirmar que a Aberto4, primeira a homenagear artistas brasileiros fora do país, promete ser um marco.
Aberto4 na Maison La Roche
Entre 12 de maio e 8 de junho de 2025, a quarta edição da Aberto ocupará a Maison La Roche, em Paris, uma das residências projetadas por Le Corbusier – fundamental para o modernismo e que teve grande impacto no Brasil – e seu primo, Pierre Jeanneret, entre 1923 e 1925. Considerado um dos marcos do estilo purista na arquitetura moderna, o edifício faz parte do conjunto de obras do arquiteto reconhecidas como Patrimônio Mundial da UNESCO.
“Todos os caminhos foram nos levando para lá”, afirma Filipe Assis.
A curadoria desta edição reúne Filipe Assis, Lauro Cavalcante, Claudia Moreira Salles e Kiki Mazzucchelli, que selecionaram trabalhos de grandes artistas brasileiros, como Lygia Clark, Amilcar de Castro, Beatriz Milhazes e Sonia Gomes, além de esculturas e pinturas do próprio Le Corbusier. A mostra inclui documentos inéditos, maquetes e obras que destacam as conexões entre o arquiteto e o Brasil, como as cartas trocadas com Lúcio Costa.
Segundo Filipe Assis, “essa [edição] é bem mais representativa se comparada com as outras, então a gente vai mostrar as correspondências que ele teve com Lúcio Costa, vamos apresentar a carta de despedida que ele deixou para o Brasil nos anos 1960, porque foram cinco décadas de interação, desde os anos 1920, quando veio para cá após uma viagem a Buenos Aires de zepelim, até sua visita a Brasília para conhecê-la. (…) Então, vamos incluir essa parte histórica, pedimos a confecção de maquetes que ilustram os diferentes projetos que ele desenvolveu e, ao longo de toda a exposição, vamos destacar também Le Corbusier como artista. A maioria das pessoas o conhece como arquiteto, mas ele tinha um lado artístico muito forte. Ele inclusive dividia seu tempo igualmente entre as duas práticas e dizia que ‘antes do Le Corbusier arquiteto, Le Corbusier era artista’.”
Le Corbusier e o Brasil
A relação de Le Corbusier com o Brasil foi marcada por trocas entre arquitetos e artistas ao longo de 50 décadas de idas e vindas. Sua primeira visita ao país foi em 1929, quando ministrou palestras no Rio de Janeiro e em São Paulo, apresentando suas ideias inovadoras sobre urbanismo e arquitetura moderna. Essa viagem foi crucial para a disseminação de seus conceitos, especialmente entre os jovens arquitetos brasileiros que buscavam romper com o academicismo dominante.
Ele só retornou ao Brasil quase uma década depois, convidado como consultor no projeto do Ministério da Educação e Saúde Pública, atual Palácio Capanema, no Rio de Janeiro. Esse edifício tornou-se um ícone da arquitetura moderna, integrando os princípios de Le Corbusier com elementos tropicais e soluções adaptadas ao clima e à cultura local. O projeto contou com a colaboração de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, entre outros, além de incluir painéis de Cândido Portinari e jardins de Burle Marx, reforçando a relação entre arquitetura, arte e paisagem que se desenvolvia por aqui.
O impacto de suas ideias influenciou a primeira geração de arquitetos e artistas modernos, estimulando novas abordagens em diálogo com o ambiente e a sociedade brasileira da época. Além disso, contribuiu para o movimento de reflexão sobre a arte como experiência sensorial e espacial. Esse debate se manifesta, por exemplo, na obra de Lygia Clark, que buscou uma arte interativa, reconfigurando a relação entre corpo, espaço e objeto artístico.
A produção artística de Le Corbusier
Além da arquitetura, Le Corbusier desenvolveu uma produção artística significativa. Sua primeira pintura data de 1918 e estará presente na Aberto4. No ano seguinte, ainda assinando como Charles Jeanneret, ele fundou o movimento purista ao lado do pintor Amédée Ozenfant.
Em 1936, sua arte já havia se afastado do purismo, que privilegiava naturezas-mortas e formas geométricas, passando a incorporar figuras femininas e representações de touros, se aproximando do Surrealismo. Um exemplo disso é “Duas Musicistas”, obra iniciada no Rio de Janeiro em 1936 e finalizada no ano seguinte, em Paris. Durante sua estadia no Brasil, o franco-suíço frequentou a noite carioca ao lado de jovens arquitetos, experiência que muito lhe agradou e, certamente, o inspirou plasticamente.
A exposição também apresenta um desenho do Rio de Janeiro, revelador de sua admiração pela paisagem natural da cidade. Sensibilizado pelo contraste entre o verde das montanhas e o azul do mar, o arquiteto chegou a esboçar uma proposta urbanística para a cidade, na qual grandes edifícios curvos, ao pé das montanhas, organizariam a circulação e as moradias da população na Cidade Maravilhosa.
Em São Paulo, seus estudos incluíram a sugestão de dois eixos monumentais e cartesianos, cujo detalhamento dependeria de uma análise aprofundada dos fluxos urbanos. Propostas semelhantes foram desenvolvidas para Buenos Aires, Montevidéu e Caracas, demonstrando sua visão sobre o planejamento das metrópoles latino-americanas.
Serviço:
Aberto4
Local: Maison La Roche
Período expositivo: de 12 de maio a 08 de junho de 2025