Você já parou para pensar como a arte entrou em sua vida e quais foram os caminhos percorridos até então?
Adalgisa Campos é a Artista Aposta do AQA no mês de outubro de 2024. Esta é uma seção de artigos que tem como objetivo atrair o olhar de galeristas e colecionadores, traçando o perfil de artistas em ascensão no circuito de arte contemporânea que, apesar da potência e consistência de suas produções, ainda não possuem representação comercial em galerias.
A artista visual Adalgisa Campos é paulistana, nascida na década de 1970, possui mais de vinte anos de carreira, e já participou de exposições, performances e residências no Brasil, França, Alemanha e Canadá. Por meio das suas produções artísticas corporificadas se propõe a redefinir o espaço e com isso conquista o nosso olhar.
Em sua trajetória profissional, as experiências artísticas que intercruzam os caminhos percorridos pela arquitetura, a docência em artes visuais e performances, refletem o seu caminhar sobre o mundo e coloca seu corpo para medição quando deseja transformar medidas em arte. Para a artista, tudo começa pelo desenho e esta é sua linguagem, sua comunicação: “A arte entrou na minha vida pelo desenho. Eu sempre desenhei. Eu sou uma artista que desenha e considero, a partir do meu pensamento, que o desenho é da ordem do humano, e não só de artistas ou desenhistas”.
Seus desenhos sobre papel, desenhos digitais, animações, vídeos, performances ou instalações, podem ser traduzidos em desenhos-acontecimentos (quando o aspecto performático predomina) ou desenhos-modelo (quando corresponde ao arranjo das coisas do mundo, ou de modo que identifiquem, isolem ou determinem um aspecto da realidade).
Embora Adalgisa tenha experienciado pouco tempo na presença da sua avó, as grafias-desenhos e pinturas produzidas por sua matriarca em seu ateliê um pouco antes de falecer e a promessa de ensinar a arte do desenho a sua neta reverberam na cabeça da artista. Assim, em sua adolescência, a filha de uma mãe advogada e um pai professor de matemática, busca o desenho como ferramenta artística e de reflexão.
Aulas de desenho e observação – o início da prática
Seu caminhar inclui formação acadêmica por meio de aulas de desenho e observação com Cássio Michalany, o renomado desenhista, arquiteto e educador, além de Carlos Farjado, artista e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Sobre o início de sua formação acadêmica, Adalgisa ressalta: “Cheguei com doze anos no MAM para ter aulas de desenho e observação com o Cássio e eu era a única criança. Minha memória dessas aulas é olhando para cima porque era todo mundo maior que eu”.
Após uma jornada pelo desenho artístico, Adalgisa ingressou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP). Sobre essa escolha ela destaca: “Prestei arquitetura porque para minha família, naquela época, era mais palatável que eu fosse arquiteta do que artista. Eles tinham a ideia de que artista não era uma profissão”.
Fazer arquitetura, para Adalgisa, significa o encontro entre seus desenhos artísticos e o ferramental dos desenhos técnicos. Embora os desenhos e as pinturas apresentem uma disposição bidimensional, a arquitetura, ao nos proporcionar noções da construção do espaço em que vivemos, carrega uma predominância da tridimensionalidade.
As criações de Adalgisa também unem o bidimensional e tridimensional, o estético e o útil, e interpelam a espacialidade e profundidade das coisas e objetos, tomando seu corpo como referencial dimensional. Mas será que em suas produções é a ideia de arquitetura que envolve os desenhos? Ou seus desenhos que envolvem a arquitetura?
“Eu me proponho a ser uma artista do desenho. No meu entendimento, no âmbito do meu trabalho, ser desenho não depende de ser feito com lápis ou papel. Desenho é um pensamento gráfico. Interessa-me essa relação do pensamento gráfico que não passa pela ilusão da presença do objeto representado, mas sim pelas relações gráficas que são relações abstratas de representação do mundo.”
Medidas autorais que subvertem a ordem e proporcionalidades
Com seus desenhos em uma escala real a partir do seu próprio corpo (feminilizado, branco, cis), e não em escala reduzida como de costume na arquitetura, Adalgisa Campos subverte a lógica tradicional que se baseia em relações perfeitas de proporcionalidade sempre tomando corpo masculino como referência.
A escala é a relação entre as medidas e nos ajuda a compreender os mapas e entender as diferenças entre os territórios representados. Por isso, desenhar em uma escala real sem que seja ilusionista e tomar o seu corpo feminino como referência, sem dúvidas, suscita questões no público acerca do feminismo, em especial a terceira onda, que acredita que a igualdade de gênero ainda não foi alcançada.
Talvez por isso Adalgisa utilize em seus desenhos artísticos a “materialização em escala 1:1”, pois oferecer desenhos que apresentam as medidas entre seu corpo – o território representado – e o meio no qual ele está sendo apresentado e/ou disposto, a partir das suas memórias, vivências e experiências, ela questiona os moldes das condições políticas, econômicas e culturais nas quais as mulheres vivem atualmente na sociedade. Sobre isso a artista reflete: “As minhas intenções passam por pensar o que acontece com meu corpo face a uma calçada, por exemplo?. O que está me importando é o fato de medir, e não a medida em si. E você perceber a ação do artista em uma obra, é muito poderoso”. E é essa relação entre as medidas, muitas vezes que partem do real, o nosso corpo, para abraçar o intangível e até hipotético, que está presente nas obras e performances da artista.
Para além da coleção Medições – desenhos de estruturas e práticas fronteiriças
A “Coleção de Medições”, criada por Adalgisa, abarca obras que foram produzidas desde 1998 até o momento atual. A artista afirma que suas produções artísticas não devem ser separadas por fases, ou simplesmente segmentadas, pois todas as etapas entrelaçam-se e dialogam entre si.
“Não dá para chamar de fases, pois vejo tudo andando junto. As coisas andam juntas. Quando eu trabalho no ateliê, estou tentando de algum modo relacionar as coisas que eu já fiz com o que estou fazendo agora, entendendo as relações e os descompassos”.
Os desenhos estruturais, com obras produzidas nos anos 2000, trazem fragmentos de representação do corpo, de objetos, da natureza e da animação digital.
Suas práticas fronteiriças – atividades e experimentações de desenhos instrucionais a partir de práticas com o coletivo – compreendem composições performáticas, trabalhos gráficos e textos, desenvolvidos desde 2018.
Recentemente, a artista lançou o livro “algumas experiências em desenho” – composto por 81 provocações de desenho elaboradas ao longo de 4 anos de aulas dirigidas a um grupo de pessoas espalhadas por 6 cidades em 3 continentes. “Um livro sobre desenhar. Uma reflexão sobre arte. Uma provocação à prática”.
Adalgisa Campos com sua potência criativa reafirma seu lugar enquanto artista que desenha, desafiando convenções e subvertendo padrões estabelecidos, tanto na arte quanto na arquitetura. Em suas inspirações artísticas, Adalgisa celebra Lygia Clark (1920 – 1988) por lhe ensinar maneiras para acolher o desconhecido.
Em seu pensamento gráfico, que integra o corpo feminino e suas proporções como um território de questionamentos, ela coloca suas produções em diálogo direto com questões contemporâneas de gênero e representação. Suas experiências pessoais e profissionais se entrelaçam e abrem novas possibilidades de interpretação e provocações por meio do desenho.
“A característica do meu trabalho não é de uma homogeneidade formal, pelo contrário, eu abraço e acolho a heterogeneidade formal como algo que me interessa”.
Atualmente Adalgisa Campos está participando da exposição coletiva, “O Traçado do Arremesso”, na Lança Galeria, em São Paulo e permanecerá em cartaz até dezembro de 2024.
Conheça abaixo mais produções da artista: