Marcelo Moscheta é um artista caminhante. A caminhada é performativa e investigativa e permite novas leituras sobre o que é espaço e lugar a partir de “torções” conceituais. O artista que incorpora o ato de caminhar em sua prática sempre esteve presente na costura da história da arte. Artistas como Richard Long, Hamish Fulton e Francis Alÿs criaram obras que transformaram paisagens (urbanas ou naturais) ou a maneira de observá-las a partir de suas caminhadas.
Ao longo de sua carreira, Moscheta realizou expedições pelos mais diversos lugares do globo, incluído o Ártico, o Atacama e a Bretanha. Suas obras se relacionam com a tradição conceitualista do caminhar das mais diversas formas, da intervenção em paisagens a transposição da experiência de estar nos lugares por meio de obras ligadas a documentação. Morando em Portugal desde 2021 para o desenvolvimento de sua pesquisa de doutorado, Moscheta estabeleceu mais uma forma de deslocamento baseada no constante estado de trânsito do imigrante, sendo lembrado constantemente de que não pertence àquele lugar. Esse conjunto de vivências e experimentações informa uma série de novos trabalhos na sua nova exposição na Vermelho. Intitulada Errante, a mostra lida com deslocamentos espaciais, temporais e burocráticos.
Em Portugal, Moscheta teve contato com alguns dos monumentos megalíticos mais antigos da Europa. Interessado por rochas enquanto representações poéticas de uma história permanente, Moscheta rebateu a experiência de presenciar um desses monumentos, o Dólmen da Arca, localizado no município de Viseu, através da instalação 1:1 (Dólmen), que ocupa a sala principal da exposição. Os dólmens são estruturas compostas por grandes que eram usadas como sepulcro. Por se conformarem como uma espécie de abrigo, suas estruturas preveem o corpo enquanto escala. A instalação, feita a partir de uma frottage (ou decalque) do Dólmen, planifica o monumento permitindo que o público se desloque por seu referente. Assim, Moscheta aproxima a sua pele inserida nessa paisagem da “pele” da pedra. A obra se da como ícone e índice, como mapa e pegada.
Em suas caminhadas, Moscheta coleciona rochas, fósseis, documentos e uma miríade de elementos. É parte desse material que forma a série Autopoiesis(2024) onde elementos de diferentes expedições são articulados em procedimentos característicos do conceitualismo, como a intervenção e combinação de elementos, a articulação de textos enquanto imagem, o uso da documentação e a contextualização de componentes. Na biologia e na filosofia, o termo Autopoiesis descreve sistemas que são capazes de se criar e se manter a partir de si mesmos.
Em Substância (2024), Moscheta insere uma rocha de sal em uma fotografia feita em uma de suas expedições a uma caverna de sal na Colômbia. A obra, ao mesmo tempo, documenta e transporta seu estar na caverna.
Na série Parábola (2024), Moscheta propõe outro deslocamento temporal a partir de uma fotografia feita por seu pai durante uma coleta no Horto Florestal de Maringá (São Paulo) em 1981. Botânico de profissão, seu pai registrou o filho de um colega brincando com uma vara de doda, uma ferramenta tradicionalmente usada na agricultura, especialmente no Brasil, para sacudir ou bater em árvores frutíferas a fim de derrubar os frutos. Moscheta elabora o momento de aprendizado lúdico registrado na fotografia para elaborar composições onde ensinamento e liberdade se aproximam.
Questões sobre a natureza do tempo também pautam Deposição (2024). A série de pinturas de Moscheta é feita a partir da sedimentação de calcário proveniente de cocolitos. Essas massas de carbonato de cálcio são produzidas por algas como uma forma de proteção. Quando a alga morre, os cocolitos são liberados no ambiente marinho.
Moscheta produz aguadas com o pó de calcário dos cocolitos para pintar superfícies preparadas com gesso acrílico. A imagem das pinturas se assemelha a ossadas turvas, propondo um caminho múltiplo entre matérias. As pinturas são organizadas em um dispositivo que lembra exposições de artefatos. O jogo temporal e material de Deposição levanta questões acerca da natureza da criação e da destruição na arte.
Esses percursos do projeto, negociações, documentos, amostras e comprovações, atribuem outro tipo de caminhar às obras de Errante, um que pode nos fazer pensar na arte postal dos anos 1960 e 1970, que tinha a troca de documentos enquanto parte fundamental do fazer. Um deslocamento que ocorre por correspondência.
As várias caminhadas e obras de Marcelo Moscheta se apresentam como um diário de bordo de suas jornadas, onde questões que tocam a estética, ética e história da arte são rebatidas na história dos deslocamentos e assentamentos do homem no mundo; nas suas formas de estar e pensar os espaços, e nas formas de dominação que exerce sobre o mundo.
Texto de Gabriel Zimbardi
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