Essa seção acompanha artistas em exibição que vêm desenvolvendo trabalhos consistentes, seja pela forma como lidam com a imagem ou pelos materiais que escolhem. O foco está em quem tem mantido um percurso coerente, com propostas que se sustentam para além de uma temporada.
Selecionamos exposições em andamento que revelam abordagens diversas dentro da arte contemporânea brasileira. Os nove artistas reunidos nesta edição trabalham, cada um a seu modo, com questões ligadas à figura, ao corpo e ao território. A pintura tem presença marcante — mas não de forma homogênea. Em alguns casos, ela é fragmentada, espessa, instável ou contida. O corpo, às vezes, se funde à paisagem; em outros, é dissolvido ou reconstruído a partir de lembranças pessoais. Há também quem desenvolva investigações tridimensionais, como nas cerâmicas montadas em estruturas que remetem à lógica da colagem.
Um recorte breve, que não busca esgotar o campo, mas destacar produções em andamento que merecem ser acompanhadas de perto.
Anna Livia Taborda Monahan (Nova York – NY, 1997), “Remanso” | Casa Iramaia
até 12.07
Criada no Rio de Janeiro, Anna Livia Monahan desenvolve uma pintura marcada por animais e paisagens deslocados de uma lógica realista, em uma paleta de cores quentes e contrastantes. Sua pintura é movida por um interesse de longa data por espécies que causam estranhamento, muitas vezes com traços que remetem a formas de vida pré-históricas. Cobras, enguias, peixes, aves, crocodilos e carcaças aparecem em cenas que não constroem uma narrativa linear, mas criam uma atmosfera de deslocamento — um tempo paralelo, como define a própria artista, onde existe uma ordem natural imaginária.
Monahan parte de desenhos e associações visuais para compor suas imagens, guiada por experiências pessoais ou por um processo mais intuitivo. Há um jogo constante entre a familiaridade e a ameaça. O uso da técnica do sgraffito, por exemplo, intensifica esse movimento ao abrir camadas na superfície pictórica, como se expusesse o que estava encoberto — uma maneira de pensar a pintura também como escavação.
As cores carregadas, com destaque para os tons vermelhos e escuros, são parte essencial do trabalho e funcionam como parte condutora na construção das cenas. Como ela mesma define, são imagens que expressam um “estranhamento calmo”, onde o fazer artístico se aproxima de uma tentativa de pausa em meio ao caos. Ainda em julho, a artista participará da mostra coletiva “Fartura” na Galeria Luisa Strina.
Paula Siebra (Fortaleza – CE, 1998), “Remanso” | Casa Iramaia
até 12.07
Paula Siebra parte de memórias, objetos e paisagens do cotidiano para construir composições íntimas, carregadas de familiaridade. Sua pintura nasce de uma relação direta com o ambiente onde vive — o Ceará — e de um vocabulário construído a partir de cadernos, desenhos, observações e recordações. Elementos domésticos e vernaculares — como jarros de barro, ex-votos, colinas, rendas e fachadas desgastadas — aparecem em cenas silenciosas
A artista trabalha com camadas finas de tinta sobre fundos já tonalizados, geralmente em terracota, cinzas ou ocres. A escolha das cores e a construção cuidadosa das superfícies reduzem o contraste e criam uma luz difusa, que dissolve limites entre figura e fundo. Em muitos trabalhos, há uma certa solenidade que se insinua — resultado da atenção ao detalhe e da maneira como cada elemento é articulado no espaço.
Mesmo quando figuras humanas aparecem, há um leve distanciamento que preserva a interioridade da cena, como se o observador acessasse algo que não lhe pertence por completo. Suas imagens acumulam durações, hábitos e relações sutis com o mundo ao redor. Como define a própria artista: “Pintura é uma manifestação humana que faz sair de si assim como o amor.”
Luiz Escañuela (São Caetano do Sul – SP, 1993), “Corpo em bruma” | Espaço Caroço
até 10.08
Luiz Escañuela trabalha a fisicalidade da pintura a partir do corpo, mas não se limita a ele. Suas obras se constroem com base em um conhecimento técnico preciso, em que ossos se tornam estruturas montanhosas, músculos lembram relevos e os vazios se assemelham a mares. A anatomia aparece seccionada, reorganizada por linhas e texturas que remetem a mapas, diagramas e cortes geológicos.
Sua pintura parte do retrato, mas migra para uma espécie de cartografia corporal, onde referências científicas e sociais se sobrepõem. As figuras surgem incompletas ou imersas em sombra, sempre tensionando o que pode ou não ser visto. Há uma relação evidente com o tempo — tanto pela elaboração lenta das imagens quanto pela sobreposição de narrativas visuais que colocam o trabalho em uma zona entre o presente e o anacrônico.
Com base em estudos cartográficos e geológicos, Escañuela constrói cenas em que o corpo e a paisagem se confundem. O que está em jogo não é só a representação, mas uma forma de organizar visualmente a matéria do mundo.
Lucas Milano (Belo Horizonte – MG, 1992), “Corpo em bruma” | Espaço Caroço
até 10.08
As pinturas de Lucas Milano lidam com a percepção do que aparece e desaparece por meio de paisagens nebulosas, que não remetem ao mundo exterior, mas talvez a um espaço mental. São imagens que parecem sempre à beira de se formar ou de se dissolver, suspensas em um tempo que não se fixa. A bruma não é só um recurso visual, mas parte da estrutura do trabalho — um elemento que dilui, desfoca e introduz uma espécie de pausa entre instantes.
Sua pesquisa parte da ideia de paisagens internas e se aproxima da noção japonesa de ma, entendida como um intervalo, uma lacuna carregada de significado. Nas pinturas, isso se manifesta por meio de áreas de silêncio e espaços negativos que criam a sensação de um tempo em suspensão, como se algo estivesse para acontecer — ou acabasse de desaparecer.
As superfícies flutuam entre o reconhecível e o abstrato, e a imagem nunca se impõe por completo. É preciso habitá-la com o olhar. Assim, o trabalho de Milano propõe um tipo de experiência contemplativa, onde percepção e memória se tornam partes ativas da construção da imagem.
Ana Neves (São Vicente Ferrer – PE, 1998), “Tropical Trópico: Aqui Tudo Derrete” | Torre Malakoff
até 21.09
A produção de Ana Neves lida com a errância — figuras híbridas que carregam memória, deslocamento e desejo de pertencimento. Sua pintura parte de experiências pessoais, sociais e territoriais, e se estrutura a partir da figuração como campo de tensão entre identidade e ambiente. Os corpos em suas telas não estão fixos — vibram, oscilam e atravessam paisagens que remetem à zona da mata pernambucana, à diáspora e aos deslocamentos forçados vividos por grupos historicamente marginalizados.
Neves parte de referências autobiográficas, mas desloca essas imagens para tratar de questões mais amplas ligadas à identidade, raça, território e linguagem visual. Sua abordagem da figura não busca retratar o corpo tal como é, mas em acompanhar seus deslocamentos — no tempo, no espaço e na memória. Para isso, recorre a figuras distorcidas, faces, pontes, peixes, palavras soltas e estruturas simbólicas que funcionam como pistas visuais.
Fernanda Pompermayer (Curitiba – PR, 1993), “Sala de Projetos: Mergulho” | Verve Galeria
até 19.07
O trabalho de Fernanda Pompermayer articula fragmentos cerâmicos como colagens tridimensionais, que assumem formas escultóricas próximas de relicários, totens ou vestígios de rituais fictícios. A artista, que hoje vive na cidade de São Paulo, combina técnicas artesanais com uma abordagem experimental da cerâmica, a partir de processos como queima, erosão, fissura e dobra, que integram a construção formal das obras.
Os elementos que compõem suas obras combinam referências ao ambiente doméstico, à religiosidade popular e à estética do barroco, sem hierarquias. Ornamentação, excesso e imperfeição aparecem como escolhas formais, integradas ao modo como a artista constrói cada peça.
Pompermayer organiza um repertório próprio de formas e padrões. Suas esculturas se mantêm ambíguas — não apontam para um único sentido, mas transitam entre diferentes registros, como o imaginário e o cotidiano.
Allan Gandhi (Guarujá – SP, 1989) mostra individual | Sardenberg
até 05.07
Atualmente morando em São Paulo, Allan Gandhi pinta figuras masculinas instáveis, que surgem durante o próprio processo de trabalho. Suas imagens variam entre sensualidade, desconforto e absurdo, sem se prender a uma representação clara do corpo. O interesse não está em retratar um sujeito, mas em desestabilizar a própria construção da figura e da linguagem da pintura.
Rostos distorcidos, gestos quebrados e inserções como cusparadas ou costuras marcam sua prática, que se constrói a partir do improviso e da resposta ao próprio material. A pintura não parte de um plano fixo — quando existe, ele aparece de forma fragmentada, como uma ideia abandonada ou uma lembrança distorcida. Se há um eixo no trabalho de Gandhi, ele está na desordem — seja na construção da imagem ou nas identidades em trânsito que atravessam a obra.
Ainda em julho, o artista participará da mostra coletiva “Fartura” na Galeria Luisa Strina.
Arorá (Rio de Janeiro – RJ, 2000), Exposição Pop-Up – Piscina
a partir de 05.07
Arorá trabalha a pintura a partir da sobreposição de camadas e variações sutis de luz, tratando o suporte como base estrutural. Suas telas, frequentemente marcadas por tons próximos ao monocromático, sugerem lentamente imagens diluídas de paisagens, elementos naturais e territórios em mutação. Arorá não se detém na representação, sua pintura busca construir atmosferas que operam entre o visível e o indeterminado, deixando a textura e a materialidade da superfície conduzirem a experiência do olhar.
Além da pintura, sua prática se estende para instalações e esculturas, onde trabalha com materiais como ferro, cimento e pérola. Nessas obras, investiga estados de equilíbrio e descompasso entre forma, matéria e espaço, ativando relações sensíveis entre peso, brilho, rigidez e delicadeza.
Marcos Siqueira (Betim – MG, 1989) “Equilíbrio infinito” | Mitre Galeria
até 31.07
Marcos Siqueira retrata elementos do cotidiano do cerrado mineiro com pigmentos naturais extraídos da própria terra. Sua paleta é composta por tons ocres, vermelhos, verdes, pratas e pretos, resultado de um processo artesanal que parte da coleta e transformação do solo da Serra do Cipó, onde vive e trabalha. A relação com o território também é material e afetiva — seus trabalhos refletem o entorno em detalhes que vão da linha do horizonte à vegetação, da presença humana às festas, ao trabalho e às brincadeiras.
Com traços diretos e áreas de cor concentrada, Marcos Siqueira constrói cenas que partem da observação do entorno para refletir também experiências pessoais. Ao representar a si mesmo e as pessoas ao seu redor, o artista registra modos de vida, relações com o território e transformações cotidianas — criando uma espécie de diário visual ancorado no lugar onde vive.